Título: Brasil pretende ajudar no processo de paz
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 08/11/2009, Mundo, p. 30

Visitas de presidentes da Autoridade Palestina, do Irã e de Israel exigem ¿tato¿ do Itamaraty para evitar embaraços

Nas próximas três semanas, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva precisará ter jogo de cintura para driblar possíveis embaraços que decorram da proximidade das visitas dos colegas de Israel, da Autoridade Palestina (AP) e do Irã ao Brasil. Isso porque será praticamente impossível à diplomacia brasileira dissociar os encontros(1) de Lula com os presidentes Shimon Peres, Mahmud Abbas e Mahmud Ahmadinejad, marcados para tratar de temas bilaterais. A grande movimentação por aqui, no entanto, é vista pelo Itamaraty como uma boa oportunidade de o país se tornar mais ¿protagonista¿ nas questões de Oriente Médio. Uma contribuição ao processo de paz, no fim do governo Lula, poderia ajudar a alavancar a projeção internacional já obtida pelo Brasil.

Durante a posse do novo secretário-geral do Ministério das Relações Exteriores, Antônio Patriota, no último dia 27, o chanceler, Celso Amorim, disse ao corpo diplomático que ¿é preciso que as pessoas saibam que o Brasil é chamado a exercer muitas funções¿. ¿Uma parte da opinião pública interpreta certas atitudes e acha que há um excesso de protagonismo, mas a visão de fora é ao contrário¿, afirmou Amorim. ¿Conversando com a Clara Ant (assessora especial do presidente Lula), na Presidência, ela me disse que, no Oriente Médio, o protagonismo do Brasil poderia ser até maior do que é¿, destacou.

Em visita ao Brasil, em julho, o ministro de Assuntos Exteriores do Egito, Ahmed Aboul Gheit, um dos principais atores da negociação, disse crer que o país seria lembrado ¿por gerações¿ se contribuísse ¿com recursos, soldados ou dinheiro para ajudar a estabilizar o Oriente Médio¿. Entre especialistas, as opiniões sobre um possível papel do Brasil nas conversas de paz se dividem. Para o especialista norte-americano Ray Walser, da Fundação Heritage, ¿se o Brasil aspira um dia conseguir um assento permanente no Conselho de Segurança, ele precisa se envolver na busca de uma solução pacífica para palestinos e israelenses¿. O professor da Universidade de São Paulo (USP) Samuel Feldberg, entretanto, considera que ¿o Brasil tem muita lição de casa a fazer¿. ¿O Itamaraty ainda não resolveu o problema em que se meteu em Honduras, e nem vai conseguir resolver a questão entre israelenses e palestinos.¿

Segundo Feldberg, é preciso notar que as visitas de Peres e Abbas não têm tanto peso. ¿Não vejo valor concreto para essas visitas ou qualquer possibilidade de o Brasil contribuir para um avanço nas negociações, uma vez que o presidente Peres não tem nenhuma ingerência nesse processo, e o presidente Abbas está bastante enfraquecido¿, considera. O professor do Departamento de História da Universidade de Brasília (UnB) Virgílio Arraes acredita que ¿o Brasil não deveria se oferecer nem para o Oriente Médio nem para outra região, a não ser que seja solicitado¿. ¿O Brasil não é uma potência militar, não é um país que venha ofertando nova forma de pensamento político ou econômico¿, diz Arraes.

Polêmico Para Arraes, a visita que atrairá os holofotes será a do iraniano Mahmud Ahmadinejad, principalmente pela natureza polêmica do líder. ¿Onde quer que o Ahmadinejad vá, traz consigo a polêmica. Mas isso não afeta diretamente o Brasil. É uma situação diplomática comum¿, avalia. Feldberg discorda: ¿O país nada tem a ganhar quando faz um convite para receber uma liderança como essa¿.

1- Agenda movimentada O presidente israelense chega depois de amanhã ao Brasil para uma viagem de seis dias por Brasília, São Paulo e Rio. Na capital, se encontrará com o presidente Lula, o presidente do Senado, José Sarney, e o vice-governador do DF, Paulo Octávio. A visita de Ahmadinejad será dia 23. O presidente palestino, Mahmud Abbas, deve vir na segunda quinzena do mês.

entrevista GIORA BECHER Embaixador sugere apoio a moderados Breno Fortes/CB/D.A Press

Às vésperas da chegada do presidente de Israel, Shimon Peres, a Brasília, o embaixador do país, Giora Becher, esperava que as conversas com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva não só melhorassem as relações bilaterais, como abrissem os olhos do governo brasileiro para as ¿aspirações nucleares do Irã¿ e seu ¿apoio a organizações terroristas¿. ¿Acredito que o presidente Peres apresentará nossas preocupações com o Irã e com a visita do presidente iraniano ao país¿, disse. Para ele, o Brasil pode ter um papel importante ao dialogar com as ¿forças árabes moderadas¿, como o líder da Autoridade Palestina, Mahmud Abbas.

O que Israel espera desta visita do presidente Peres ao Brasil? A expectativa é de melhorar as relações bilaterais entre Brasil e Israel. Sabemos que o Brasil é um país muito importante, que tem conquistado espaço no campo internacional ¿ o que se demonstrou nas visitas do presidente Lula a Londres e a Estocolmo, por exemplo, e no seu papel no G-20 e outros fóruns, como os Bric. A relação entre Brasil e Israel já é muito boa nos campos econômico, agrário e cultural, e queremos aprofundá-la. Os dois governos vão assinar acordos de cooperação, por exemplo, no campo turístico, e vamos realizar um seminário econômico na Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo). Peres também vai se encontrar com altos funcionários da Petrobras, porque temos grande interesse em explorar as possibilidades de as companhias israelenses cooperarem não só no pré-sal, mas também na questão das energias alternativas.

Há quem argumente que uma visita de Peres seja mais ¿simbólica¿¿ É verdade que, no nosso sistema político, o presidente não toma decisões políticas ¿ para isso temos o premiê. Mas a figura de Peres é muito importante. No processo de paz, o presidente Peres tem um papel imprescindível. Ele não é um presidente passivo, ele tem uma grande experiência no campo político, e isso, em Israel, é muito importante.

É possível que o Brasil contribua ao processo de paz? O Brasil pode ter um papel muito importante ao apoiar as forças e países moderados no mundo árabe, incluindo, no campo palestino, o governo legítimo de Mahmud Abbas (líder da Autoridade Palestina), que está em conflito com os rebeldes do Hamas, que tomaram Gaza de maneira ilegítima. Abbas representa o governo legítimo que quer o diálogo. Com ele, pretendemos recomeçar o processo de paz.

Após a visita de Peres, Lula deverá receber Abbas. O governo de Israel pedirá alguma ajuda ao Brasil no diálogo entre os dois lados do conflito? Acredito que o diálogo entre os dois presidentes (Peres e Lula) vai ser muito aberto. Eles deverão abordar todos os aspectos do processo de paz, e Peres vai apresentar a posição de Israel e as perspectivas para conseguir a paz no Oriente Médio. E eu acredito que o presidente Lula vai expressar as suas ideias de como pode ajudar no processo de paz.

O Irã estará na pauta da reunião de Peres e Lula? Estou seguro de que eles vão dialogar e apresentar as posições sobre o Irã e o seu papel negativo ao processo de paz. O Irã é um país que não aceita o direito de Israel existir, que tem um programa nuclear militar clandestino e apoia organizações terroristas.

Como Israel vê o convite feito a Ahmadinejad para vir ao Brasil? Já expressamos, por meio de canais diplomáticos, a nossa preocupação. O presidente iraniano não tem sido convidado a muitos países, e, especialmente, aos democráticos. O mundo tem que ter uma posição firme contra aspirações nucleares do Irã. (IF)