Título: Incentivo para crescer a família
Autor: Moraes, Diego
Fonte: Correio Braziliense, 07/11/2009, Brasil, p. 18

Projeto de lei prevê a dedução do Imposto de Renda para quem adotar uma criança. Especialistas acreditam que medida poderia gerar mais problemas do que resolvê-los Crianças em abrigo no DF: especialistas defendem que a adoção não pode ser motivada por recompensas fiscais

Um projeto de lei que pode ser votado na Câmara dos Deputados na próxima semana promete acirrar uma polêmica: a adoção deve ser estimulada com a concessão de incentivos fiscais? A proposta obriga o governo a abater parte do Imposto de Renda de pessoas que aumentarem a família com um filho não biológico. Os parlamentares defensores da ideia afirmam que trata-se de um estímulo eficaz para esvaziar abrigos e orfanatos. Mas especialistas alertam que a medida, além de ferir a Constituição, pode causar efeitos colaterais na relação familiar.

O projeto está na pauta da Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF) da Câmara e deve ser votado na próxima quarta-feira. O texto assegura ¿aos contribuintes que procederem adoções de menores internos em orfanatos públicos ou particulares a dedução do Imposto de Renda devido, na declaração anual, de até o dobro do valor pelo dependente¿. Ou seja, o contribuinte poderá contar o filho adotivo como dependente duas vezes na mesma declaração.

Para o autor do projeto, deputado Vicentinho Alves (PR-TO), o grande número de crianças em orfanatos ressalta a necessidade de estímulos. ¿A proposta é um incentivo e, ao mesmo tempo, um beneficio para aqueles que queiram ajudar o país socialmente¿, justifica no projeto. O relator do texto na comissão, deputado André Zacharow (PMDB-PR), deu parecer favorável, sob o argumento de que o Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA) prevê a concessão de incentivos financeiros para a adoção de menores abandonados.

Se for aprovada, a proposta só precisará passar pelas comissões de Finanças e Tributação e de Constituição e Justiça (CCJ) antes de seguir para o Senado. A CCJ vai analisar se a matéria é inconstitucional ou não. E é justamente nisso que os contrários à ideia vão se amparar. A deputada Rita Camata (PSDB-ES) apresentou voto em separado para sustentar que o projeto fere a Constituição Federal.

¿Filho é filho, não há diferença entre biológico ou adotado. Essa distinção, além de discriminatória, é proibida por nossa lei maior¿, reforça no voto. A advogada Suzana Viegas, especialista em direito de família e professora da Universidade de Brasília (UnB), endossa o argumento. ¿Embora o projeto possa ser bem intencionado, a Constituição é clara: não há diferença entre filhos, mesmo que seja para uma coisa positiva. Isso fere a isonomia¿, avalia.

A assistente social Eunice Fávero, doutora em Serviço Social pela Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, diz, ainda, que misturar incentivos financeiros com adoção pode até prejudicar o relacionamento da criança com a nova família. ¿Se uma das motivações para adotar for maior dedução no imposto, isso já vai trazer uma visão diferente no trato daquela criança. A adoção não vai acontecer apenas porque existe uma finalidade de afeto, de acolher o filho, mas pela facilidade material, e não deve ser esse o objetivo. Filhos biológicos e adotados devem estar sob os mesmos direitos e deveres.¿

Lei já vale em município gaúcho Na cidade gaúcha de Viamão, região metropolitana de Porto Alegre (RS), o incentivo fiscal para adoção já existe. Uma lei municipal isenta as famílias que adotarem crianças do Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) e da Taxa de Serviços Urbanos (TSU). O fiscal Fernando Jaques, da Secretaria de Fazenda do município, informou ao Correio, por telefone, que a regra está em vigor. Disse que o benefício vale para quem tem casa própria, até que a criança ou adolescente complete 18 anos. ¿Basta apresentar a certidão da criança e a documentação do imóvel¿, explicou. O vereador Luís Armando Azambuja (PT), autor da lei, diz que é preciso valorizar o gesto de quem adota. ¿É uma forma justa de reconhecimento dessa ação social e generosa das pessoas¿, afirma em sua página na internet. Mas a assistente social Eunice Fávero alerta que, pelo fato de ser um benefício com prazo para terminar, a medida pode estimular a adoção de crianças mais novas e reduzir a chance das mais crescidas ¿ justamente as menos procuradas pelas famílias. ¿Se pensar por essa ótica, poderia até agravar o problema em vez de resolvê-lo¿, avalia. (DM)