Título: O futuro dos regimes próprios de previdência
Autor: Souza; Paulo César Régis de
Fonte: Correio Braziliense, 10/11/2009, Opinião, p. 17

Presidente da Associação Nacional dos Servidores da Previdência e da Seguridade Social (Anasps)

Para quem não sabe, regimes próprios deveriam compreender os regimes dos servidores públicos, civis e militares, da União, estados e municípios. Essa é a teoria. A prática é outra. Os militares e afins que se beneficiam de especificidades históricas, desde o tempo em que as guerras eram feitas com cavalos, espadas e baionetas. As mudanças tecnológicas que revolucionaram as guerras e guerrilhas, tornando-as virtuais, não chegaram ao plano social.

Por enquanto o financiamento da previdência dos civis continua sendo gasto e dos militares, investimento de Estado. No caso dos servidores civis da União, historicamente o Estado dispôs de instrumentos adequados para administrar a previdência social, com aposentadorias e pensões. Em período distante, 1815, dom João VI instituiu a aposentadoria para os professores do Reino do Brasil, Portugal e Algarves, com 30 anos de serviço. O Tesouro as pagava.

Os dispêndios foram considerados gastos públicos, em termos de despesas correntes, como aluguéis e material de expediente e consumo. Em tempos mais recentes, existiu o Instituto de Aposentadoria e Pensões dos Servidores do Estado (Ipase, 1941-1977), que arrecadava as contribuições do Estado e dos servidores, bipartite, e pagava as prestações devidas aos aposentados e pensionistas. Em 1952, foi lançado o Estatuto dos Funcionários Civis da União, seguindo o modelo francês de 1946.

A criação do Ipase possibilitou que muitos estados e municípios de capitais criassem institutos assemelhados, prática muito comum na gestão patrimonial brasileira. Com a extinção do Ipase, os servidores federais foram para o orfanato do Dasp e depois para o escalão do subsolo do Ministério do Planejamento. Nos estados, oscilaram entre a Casa Civil e as secretarias de Planejamento. Nos municípios, gabinetes de prefeitos e secretarias de finanças. Essas repartições, sem qualquer cultura previdenciária, acabaram agravando as distorções. A consequência da descontinuidade administrativa foi um festival de desacertos, com deficits crescentes que perduram até nossos dias.

A partir da reforma administrativa de 1967, estados e municípios desembarcaram no INPS, mas tiveram o desprimor de fazer o mesmo que o governo federal. Não pagaram suas contrapartidas nem recolheram as dos servidores, construindo um contencioso que beira os R$ 60 bilhões. Todas as vezes que o INPS e seu substituto (INSS) tentaram cobrar, esbarraram em ameaças de calote, advindo os parcelamentos indefinidos. Muitos municípios, inflados pelos políticos da base aliada, proclamam que não são devedores, mas credores.

Com a criação do Regime Jurídico Único, em 1990, criou-se o Plano de Seguridade Social para o Servidor (PSS-Órgão e PSS-Servidor). O INSS ficou com um passivo, de valor desconhecido até hoje. Projetam para isso as despesas de pessoal da União, de R$ 108,3 bilhões, em 2008, 54% civis, 22,1% militares, 4,1% do Legislativo, 15,7% do Judiciário e 4,2% do Governo do Distrito Federal. Nesse conjunto, os ativos pesam 58,4%; os inativos, 41,2%.

O Ministério da Previdência Social, omisso desde sua criação, em 1974, em relação à previdência do servidor, nos três níveis da administração pública, tenta agora reencontrar o eixo da questão, através da Secretaria de Políticas de Previdência Social (SPS). É verdade que há progresso entre estados e municípios (22 dos 27 estados e DF e 1.951 dos 5.565 municípios). Os 3.574 municípios que não têm RPPS estão no INSS com problemas de não pagamento das dívidas que se acumularam no tempo.

Mais recentemente, o Executivo federal lançou a ideia de criar um fundo de pensão para os servidores, o que levou alguns estados a fazerem igual, com a mesma concepção da previdência complementar fechada, com um mínimo pago pelo INSS e beneficio definido pago pelo fundo, mediante contribuição igualmente definida. O problema esbarrou na cobertura do Judiciário e do Legislativo, que não aceitam um fundo único.