Título: Clima de frustração
Autor: Oliveto, Paloma
Fonte: Correio Braziliense, 06/11/2009, Ciência, p. 22

Reunião preparatória para a COP-15 termina hoje na Espanha com poucos avanços na luta contra o aquecimento global. Negociadores consideram difícil que o acordo a ser feito em dezembro inclua metas claras de redução das emissões de carbono

Barcelona ¿ Assim que for encerrado oficialmente o último encontro informal antes da 15ª Conferência das Partes das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas (COP-15), hoje, o relógio da ONU marcará: ¿faltam 30 dias e 10 horas para Copenhague¿. Pouco tempo para uma reunião cercada por expectativas sobre o futuro do planeta. Mas, para quem espera um resultado revolucionário na capital dinamarquesa, as previsões são decepcionantes.

¿O tempo está passando¿, advertiu ontem, mais uma vez, Yvo de Boer, secretário executivo da Cúpula das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas. Além de hoje, resta apenas uma semana e meia para se chegar a um texto final, já que os nove dias iniciais de Copenhague ainda são dedicados às negociações. De Boer cobra uma posição não apenas dos países desenvolvidos, mas também do Brasil.

¿Aguardo com bastante expectativa o anúncio do Brasil sobre seus planos para Copenhague. Acredito que precisamos ver uma proposta clara a respeito do que o país pode fazer. E espero que os esforços sejam mensuráveis¿, avisou. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva já afirmou que poderá não apresentar números, o que certamente vai decepcionar o secretário executivo. ¿Tenho esperança de que seja possível para o Brasil finalizar um pacote, contendo números, antes de Copenhague.¿

Ele também ressaltou que a presença dos chefes de estado, incluindo o presidente brasileiro, seria importante para avançar nas negociações. Lula ainda não confirmou oficialmente a presença na Dinamarca, mas é quase certo que ele irá. O presidente, inclusive, telefonou para Barack Obama, pedindo que o colega norte-americano participe do encontro.

O que o mundo quer ver são metas mensuráveis, o que provavelmente não ocorrerá. Há três anos e meio, o grupo que trabalha sobre o Protocolo de Kyoto, cuja primeira fase se encerra em 2012, desdobra-se para chegar a um consenso numérico. O êxito não foi alcançado em Barcelona e, na opinião de delegados envolvidos nas negociações, tampouco será atingido em Copenhague. Desde Kyoto, os Estados Unidos(1), maiores emissores de carbono na atmosfera, já deixaram claro que não se submeterão a metas de redução definidas no âmbito global.

Por trás de um discurso público sobre a necessidade de colocar sobre a mesa metas ousadas de redução de carbono, a União Europeia assume a mesma postura que os Estados Unidos não fazem questão de esconder: ninguém quer se comprometer com estatísticas. Fechar números é difícil, já que diversas questões ¿ principalmente as econômicas ¿ estão envolvidas. Além disso, não se trata apenas de diminuir as toneladas de CO2 lançadas na atmosfera. Como se já não fosse bastante, há ainda duas questões envolvendo centenas de bilhões de euros: o fundo de financiamento e a transferência de tecnologia.

A União Europeia defende que 100 bilhões de euros ao ano serão necessários, até 2020, para financiar os países em desenvolvimento na transição para uma economia de baixo carbono. Mas não diz o quanto vai tirar do cofre. O argumento é que, sem saber o que os outros vão oferecer, o continente também não pode calcular o quanto deverá desembolsar.

Durante a reunião de Barcelona, porém, os representantes do bloco foram duros com os colegas desenvolvidos. Cobraram empenho e ambição e deixaram claro que a demora vai atrasar as negociações. ¿Números de redução e financiamento não sairão daqui de Barcelona nem nos primeiros dias de Copenhague¿, avisou Arthur Rungle-Metzger, negociador da União Europeia. Ontem, ele foi mais enfático: ¿Temos que ser flexíveis. Copenhague não é o fim¿.

Tecnologia Outro entrave deixado para ser definido em Copenhague é a transferência de tecnologia para países em desenvolvimento. Dos três principais assuntos discutidos no encontro, esse é o que mais avançou. Contudo, os negociadores sabem que muito do que foi acordado pode não sair do papel. A lei internacional de patentes, criada há mais de 100 anos, certamente vai dificultar o acesso às tecnologias desenvolvidas nas nações ricas. Além disso, seria ingênuo imaginar que os Estados Unidos, por exemplo, entregariam nas mãos dos chineses suas inovações tecnológicas tão facilmente. Os ministros da Fazenda do G20 se reúnem neste fim de semana na Grã-Bretanha, onde deverão apresentar propostas concretas sobre o financiamento para ajudar países emergentes a desenvolver uma economia de baixa emissão de carbono.

Algo precisa sair de Copenhague, contudo. Sem um acordo, Kyoto iria para o lixo, algo completamente impensável, que traria péssimas repercussões da opinião pública, além de representar um retrocesso em relação a tudo que já foi feito desde 1997. ¿Se os países falharem em oferecer metas claras individualmente, Copenhague vai falhar. Temos que manter Kyoto porque é o único instrumento legal que temos¿, avisou Yvo de Boer. Na opinião de analistas, o mais provável é que, da capital dinamarquesa, saia um ¿esqueleto¿ a ser preenchido no ano que vem. Em outras palavras, as tão almejadas metas específicas determinadas para cada país parecem ainda uma realidade distante.

1- Resistência do Congresso Os Estados Unidos chegarão a Copenhague sem uma nova lei de mudanças climáticas, devido à forte resistência do Congresso. Ontem, a comissão de Meio Ambiente do Senado americano aprovou, por 10 votos a 1, um projeto de lei sobre o aquecimento global, mesmo com a ausência de sete membros republicanos. ¿Estamos contentes de, apesar do boicote dos republicanos, termos feito esse projeto avançar¿, afirmou a presidente da comissão, Barbara Boxer. O único republicano da comissão que compareceu foi James Inhofe, que fez uma declaração de dois minutos e depois foi embora.

A repórter viajou a convite da organização da COP-15

Análise da notícia Choque de realidade

De todos os cenários apontados como possíveis resultados da COP-15, marcada para dezembro em Copenhague, dois se apresentam como mais realistas. Uma das possibilidades é que ali seja fechado um acordo sem números para ser negociado depois que a lei norte-americana sobre o tema for votada no Congresso. Se o resultado da COP-15 estiver em consonância com os interesses dos parlamentares norte-americanos, ratificar o acordo será fácil, pois não haverá necessidade de levá-lo à votação.

Outra forte possibilidade é que se aprove na Dinamarca um texto que, em vez de metas específicas, estabeleça uma faixa de números que poderá ser negociada depois. Isso não significaria um fracasso, na opinião de negociadores. Para eles, o que importa não são os números, mas as ações e os resultados.

Dessa forma, a reunião preparatória em Barcelona encerra-se hoje como uma espécie de choque de realidade na população global. A resistência generalizada de apresentar metas específicas para reduzir as emissões de carbono mostra que o jogo político e econômico está acima dos prognósticos feitos pela ciência. Verdade que fica explícita na dificuldade em se negociar a transferência de tecnologia ou a criação de um fundo para ajudar países em desenvolvimento a migrar para a economia mais limpa. (PO)

ONGs elogiam o Brasil Daniel Beltra/Greenpeace/Divulgação Flagrante de queimada na Amazônia: programa brasileiro de combate ao desmatamento é citado como exemplo por ambientalistas

As ações brasileiras para reduzir as emissões provocadas pelo desmatamento na Amazônia ficaram em sexto lugar em uma lista que classifica as melhores medidas específicas na luta contra o aquecimento global, apresentada ontem na Espanha. Intitulado O melhor e o pior das políticas climáticas e da recuperação econômica, o relatório apresentado pelas ONGs ambientais WWF e E3G avalia as ferramentas ambientais utilizadas pelos países do G20.

Na primeira posição ficou um programa de ¿eficiência energética em edifícios¿ do governo alemão. O relatório salienta que as políticas climáticas não apenas geram benefícios ambientais, mas também melhoraram e diversificam a economia, levando-se em conta que os países do G20 são responsáveis por três quartos das emissões de gases de efeito estufa no mundo. ¿Esse relatório mostra que os governos que aplicam medidas para combater a mudança climática terão êxito e ocuparão uma posição de liderança¿, disse Kim Carstensen, diretor da iniciativa global das alterações climáticas da WWF.

Mesmo com o elogio à proposta brasileira de redução de desmatamento, os ambientalistas não escondem o desejo de ver a devastação na Amazônia interrompida. O Greenpeace distribuiu ontem uma edição fictícia do jornal International Herold Tribune com notícias que gostaria de ver publicadas na realidade. Entre os destaques imaginados, está o anúncio feito pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva de que o Brasil assumirá a meta do desmatamento zero.

A ¿reportagem¿ relata que grupos de ambientalistas, indígenas e defensores dos direitos humanos lotaram as capitais brasileiras para pedir a Lula uma posição firme na COP-15. Desafiando o interesse do agronegócio e dos grileiros de terras, o presidente promete às Nações Unidas que nenhuma árvore será arrancada da floresta. ¿Esse compromisso é importante não só porque vai salvar a floresta, mas também porque é bom para o clima. O desmatamento causa mais danos ao clima que todos os carros, caminhões, aviões, trens e navios do mundo. Salvar a Amazônia protege o mais rico tesouro natural da Terra e também nos protege da vulnerabilidade¿, é a frase atribuída a Lula na edição-protesto. (PO)