Título: A boa cautela de Lula
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2009, Política, p. 6

Se não nos convidaram para o banquete, soa um pouco excessivo que nos intimem a participar de igual para igual na hora de rachar a dolorosa

É bom que o presidente da República esteja cauteloso nas discussões sobre o papel do Brasil na Conferência do Clima. E é curioso que os críticos do ¿protagonismo a qualquer custo¿ sejam agora os primeiros a exigir de Luiz Inácio Lula da Silva que coloque o Brasil na linha de frente das medidas contra o aquecimento global. É a dança da política.

O debate está claro desde o começo. Se o aquecimento global é mesmo um problema grave, e se deve ser enfrentado globalmente, é preciso saber para quem irá a conta. O lógico será repassá-la aos que, até o momento, mais se beneficiaram do progresso humano. Se é mesmo verdade que o mundo não suportaria a globalização dos padrões europeu e americano de consumo, que os americanos e europeus se contenham, para começo de conversa.

Qual é o problema? É que países como a China e o Brasil estão pelo meio do caminho. Não podem ser considerados tecnicamente ¿subdesenvolvidos¿, mas ainda têm milhões de pobres para colocar no mercado, alimentar, vestir, educar, divertir. O Brasil não é a Noruega, ou a Suécia, onde tudo está mais ou menos resolvido. Temos um país a construir. Então, ou se encontra um jeito ambientalmente correto de fazê-lo, ou paciência.

Se não nos convidaram para o banquete, soa um pouco excessivo que nos intimem a participar de igual para igual na hora de rachar a dolorosa. Também porque as bolas estão invertidas. Pedem-nos o sacrifício à vista, com a promessa de benefícios a longo prazo. Exigem que renunciemos à expansão da fronteira agrícola, sem a garantia de que o aumento de produtividade será capaz de atender à demanda explosiva por comida numa sociedade em que, finalmente, os pobres começaram a comer direito.

Isso significa que nada temos a ver com o desafio? Ou que não podemos contribuir para resolvê-lo? Negativo. Apenas é preciso cautela. Daí a razoabilidade da posição de Lula e da candidata dele à Presidência, Dilma Rousseff.

Até porque ¿ e infelizmente ¿ as opções a nós propostas são no mínimo nebulosas. A primeira é exatamente congelar a expansão da área plantada, com a premissa de aproveitar melhor a área já desmatada. É um debate bonito de se fazer no carpete e no ar-condicionado, mas enfrenta problemas na vida real. E olhem que Lula deu sorte, ao ver fracassar seu projeto delirante de transformar o etanol em combustível planetário. Tivesse dado certo, a soja e os bois estariam em marcha batida rumo ao norte, e Lula não poderia nem passar na porta do encontro de Copenhague.

O outro item da pauta, os créditos de carbono, não parece ser capaz de dar conta do desafio. É uma conta que não fecha. Europeus e americanos pagam para que preservemos as nossas florestas. Ótimo. Mas ninguém come dinheiro, ou se veste com dinheiro, ou mora em casas de dinheiro. Ele serve para comprar coisas. Que precisam ser produzidas. E que, portanto, implicam custo ambiental. Com dinheiro na mão, o pobre vai querer consumir. E alguém vai ter que produzir.

É um debate simples? Não. Temos as nossas próprias responsabilidades no assunto? Temos. Mas não implica que precisemos estar na linha de frente a qualquer custo. Os compromissos que vamos assumir precisam estar subordinados, em primeiro lugar, ao nosso projeto de desenvolvimento.

Nosso desafio não é crescer menos, é crescer mais. Os que nos pedem atitudes heroicas no combate ao aquecimento global precisam dizer, também, como fazer isso crescendo aceleradamente e combatendo mais aceleradamente ainda a pobreza. Na prática, não na teoria.