Título: Amizade disputada
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 11/11/2009, Mundo, p. 16

Lula recebe hoje o colega israelense, Shimon Peres, que veio tratar das relações bilaterais mas não deixou de atacar o presidente do Irã, que chega ao país dentro de duas semanas

Peres recebe do vice-governador Paulo Octávio o título de cidadão brasiliense: visitante elogiou a ¿arquitetura do futuro¿ e o espírito empreendedor de Juscelino Kubitschek

Dois governantes de peso do Oriente Médio colocam o Brasil no centro de um cabo de guerra pela influência regional. A duas semanas da visita do colega iraniano, Mahmud Ahmadinejad, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva recebe hoje o chefe de Estado de Israel, Shimon Peres. Rivais no tabuleiro internacional, os dois visitantes anunciam oficialmente uma agenda pautada em assuntos bilaterais ¿ comércio, investimentos e acordos de cooperação. Mas dificilmente passarão por Brasília sem trocar alfinetadas.

Peres, que ontem iniciou sua programação em Brasília, declarou no Congresso que Israel ¿não é inimigo dos povos muçulmanos, nem dos iranianos¿, com quem acredita que seu país retomará a amizade. ¿Não quero discutir em território brasileiro com o presidente do Irã, mas vou falar do aspecto que toca Israel. Historicamente, o povo iraniano nunca foi nosso inimigo, mas não posso ignorar esse governo que está fazendo armas nucleares e quer destruir Israel. Ele é contra tratados da ONU, contra o direito à vida. E ajuda o Hamas (grupo extremista palestino) a tratar mal a Palestina¿, disse.

Peres ressaltou que Israel está ¿pronto a fazer concessões difíceis e dolorosas¿ aos palestinos. Também pediu ao presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, que volte às negociações de paz. Abbas pode ser o terceiro peso pesado do Oriente Médio a visitar o Brasil ainda neste mês. No Itamaraty, comenta-se que ele poderia vir na segunda quinzena, mas o anúncio não foi oficializado.

De manhã, o presidente israelense conversou com o ministro da Defesa, Nelson Jobim, em um hotel de Brasília, para negociar um acordo setorial ¿ com garantia de segredo. ¿O assunto está com o Ministério das Relações Exteriores. Vou desenvolver estudos e quero ver se já no ano que vem podemos assinar¿, disse Jobim. ¿Em todas as trocas e colaborações de defesa, você tem como elemento fundamental a confidencialidade, ou seja, não partilhar informações com terceiros¿, completou.

Jobim confirmou, porém, que o Brasil gostaria de desenvolver sistemas de eletrônica aplicada à aviação em parceria com empresas israelenses. ¿Temos todo o interesse nisso¿, disse o ministro. Peres fez propaganda de seu país usando a comparação com o tamanho do Brasil: ¿Vocês podem ser grandes tanto em ciência quanto em indústria. Não temos que ter ciência e inteligência¿. No fim do encontro, ele convidou Jobim a visitar Israel e examinar de perto as possibilidades de iniciativas conjuntas.

As promessas de cooperação não impediram Jobim de afirmar a independência do Brasil nas relações internacionais. Questionado pelos jornalistas se o tema da visita de Ahmadinejad tinha entrado nas discussões, Jobim declarou: ¿Esse não é assunto que cabe conversar. O Brasil fala com todo mundo, nós falamos com todo mundo, ou seja, ninguém vai dizer ao Brasil com quem o Brasil deve falar. O Brasil fala com aquele que o Brasil entende que deva falar¿.

Depois do encontro com Lula, Peres seguirá para São Paulo. Acompanhado por uma comitiva de cerca de 40 empresários, ele participará amanhã de uma reunião na Fiesp. O ministro israelense de Turismo, Stas Misezhnikov, integra a delegação, que concluirá a visita no Rio de Janeiro.

Não quero discutir em território brasileiro com o presidente do Irã¿

Shimon Peres, presidente de Israel

Brasília faz homenagem

Elisa Tecles

Poucas horas depois de desembarcar pela primeira vez em Brasília, o presidente Shimon Peres recebeu da Câmara Legislativa o título de Cidadão Honorário. O certificado foi entregue pelo vice-governador, Paulo Octávio, em cerimônia realizada no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, na presença da comitiva israelense e de representantes da comunidade judaica. O título costuma ser dado a quem mora na cidade ou contribui para seu desenvolvimento, mas no caso de Peres serviu de homenagem à contribuição do povo judeu ao Distrito Federal. Peres ganhou o prêmio Nobel da Paz em 1994 ¿ dividido com o então premiê israelense, Yitzhak Rabin, assassinado no ano seguinte, e com o líder palestino Yasser Arafat, morto em 2004. Antes de tornar-se chefe de Estado, Peres já tinha sido primeiro-ministro e chanceler, além de ter ocupado outros cargos de primeiro escalão.

O visitante foi recebido por representantes do GDF e da comunidade israelense de Brasília. Em discurso, ele se desdobrou em elogios à capital, que acertou um programa de cooperação(1) com Israel. ¿É uma grande experiência visitar Brasília. Nessa terra, as pessoas sabem se alegrar, sonhar. Sugiro a todos que estão tristes que venham para cá e sejam novamente otimistas. Estou emocionado pela cidadania que vocês me outorgaram¿, agradeceu. O público acompanhou a mensagem com a ajuda de uma tradutora, mas o recurso não teve tanta eficácia para o presidente israelense: antes de começar seu pronunciamento, ele afirmou não ter entendido parte dos discursos anteriores.

Os traços modernos da capital chamaram a atenção de Peres, que comentou sobre a empreitada do ex-presidente Juscelino Kubitschek. ¿O Brasil é abençoado por dois arquitetos. Um é o todo-poderoso, que fez a Amazônia, e o outro foi JK, um grande estadista. Nem todos os países do mundo têm arquitetura do gênesis e do futuro¿, completou. Na conversa com a plateia, o presidente israelense afirmou esperar que o Oriente Médio siga os passos do Brasil na busca pela paz. ¿Nosso sonho é o mesmo de vocês: chegar à paz entre os povos. Assim como temos uma Brasília nova, que haja um Oriente Médio novo¿, declarou.

1- Caesb fecha acordo O encontro de Shimon Peres com representantes do governo brasiliense rendeu promessas de projetos. O vice-governador Paulo Octávio anunciou para dezembro a assinatura de um convênio entre as companhias de saneamento básico de Brasília e Telavive. Na próxima semana, uma equipe técnica viajará a Israel para conhecer o trabalho da Companhia Nacional de Água. O convênio permitirá que a Companhia de Saneamento Ambiental do DF (Caesb) tenha acesso às tecnologias israelenses. ¿Israel avançou muito na tecnologia de redução do consumo e também no aproveitamento inteligente de água. Eles conseguiram colher flores no deserto e transformar terrenos improdutivos em férteis¿, elogiou Paulo Octávio.

Obama recebe Netanyahu

Ambos os lados desmentem que haja uma crise, mas a reunião da noite de segunda-feira entre o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, e o premiê de Israel, Benjamin Netanyahu, deixou evidentes as diferenças entre os dois aliados. Ao contrário do habitual, o encontro foi realizado a portas fechadas, na Casa Branca, sem que os governantes tenham sequer posado para fotos. Uma hora mais tarde o governo americano divulgou uma nota sucinta. ¿O presidente reafirmou nosso forte compromisso com a segurança de Israel¿, diz o comunicado.

A histórica aliança entre EUA e Israel sofreu abalos nesse início de governo Obama, principalmente pela relutância de Netanyahu em determinar o congelamento da colonização no território palestino da Cisjordânia. A Casa Branca tem reiterado seu interesse em retomar as negociações entre o premiê israelense e o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas. A caminho de Washington, o premiê israelense convocou Abbas a ¿aproveitar a oportunidade de selarmos um acordo histórico¿, mas o porta-voz da AP, Nabil Abu Rudeina, deixou claro o descontentamento dos palestinos e alertou para uma nova onda de violência na região ¿se os EUA continuarem sem cumprir o papel que se espera¿.

Os palestinos lembram hoje seu dirigente histórico, Yasser Arafat, no quinto aniversário de sua morte. Arafat, que até 2004 encarnou a unidade de seu povo, tornou-se objeto de disputa entre seu partido, o Fatah (nacionalista), e o movimento islâmico Hamas. Na Faixa de Gaza, que controla desde 2008, o Hamas proibiu comemorações ¿ inclusive a impressão de cartazes com o retrato do patriarca ¿ e ordenou a repressão de militantes do Fatah.