Título: Aliados de peso
Autor: Paiva, Paulo
Fonte: Correio Braziliense, 09/11/2009, Economia, p. 11

Governo usa fundos de pensão para intervir em empresas e garantir investimentos

Sérgio Rosa(Alto), comandante da Previ, terá mais voz nas decisões da Vale, presidida por Roger Agnelli(Acima)

O governo federal tem, em mãos, um canhão de R$ 241,7 bilhões (valores de julho) pronto para disparar na direção desejada pelo comando do Palácio do Planalto. O montante equivale ao total de ativos dos oito principais fundos de pensão ligados a estatais federais, cujos comandos estão, em boa parte, nas mãos de sindicatos simpáticos ao PT. O principal deles é a Previ, dos funcionários do Banco do Brasil (BB), com R$ 129,3 bilhões em ativos. Ao todo, a bolada equivale a mais da metade do total de investimentos dos quase 300 fundos de pensão do país, estimados em R$ 460 bilhões, e aproximadamente 10% do Produto Interno Bruto (PIB) do Brasil.

A força dos fundos e sua importância na economia brasileira estão por trás do projeto político do presidente Lula e de sua estratégia de eleger, como sucessora, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff. E explicam, também, boa parte das recentes críticas disparadas pelo Planalto contra Roger Agnelli, presidente da Vale, maior mineradora do país. O projeto de Lula e Dilma contempla um Estado cada vez mais forte, centralizador e com mais poder de decisão nos rumos e no planejamento da economia nacional, com a criação de novas estatais no setor de energia e de telecomunicações, além de um Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) pronto para apoiar a formação de grandes conglomerados genuinamente verde-amarelos.

Mudança histórica O caso da Vale é emblemático. A Previ, presidida por Sérgio Rosa, é a maior acionista individual da Vale, com 58% de participação na Valepar (holding que controla a mineradora). Somadas, as participações da Previ, Funcef (fundo dos funcionários da Caixa Econômica Federal) e BNDES dariam ao governo o controle sobre a mineradora. Mas um acordo de acionistas ainda em vigência diz que o controle cabe ao Banco Bradesco, que detém 21,2% da empresa. O acordo expira no ano que vem.

¿Os fundos, sobretudo depois das privatizações, assumiram relevância sem precedente na história do mercado de capitais do país. Trata-se de investidores institucionais de importância crescente que afetaram, irreversivelmente, a estrutura do capitalismo no Brasil. Influem nas decisões de investimento de longo prazo em setores estratégicos¿, diz o economista Carlos Sidnei Coutinho, ex-professor da Fundação Getulio Vargas e atual consultor do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais.

Oposição critica uso político

O poder estratégico dos fundos de pensão de estatais para os planos políticos do governo já começa a chamar a atenção de alguns cardeais do PSDB, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso. ¿No Brasil, os fundos de pensão não são apenas acionistas, mas gestores: participam dos blocos de controle ou dos conselhos de empresas privadas. Partidos fracos, sindicatos fortes, fundos de pensão convergindo com os interesses de um partido do governo e para eles atraindo sócios privados privilegiados. Eis o bloco sobre o qual o subperonismo lulista se sustentará no futuro, se ganhar as eleições¿, disse FHC em artigo publicado no Correio.

A gritaria da oposição não perturba o presidente Lula. Pelo contrário, só reforça a sua estratégia de manter um Estado forte, que possa recuperar o planejamento de investimentos. E os fundos estão cientes disso. A Funcef (dos empregados da Caixa Econômica Federal) e a Petros (funcionários da Petrobras), por exemplo, já declararam interesse em adquirir a participação da construtora Camargo Corrêa no projeto da hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, e uma fatia do trem-bala que ligará o Rio de Janeiro a São Paulo.

Esses projetos são considerados estratégicos para o governo, que, por sinal, acaba de elevar de 50% para 70% o volume de recursos que os fundos podem investir em renda variável (ações). Não foi à toa, portanto, que a Associação Brasileira de Infraestrutura e Indústria de Base (Abdib) anunciou que existem três grandes projetos à espera das fundações: a hidrelétrica de Belo Monte (Pará), o trem-bala e as sondas de perfuração da Petrobras.

¿O capitalismo atingiu um patamar no Brasil em que os setores estratégicos para o futuro da economia (energia, mineração, meio ambiente, tecnologia de ponta, segurança, biotecnologia) já são considerados negócios de Estado, não mais negócios apenas da iniciativa privada¿, afirma o economista Carlos Sidnei Coutinho, consultor do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais, lembrando que somente a Previ (dos funcionários do BB) tem participação acionária em mais de 100 empresas.

Cabos eleitorais Para um empresário que não quis se identificar, os fundos se tornaram cabos eleitorais do governo. ¿O que temos ouvido é que Lula levantou polêmica com a Vale para criticar sua privatização, realizada no governo do PSDB. Ele quer deixar claro para a população a diferença entre o governo dele e o dos tucanos. Quer mostrar que, se a Vale não tivesse sido privatizada e continuasse nas mãos do Estado, poderia estar investindo mais no Brasil e não no exterior¿, diz.

Com a mineradora nas mãos, o governo deteria o controle de uma vasta cadeia produtiva, que vai de petróleo e gás (Petrobras), energia elétrica e nuclear (Furnas, Eletrobrás e Eletronuclear), ao crédito (Banco do Brasil, Caixa e BNDES). Ou seja, com a mineradora, o governo teria aço mais barato para alimentar os projetos do pré-sal e amplo controle sobre a malha ferroviária brasileira, com a Ferrovia Centro-Atlântica (FCA), que liga o Nordeste e Minas ao Espírito Santo, e a Ferrovia Vitória-a-Minas. A Vale detém ainda ferrovias no Norte do país e participação na MRS, que liga Minas a portos de Rio e São Paulo. (PP)

O capitalismo atingiu um patamar no Brasil em que os setores estratégicos para o futuro da economia já são considerados negócios de Estado, não mais negócios apenas da iniciativa privada¿

Carlos Sidnei Coutinho, consultor do Conselho Regional de Economia de Minas Gerais