Título: Meio passo: e agora?
Autor: Silva, Eurides Brito da
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2009, Opinião, p. 17

Professora titular aposentada da UnB e deputada distrital pelo PMDB-DF

O país acorda com a grande notícia de que chegará ao fim a Desvinculação de Recursos da União (DRU) e, com isso, haverá R$ 9 bilhões por ano a mais no orçamento do MEC. Que é mesmo essa tal de DRU, a que a maioria do povo contribuinte não foi apresentada?

Como criminosos, para confundir ela mudou de identidade várias vezes. Nasceu em 1994, em 23 de fevereiro, quando o corajoso senador da educação João Calmon discursou, encaminhando a votação contrária: ¿Diante desse atentado à educação, ao futuro das gerações que aí estão, sinto ímpetos de escrever um livro com o título: `Por que me envergonho do meu país¿¿.

A Emenda Constitucional, para ¿salvar¿ o Brasil, determinou o corte de um quinto das verbas federais vinculadas à educação. O argumento da salvação nacional vinha baseado numa inflação galopante. É verdade que, para a ¿salvação da Alemanha¿, Hitler mandou matar oposicionistas, judeus, ciganos e outros. Aqui andou-se não matando propriamente, mas atirando à ignorância muitas crianças que, na quarta série, ainda eram (e são) funcionalmente analfabetas, o que é, de qualquer modo, uma morte pós-moderna. Diga-se por justiça que, em anos seguintes, de alta arrecadação, o MEC recebeu dinheiro que, em parte, cobriu esse buraco, algumas poucas vezes até o superou.

Mas vejam o tempo que levou para ¿salvar¿ o Brasil: mais de 15 anos! O que era emergência virou rotina. Desonra seja feita, depois de Calmon inserir na Constituição os 18% de impostos para o ensino, nunca mais se criou um imposto, só ¿contribuições¿, isto é, impostos travestidos. E o que acontecerá agora? Festejar é justo, porém, é preciso alertar: existe boa educação com baixos custos e má educação gastando muito dinheiro.

As verbas são necessárias, mas não suficientes para garantir qualidade e igualdade. E é preciso uma advertência: a proposta de emenda aprovada com a mão direita oferece ao MEC esses bilhões e, ao mesmo tempo, com a mão esquerda, aumenta as obrigações dos estados, do Distrito Federal e dos municípios: torna a educação obrigatória dos 4 aos 17 anos. Por isso, o MEC tem a obrigação moral de contribuir eficientemente para que os governos estaduais e municipais tenham recursos para manter esses milhões de alunos. Eficientemente quer dizer: com muito mais agilidade, sem atrasos, com menos burocracia, com menos exigências de contrapartida e sem olhar a cara do partido que governa os estados e municípios. Porque dinheiro de imposto e aluno em sala não têm partido.

E tem mais: a pré-escola só faz bem às crianças que mais precisam dela se for de boa qualidade. Depósitos de pré-escolares são recursos jogados fora. Mas as dificuldades não param aí. Apenas cerca de 44% dos jovens de 15 a 17 anos estão matriculados no ensino médio. Por seu lado, na faixa de 18 a 24 anos, aproximadamente um terço cursa estudos superiores, mais de um terço está no ensino médio e em torno de 16% se encontram ainda no ensino fundamental. Será que o problema é falta de vagas? Em certos lugares até pode ser, mas há pouco tempo se discutiu uma pesquisa da Fundação Getulio Vargas sobre os motivos da evasão escolar no ensino médio: quase metade, isto é, 40% dos adolescentes de 15 a 17 anos de idade que largaram os estudos apontaram como motivo o desinteresse pela escola.

Então, se tornará obrigatório até os 17 anos um ensino desinteressante? Será um bom remédio obrigar a ir à escola quem não se convenceu de que a escola é útil? Isso significa que, ou a obrigatoriedade em 2011 será para ¿brasileiro ver¿, ou os alunos vão ficar na escola obrigados. Não adianta fazer maquiagem no ensino médio: para manter os alunos, cujo número vem caindo ano a ano, cumpre fazer uma escola interessante, útil para as suas necessidades e não para as necessidades do vestibular. Isso quer dizer mudanças profundas para fazer pontes entre a educação e a vida, como se previa desde o fim do século 19. E já estamos no 21!