Título: Dedo posto na ferida
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 14/11/2009, Brasil, p. 19

Em visita ao Brasil, comissária da Organização das Nações Unidas critica falta de punição a responsáveis por abusos durante a ditadura militar

Navi Pillay e José Ciríaco: comissária da ONU é contra a marginalização de povos indígenas e de negros

A falta de punição aos responsáveis pelos abusos cometidos durante a ditadura militar no país ¿ iniciada em abril de 1964, após um golpe articulado pelas Forças Armadas, e encerrada em maio de 1985, com a aprovação de uma emenda constituicional ¿ foram criticados pela alta comissária da Organização das Nações Unidas (ONU) para Direitos Humanos, Navi Pillay, ontem, em Brasília. A representante do organismo internacional lembrou que o Brasil é a única nação da América do Sul que não tomou medidas contra os excessos do regime. ¿Entendo que esse é um tema extremamente sensível, mas há maneiras de se fazer isso evitando reabrir feridas do passado e ajudando a curá-las. A tortura, no entanto, é uma exceção. O direito internacional é inequívoco: a tortura é um crime contra a humanidade e não pode ficar impune¿, opinou a sul-africana.

Depois de visitar a Bahia e o Rio de Janeiro entre 7 e 13 de novembro, Navi se reuniu na quinta-feira com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Durante o encontro, a alta comissária da ONU sugeriu a Lula a criação de uma Comissão de Verdade e Conciliação no Brasil, como a implantada na África do Sul pelo ex-presidente Nelson Mandela. Na opinião de Navi, ¿o fato de que a tortura ocorrida no período militar ainda não foi discutida no Brasil significa que o desincentivo para parar com a tortura que ocorre agora e que vai ocorrer no futuro não está em vigor¿. A representante da ONU disse que Lula se interessou pela sugestão.

Primeira juíza a ser nomeada por Nelson Mandela, Navi Pillary elogiou o Brasil por manter uma democracia ¿forte e profundamente enraizada¿. Segundo ela, ¿existe uma vasta lista de leis, programas e instituições que formam uma impressionante fundação de proteção de direitos humanos que está alinhada com as obrigações internacionais do país¿.

Índios e negros Apesar do breve afago e da assinatura de um memorando de intenções com o ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, para compartilhar a experiência do Brasil na área de direitos humanos com outras nações interessadas em receber a ajuda, Navi afirmou que a marginalização dos povos indígenas e da população afro-brasileira prejudica o desenvolvimento do país. ¿Milhões de afro-brasileiros e indígenas estão atolados na pobreza e não têm acesso a serviços básicos e a oportunidades de emprego. Até que isso mude, essa situação vai prejudicar o progresso do Brasil em muitas outras frentes¿, criticou.

Assim que encerrou a conversa com jornalistas brasileiros, Navi foi abordada pelo capitão potiguara José Ciríaco, 52 anos. Ele denunciou à alta comissária da ONU a tentativa de homicídio sofrida pelo cacique Aníbal Cordeiro Campos, de sua etnia, em 22 de março. ¿O governo da Paraíba disse que não era de sua competência garantir a segurança de Aníbal e dos caciques Bel e Cal, também ameaçados de morte. E a Polícia Federal afirmou que não tem efetivo para escoltá-los¿, explicou, lembrando que alguns proprietários de terra da região lutam na Justiça para desapropriar parte das terras onde estão localizadas as aldeias da etnia potiguar.