Título: A conta milionária da cassação
Autor: Torres, Izabelle; Rizzo, Alana
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2009, Política, p. 4

Enquanto direção do Congresso protela cumprimento de decisões judiciais, cofres públicos pagam salários a políticos que perderam mandato no Tribunal Superior Eleitoral

A resistência dos presidentes da Câmara e do Senado em declarar a perda do mandato de parlamentares cassados pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) tem impacto direto nos cofres públicos. Desde 2004, as seis cassações decretadas pela última instância da Justiça Eleitoral resultaram em uma conta de

R$ 791,2 mil. Levantamento feito pelo Correio levou em consideração apenas os salários de parlamentares cujas condutas foram consideradas incompatíveis para continuar nos cargos para os quais foram eleitos. Na prática, enquanto as Mesas Diretoras do Congresso apelam para o corporativismo e protelam o cumprimento de decisões judiciais, políticos cassados recebem os salários normalmente e ainda usufruem dos penduricalhos concedidos aos parlamentares em exercício, como verba de gabinete e passagens áreas.

A maior conta salarial feita por deputado cassado entre os casos apurados foi a da deputada Janete Capiberibe (PSB-AP). Em abril de 2004, a parlamentar e o marido, o ex-senador João Capiberibe, perderam os mandatos por decisão do TSE, acusados de comprar votos nas eleições de 2002. A Câmara, no entanto, oficializou a situação da deputada apenas em janeiro de 2006. Enquanto isso, ela continuou recorrendo e recebendo salário mensal de R$ 12.847, valor da época. A soma do período entre a decisão do TSE e a efetiva saída do cargo fez a deputada receber mais de R$ 269 mil de vencimentos. Janete é deputada atualmente, depois de ser eleita novamente em 2006.

Com João Capiberibe a situação não foi diferente. Cassado no mesmo dia da esposa, o Senado oficializou a perda do seu mandato apenas em outubro de 2005. Durante esse período, conseguiu engordar a conta bancária em mais de R$ 256 mil. Capiberibe vai tentar voltar ao Senado na eleição do próximo ano.

Quem também permaneceu no cargo depois de cassado foi o ex-deputado Ronivon Santiago (PP). O Tribunal Regional Eleitoral do Acre o condenou em julho de 2004 no processo em que respondia por compra de votos. O TSE cassou os recursos em setembro de 2005, mas a Mesa Diretora da Câmara resistiu a cumprir a decisão e somente deu posse ao suplente em dezembro, depois que o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a decisão do TSE. Durante o período em que ocupou o cargo mesmo depois de ter sido cassado, Santiago recebeu salários que somam R$ 38,5 mil.

A conta dos casos de protelação das cassações no último ano também não é barata. No final de 2008, a resistência do então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), para cumprir a decisão do TSE e declarar a perda do mandato do ex-deputado Walter Britto Neto por infidelidade partidária rendeu ao cassado R$ 143 mil somente em vencimentos.

Este ano, duas cassações renderam boas quantias financeiras para os ocupantes de cargos eletivos. Na Câmara, Juvenil Alves passou 12 dias no cargo depois de ter o último recurso negado pelo TSE. Nesse período, recebeu R$ 6.391. No Senado, a inércia do presidente José Sarney (PMDB-AP) em determinar a perda do mandato do ex-senador Expedito Júnior (PSDB-RO) por abuso de poder rendeu ao tucano R$ 75.955 apenas de salários. Ele foi cassado pelo TSE em junho, e somente na última quinta-feira perdeu efetivamente o cargo.

Regalia protegida

Os políticos que recebem salários mesmo depois de cassados pela Justiça Eleitoral ganharam no mês passado a proteção de um parecer do Tribunal de Contas da União (TCU). Ao responder a uma consulta formulada em 2008 pelo então presidente da Câmara, Arlindo Chinaglia (PT-SP), a Corte afirmou que os parlamentares que perdem os mandatos por decisão judicial e mesmo assim continuam ocupando suas funções eletivas porque as Mesas Diretoras não dão posse aos suplentes não devem ressarcir o erário.

De acordo com o TCU, os parlamentares que permanecem nos cargos porque os presidentes da Câmara e do Senado não cumpriram a decisão da Justiça Eleitoral aguardando o julgamento de recursos estavam, teoricamente, cumprindo suas funções normalmente. O que lhes daria o direito de receber salários e usufruir também das verbas extras. Ou seja, na opinião do relator da consulta, ministro Benjamin Zymle, é possível supor que os cassados agiram de boa-fé ao receber os vencimentos, visto que, em tese, permaneceram trabalhando.

¿Se não houve culpa, exclusiva ou parcial, do parlamentar cassado em sua permanência no mandato mesmo após a decretação da Justiça Eleitoral, não há como se falar em o mesmo restituir ao erário os valores recebidos de boa-fé, até porque, em tese, permaneceu em suas atividades institucionais, o que afastaria o dever de ressarcir os subsídios recebidos enquanto a Câmara não declarasse a perda do mandato¿, diz o voto do ministro.

Suplentes O parecer do TCU encaminhado à presidência da Câmara dos Deputados em outubro também faz referências aos direitos dos suplentes desses políticos cassados. De acordo com o ministro Zymle, os substitutos de parlamentares cujos mandatos foram retirados pela Justiça devem começar a receber seus vencimentos a partir da posse, a não ser nos casos em que órgãos judiciais determinem outra data para a contagem do prazo, como a partir da diplomação, por exemplo.

A referência a uma possível decisão judicial para conceder aos suplentes o direito de receber os salários pelo tempo em que esperaram a confirmação das cassações animou alguns dos políticos que esperaram por meses para assumir os cargos. É o caso, por exemplo, de Chicão Brígido, (PMDB-AC). Suplente do deputado cassado Ronivon Santiago (PP-AC), ele precisou esperar mais de um ano entre a data em que foi diplomado pelo Tribunal Regional Eleitoral do Acre e o dia em que foi efetivamente empossado pela Câmara. Chicão chegou a se acorrentar numa cadeira do plenário pedindo que fosse marcada sua posse. Há anos ele pede o ressarcimento dos salários não recebidos por conta da resistência da Mesa em declarar a perda do mandato de Ronivon, mesmo depois da decisão do TSE.

Foi o pedido de Brígido que levou Chinaglia a questionar o TCU sobre os direitos de suplentes e a garantia de que os políticos cassados podem embolsar vencimentos recebidos entre o dia da cassação pelo TSE e a saída do cargo. (IT)

Críticas Carlos Moura/CB/D.A Press - 25/10/05 Janete e João Capiberibe: mesmo cassado, casal recebeu mais de R$ 500 mil de salários

A morosidade das Mesas Diretoras para cumprir as decisões do TSE tem irritado até os ministros do STF. Em diversas ocasiões, os integrantes da Corte ressaltam a independência da Justiça Eleitoral. No final da sessão da última quinta-feira, os ministros disseram ter estranhado a ameaça de Expedito de entrar com um recurso administrativo no Senado para tentar permanecer no cargo, mesmo depois de o próprio STF ter confirmado a cassação. Para o ministro Marco Aurélio, a demora do Senado em cumprir a decisão foi desnecessária, por ter gerado um clima de instabilidade institucional sem uma justificativa plausível. ¿Que tomemos esse incidente como exemplar para avançarmos culturalmente e para que isso não se repita. É preciso respeitar as decisões da Justiça¿, destacou.

Os custos de cada um

Confira alguns exemplos de gastos com salários de parlamentares cassados:

Parlamentar Expedito Júnior

Período entre a cassação do TSE e a saída do cargo 17/06/2009 a 05/11/2009 Despesa R$ 75.955

Parlamentar Juvenil Alves

Período entre a cassação do TSE e a saída do cargo 19/03/2009 a 31/03/2009 Despesa R$ 6.931

Parlamentar Walter Britto Neto

Período entre a cassação do TSE e a saída do cargo 27/03/2008 a 18/12/2008

Despesa R$ 143.104

Parlamentar Ronivon Santiago

Período entre a cassação do TSE e a saída do cargo 06/09/2005 a 17/12/ 2005

Despesa R$ 38.541

Parlamentar João Capiberibe

Período entre a cassação do TSE e a saída do cargo 28/04/2004 a 25/10/2005 Despesa R$ 256.940

Parlamentar Janete Capiberibe

Período entre a cassação do TSE e a saída do cargo 28/04/2004 a 28/01/2006

Despesa R$ 269.787