Título: Termelétrica: solução ou problema?
Autor: Veloso, Marco Antonio
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2009, Opinião, p. 17

Diretor executivo da Associação Brasileira de Geração Flexível (Abragef)

O debate sobre a melhor solução para o atendimento ao mercado brasileiro de energia elétrica é um espetáculo inconcluso. A solução mista que envolve hidrelétricas, energia eólica, termelétricas e outras fontes alternativas desenha-se de maneira aleatória, embora de forma natural.

A solução para problema de tal magnitude, contudo, não pode resultar de ¿geração espontânea¿. Qual seria a composição de oferta ótima? Otimização tomada no sentido mais amplo, considerando não apenas custos financeiros, mas, também, os ambientais, sociais, culturais e, em especial, a segurança do suprimento. No que diz respeito à segurança do suprimento, devemos sempre considerar o custo do não atendimento às necessidades de energia da economia. O custo desse déficit é estimado, em seu patamar mais baixo, com profundidade de até 5%, em trono de R$ 1.200 por MWh faltante.

No passado recente, a geração termelétrica deixou de ter uma conotação quase imoral para ser aceita, ainda que com algumas restrições. A maioria delas com forte componente subjetivo: envolve mais a paixão do que a razão. A termeletricidade garantiu o suprimento de energia a partir da crise de 2001 e mostrou-se valiosa e efetiva em situações críticas já em fins de 2003. Desde o início da década, foram as centrais térmicas que nos socorreram em várias ocasiões como, por exemplo, entre o fim de 2007 e meados de 2008.

A geração de energia elétrica, a depender da natureza do combustível, apresenta vocações peculiares. Assim, a central hidrelétrica tem características operacionais e de custo que a privilegiam para protagonizar papel fundamental no suprimento, operando durante todo o ano. As usinas eólicas e solares, mesmo com perfis diferentes das hidráulicas, também se prestam à operação contínua.

As plantas térmicas, desde aquelas acionadas a carvão mineral, passando pelo gás natural, pela fissão nuclear até as movidas a biomassa e óleo, têm atributos operacionais que lhes dão ¿personalidade¿ própria. As plantas a carvão, nucleares ou a gás natural são adequadas para operação de base a maior parte do tempo. Já as unidades a biomassa, em função do caráter sazonal da disponibilidade do combustível, normalmente se prestam para operar nos períodos de produção da indústria da cana-de-açúcar.

As plantas geradoras a óleo ¿ de competitividade comprovada em todos os leilões da chamada ¿energia nova¿ desde dezembro de 2005 ¿ são imbatíveis como geração de segurança. Como tal, apresentam-se com o caráter de geração complementar. Não são as mais indicadas para suprir continuamente a carga, mas para assegurar o suprimento dessa carga. Pode parecer jogo de palavras, mas não é. Com custo variável da ordem de R$ 400/MWh, certamente só serão chamadas a operar quando as demais fontes mais baratas, por quaisquer razões, não forem capazes de atender à demanda. É geração de segurança.

Em se tratando de uma geração de caráter complementar e de segurança, a expectativa é de que seja acionada, em média, durante não mais de 15% do tempo. Como o combustível utilizado apresenta total flexibilidade, não há nenhum mínimo de consumo compulsório. Só haverá dispêndio quando houver consumo. Aqui a questão das emissões de gases de efeito estufa se sobressai. As plantas a óleo emitem entre 700kg e 800kg de CO2 por MWh produzido. Outros combustíveis estão na faixa dos 600kg/MWh. Ressalte-se que plantas a gás natural, operando em ciclo combinado, têm emissões de 300kg/MWh. Assim, na operação normal, uma planta a óleo emitiria, ao longo de um ano, por exemplo, cumprindo sua missão precípua de garantia do fornecimento, no máximo, um total de CO2 na razão de 120kg para 420kg ou 210kg. A questão ambiental, portanto, não viria a desqualificar a geração a óleo.

A produção de gases de efeito estufa se dá em qualquer tipo de combustão. A queima de qualquer combustível, desde óleo até etanol, sempre produzirá, entre outros subprodutos, CO2 e água. A emissão de gases de efeito estufa será reduzida drasticamente quando eliminarmos a combustão da economia mundial. Ainda que cheguemos a esse ponto, restará a produção natural de gases de mesma natureza, com destaque para o metano. Portanto, sem perder de vista a perspectiva de descarbonização da nossa civilização, não poderemos descartar qualquer fonte de energia que nos sustente até lá.