Título: Proteção recorde
Autor: Nunes, Vicente; Cristino, Vânia
Fonte: Correio Braziliense, 13/11/2009, Economia, p. 12

Qualidade dos empréstimos piora e bancos ampliam dinheiro reservado para cobrir possíveis calotes de pessoas e empresas. De positivo, há o fato de que o setor começa a correr riscos com crédito

Os bancos brasileiros foram obrigados a reforçar o caixa para enfrentar os riscos de perdas com a onda de calotes entre consumidores e empresas. De setembro de 2008, quando estourou a bolha imobiliária americana, a setembro deste ano, as provisões para créditos de difícil liquidação deram um salto de R$ 38 bilhões, ou de 64%, atingindo a cifra recorde de R$ 97 bilhões. Mas, pelos cálculos do Banco Central, esse dinheiro é mais do que suficiente para as instituições financeiras cobrirem todos os empréstimos em atraso, de R$ 59,8 bilhões, e ainda ficarem com sobras no caixa. ¿Apesar de esses números reforçarem a solidez do nosso mercado bancário, não há dúvidas de que a qualidade do crédito piorou no Brasil¿, disse José Luiz Rodrigues, sócio-diretor da consultoria JL Rodrigues, especializada em sistema financeiro.

Para ele, o que se viu nos últimos 12 meses não foi reflexo apenas da crise mundial, que resultou no fechamento de postos de trabalho e reduziu significativamente o faturamento das empresas, sobretudo as de pequeno e médio portes. ¿Essa será a nova realidade do sistema bancário nacional. Para manter a rentabilidade, os bancos terão de ampliar a clientela, oferecendo mais crédito, o que significa correr mais riscos¿, explicou. A tendência, a seu ver, é de as instituições avançarem sobre a população de mais baixa renda, das classes C, D e E, que, em grande maioria, não tem relacionamento com os bancos, e sobre as firmas menores, hoje desprezadas pelo sistema. ¿É questão de sobrevivência. Para manter a rentabilidade, as instituições terão de correr atrás de mais receitas¿, acrescentou.

Dos cinco principais bancos do país, o maior aumento de provisões, em termos percentuais, foi feito pelo Bradesco: 74,02%, totalizando R$ 14,9 bilhões, refletindo o avanço da inadimplência nos 12 meses terminados em setembro de 3,4% para 5%. O pulo mais expressivo nos calotes, porém, foi registrado pelo Santander Real: de 5,2% para 7,7%. Para fazer frente a esse movimento e assegurar a sustentabilidade da sua carteira de crédito, a instituição elevou as provisões para R$ 8,2 bilhões (mais 63,5%). No Banco do Brasil, a inadimplência passou de 2,2% para 3,6%, com as provisões somando R$ 19 bilhões (+70,5%). No Itaú Unibanco, o volume de crédito em atraso aumentou de 3,8% para 5,9%, com o seguro contra perdas batendo em R$ 12,3 bilhões (mais 57,6%). Na Caixa Econômica Federal, a inadimplência média caiu de 4,2% para 3,6%, mas as provisões cresceram 46,5%, para R$ 8,5 bilhões.

Acordo tácito Na avaliação de Mauro Chuairi, analista da Um Investimentos, dada a estrutura que se tem hoje, mesmo que a inadimplência e as provisões aumentem, os lucros dos bancos não vão cair. A razão é simples: as instituições manterão elevados os spreads bancários, ou seja, a diferença entre o que pagam aos investidores e o que cobram nos empréstimos e financiamentos. Essa avaliação também é feita por João Augusto Salles, economista da consultoria Lopes Filho. ¿A competição entre os bancos tem limite. Mas há um acordo tácito entre eles de não baixar tanto os juros aos consumidores e às empresas¿, ressaltou. Nos seus cálculos, a rentabilidade média dos bancos tenderá a se situar, daqui para frente, entre 20% e 22% ao ano ante os atuais 30% a 32%.

Mauro Chuairi destacou ainda que, com a economia crescendo próxima de 5% ao ano, o emprego e a renda vão se expandir, jogando os índices de inadimplência para baixo. ¿Tradicionalmente, os brasileiros são bons pagadores¿, disse. Outro ponto importante a ser destacado é a transparência dos números dos bancos, em especial os do setor privado. ¿Os bancos sabem que o maior ativo que tem é a credibilidade¿, assinalou. Isso não impedirá, contudo, que invistam cada vez mais no controle do crédito e em sistemas tecnológicos para facilitar o acesso a empréstimos. ¿Com isso, valerá a máxima do mercado: não existe crédito ruim, mas crédito mal avaliado¿, completou José Luiz Rodrigues.

Essa será a nova realidade do sistema bancário nacional. Para manter a rentabilidade, os bancos terão de ampliar a clientela, oferecendo mais crédito, o que significa correr mais riscos¿

José Luiz Rodrigues, sócio-diretor da consultoria JL Rodrigues

Lucro do BB cresce 6%

Mesmo com a inadimplência em alta e com um reforço de quase R$ 3 bilhões na provisão(1) para suportar créditos de liquidação duvidosa, o Banco do Brasil fechou os primeiros nove meses do ano com lucro líquido de R$ 6 bilhões, 2,3% a mais do que o verificado no mesmo período de 2008. No terceiro trimestre de 2009, o lucro foi de R$ 2 bilhões, com incremento de 6% em relação ao terceiro trimestre do ano passado.

Segundo o vice-presidente de Finanças do banco, Ivan Monteiro, a inadimplência da carteira de crédito subiu por conta da carteira agrícola. ¿Tivemos que destravar algumas operações¿, explicou. De acordo com Monteiro, a inadimplência atingiu o pico e começará a cair. O vice-presidente observou que a provisão adicional auxilia na estrutura de capital do banco. ¿Trata-se, visivelmente, de um colchão que não será usado e que, no futuro, poderá ser revertido¿, assegurou.

O lucro do Banco do Brasil em 2009 é bastante semelhante ao resultado apresentado pelos seus dois principais concorrentes no setor privado. O ItaúUnibanco acumula, até setembro, lucro líquido de R$ 6,853 bilhões e o Bradesco R$ 5,83 bilhões. O Banco do Brasil manteve a posição de maior banco do país e da América Latina. Seus ativos alcançaram, em setembro, R$ 685,7 bilhões enquanto a carteira de crédito bateu em R$ 301,4 bilhões. Esses números incluem a aquisição da Nossa Caixa, as incorporações dos bancos do estados de Santa Catarina e do Piauí, além de 50% de participação no Banco Votorantim.

O BB atribuiu o lucro à expansão dos empréstimos. Só de receitas financeiras, o BB obteve R$ 47,3 bilhões nos nove primeiros meses do ano. Desse total, R$ 29,7 bilhões referem-se às receitas provenientes das operações de crédito. As operações que mais cresceram foram o financiamento de veículos e o empréstimo consignado. O financiamento de veículos atingiu, em setembro, R$ 19,3 bilhões, com crescimento de 243,4% em 12 meses. O crédito consignado alcançou R$ 34 bilhões, o que representa um incremento de 133,7% em 12 meses.

O índice de inadimplência (operações vencidas há mais de 90 dias) encerrou o trimestre em 3,6%. Esse patamar é superior ao apurado em setembro de 2008, quando a inadimplência era de 2,2%. O percentual de operações em atraso sobre a carteira total de crédito também cresceu em relação ao índice registrado em junho, que foi de 3,3%.

Por conta do aumento da inadimplência, o BB elevou as provisões para risco de crédito, que somavam, ao fim de setembro, R$ 19,070 bilhões. Desse total, R$ 2,903 bilhões são provisões adicionais. No caso de um calote, o BB está coberto. O índice de provisionamento (provisões/operações vencidas há mais de 90 dias) ficou em 183,4%. Com relação ao Índice de Basileia, que mede o percentual de capital próprio que toda instituição deve ter para carregar as operações de crédito, o BB fechou setembro com 13%, índice superior aos 11% exigidos pelo Banco Central.(VC)

1- Regra básica A constituição de uma reserva (provisão) para créditos concedidos e que podem não ser pagos representa uma estimativa de perda a ser incluída nos balanços. Isso é obrigatório e atende regras básicas de contabilidade para qualquer empresa. Entretanto, há características específicas para os bancos, que estão sujeitos à fiscalização do Banco Central. A especificidade se deve ao fato de que a matéria-prima é o dinheiro, usado em operações de empréstimo.