Título: G-20 quer imposto mundial
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Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2009, Economia, p. 23

Grupos das 20 nações mais desenvolvidas propõe taxar o sistema financeiro. Dinheiro irá para um fundo

Depois de muito relutar, e apesar de dividido, o G-20, o grupo das 20 economias mais ricas do mundo, anunciou a proposta de se criar um imposto mundial sobre o setor financeiro. O anúncio consta no comunicado final da reunião de ministros do G-20, encerrada ontem em Saint Andrews, na Escócia. Mesmo estando em apenas uma linha, a taxação provocou alvoroço, pois poucos acreditavam na possibilidade de tal assunto vingar. Pelo que foi anunciado, as maiores economias do mundo querem que o futuro tributo alimente um fundo de seguro contra crises sistêmicas ou de reduzir déficits públicos causados pelo socorro a bancos.

¿Esperamos discutir em nossa próxima reunião as opções de como o setor financeiro poderia contribuir pagando pelo fardo associado às intervenções governamentais para reparar o sistema bancário¿, ressaltou o comunicado. Defensor ferrenho do novo imposto, o primeiro-ministro britânico, Gordon Brown, que já havia proposto, na abertura do evento, a adoção de uma taxa sobre transações financeiras internacionais, disse que o imposto é imprescindível.

Ladeado pelo ministro de Finanças do Reino Unido, Alistair Darling, e pelo presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles ¿, Brown destacou que a criação da taxa global de seguro servirá de garantia em caso de riscos sistêmicos no setor bancário, como o registrado depois da quebra do banco americano Lehman Brothers, em setembro do ano passado. ¿Existem propostas sobre uma taxa de garantia contra o risco sistêmico, um fundo de resolução, ou acordos sobre os capitais, ou ainda uma taxa global sobre as transações¿, afirmou.

Para Brown, não há como subestimar ¿as enormes e difíceis questões de ordem prática e técnica que devem ser resolvidas¿. Mas, para ele, os entraves não podem impedir o estudo urgente das propostas, todas legítimas. No seu entender, porém, qualquer medida deverá estar condicionada a quatro princípios: que tenha amplitude mundial, não cause distorções, reforce as medidas adotadas pelos governos para estabilizar o sistema financeiro e sejam justas, permitindo ao setor contribuir para o crescimento econômico mundial.

Segundo Alistair Darling, ministro das Finanças do Reino Unido, o Fundo Monetário Internacional (FMI) analisará a melhor proposta sobre o tema. E fez questão de ressaltar que a resistência dos Estados Unidos à ideia não significa que ela esteja fadada ao fracasso. ¿Não é algo que estejamos preparados para apoiar¿, disse Timothy Geithner, secretário do Tesouro os EUA.

Pelas previsões de Dominique Strauss-Kahn, diretor-geral do FMI, há a possibilidade de a proposta final de taxação ser apresentada em junho do ano que vem, durante a reunião de cúpula do G-20. Ele explicou, contudo, que o imposto não incidiria sobre transações financeiras, porque seria ineficaz, nem se inspiraria na Taxa Tobin, proposta em 1972 pelo Prêmio Nobel de Economia James Tobin.

Chineses resistem a pressões

Apontada como a principal responsável pelas tensões que vêm dominando o mundo por causa da forte desvalorização do dólar, a China desconsiderou ontem a pressão internacional para que valorize sua moeda, o yuan, como forma de tirar um pouco a competitividade de suas exportações. Desde que a economia mundial começou a ser recuperar, a divisa da China foi a única entre os países emergentes a não ganhar terreno em relação ao dólar, devido à mão forte do governo local sobre a política cambial. Com isso, os produtos chineses estão roubando mercados de outros países, dificultando a recuperação mais disseminada da economia do planeta.

Para o ministro de Finanças da China, Xie Xuren, antes de criticar, os países desenvolvidos, sobretudo os Estados Unidos, que mais vêm batendo contra Pequim, deveriam se concentrar na qualidade de suas próprias políticas econômicas. Ou seja, tentar sair do buraco com as próprias pernas, sem depender de ações de outras nações. Segundo Xuren, que falou depois do encontro com colegas de outros países e representantes de bancos centrais do G20, as economias que detêm moedas globais de reserva deveriam trabalhar para manter o valor delas, segundo informou a agência oficial chinesa de notícias Xinhua.

Ele ressaltou ainda que os países desenvolvidos deveriam prestar atenção à sustentabilidade de suas políticas fiscais, que se deterioram muito depois do estouro da bolha imobiliária americana, e de crescimento econômico. Para o presidente do Banco Central da China, Zhou Xiaochuan, o Fundo Monetário Internacional (FMI) precisa aumentar o acompanhamento de políticas econômicas e de mercados financeiros em países desenvolvidos, como forma de conter um processo inflacionário que possa minar a recuperação mundial.

Câmbio no debate

O Brasil conseguiu incluir na agenda do G-20, o grupo dos 20 países mais ricos do mundo, a discussão o sobre os riscos da volatilidade cambial. Foi o que garantiu ontem o presidente do Banco Central brasileiro, Henrique Meirelles. O tema será abordado dentro das discussões sobre Desenvolvimento Sustentável do G-20. Mas nada garante que haverá padronização pelo sistema de câmbio flutuante, defendida pelo ministro da Fazenda, Guido Mantega. ¿De fato, o Brasil levantou a questão dos desequilíbrios cambiais. O tema foi incluído entre as políticas que serão discutidas ao longo de 2010¿, garantiu.

Para o G-20, é vital eliminar os desequilíbrios econômicos internacionais, como o consumo excessivo em países, como os Estados Unidos, e o crescimento baseado em exportações, como se vê na China e a na Alemanha. Pelo que foi acertado ontem, em janeiro do ano que vem, os integrantes do G-20 apresentarão relatórios de boas práticas econômicas. O Brasil, assegurou Meirelles, relatará políticas como a responsabilidade fiscal, a política cambial e a formação de reservas internacionais, além de reportar indicadores econômicos.

Controle Apesar da proposta vitoriosa do Brasil, o diretor-geral do Fundo Monetário Internacional (FMI), Dominique Strauss-Kahn, voltou a questionar a eficácia da criação, pelo governo brasileiro, do Imposto sobre Operações Financeiras (IOF) de 2%, incidente na entrada de capital estrangeiro no país. Ele assinalou que essa medida nada tem a ver com a proposta do G-20 de taxar o sistema financeiro mundial para a constituição de um fundo de combate a crises. ¿O IOF não tem nada a ver¿, afirmou. Para ele, o que Brasil criou foi uma taxa sobre ingresso de capitais, bastante tradicional. ¿A taxa brasileira não é um problema, mas também não será muito efetiva¿, frisou.

Strauss-Kahn repetiu ainda que o que o FMI está analisando não tem nada a ver com o controle de capitais, como se observa no Brasil. Já o número dois do Fundo, John Lipsky, ressaltou que outro ponto de diferença entre o IOF e a taxa proposta pelo G-20 é que a taxa criada no Brasil é uma medida temporária e o que se está pensando globalmente é um sistema estável. O diretor-gerente do fundo deixou claro também que considera a criação de um fundo de prevenção de crises mais útil para armazenar os recursos e não descartou uma compensação aos cofres públicos pelos prejuízos já causados pelo socorro aos bancos depois do estouro da bolha imobiliária americana em setembro de 2008. ¿Há duas opções de ações: a primeira é tentar prevenir que ocorram riscos também grandes, a segunda é agir para consertar as crises¿, frisou.