Título: Há futuro para as TVs do Estado?
Autor: Garcia, Mauro Alves
Fonte: Correio Braziliense, 14/11/2009, Opinião, p. 31

Diretor de Projetos Especiais da Fundação Padre Anchieta ¿ TV Cultura

Entre as contradições contemporâneas, muito tem se debatido sobre o papel das tevês do Estado, o que alguns puristas ainda preferem chamar de tevês públicas. Se o conceito de público fosse estabelecido e consagrado pela sociedade brasileira, essa dúvida entre Estado e público não existiria. O Estado ainda tem a conotação de governo ou dos governos da hora.

Sobre as tevês do Estado recaem muitas e enormes exigências e atribuições legítimas. Mas o tema da forma de seu financiamento, permanentemente, gera debates acalorados que, em alguns países, resultaram numa evolução significativa dos modelos de maneira a assegurar a continuidade e relevância de seus papéis junto às sociedades às quais devem responder.

Em todo o mundo, vez por outra, há um intermitente questionamento sobre o papel e a razão de ser de uma TV pública. Muito recentemente a Espanha, que tem uma importante TV pública, a RTVE, eliminou a presença da publicidade tanto da exibição da programação quanto da composição orçamentária da instituição. A receita publicitária, que chegava a responder por quase 50% do orçamento (a parte restante advinha de recursos do governo), foi substituída por taxações na iniciativa privada desse segmento.

Neste momento, na França, ocorre algo semelhante, passando pela eliminação gradativa da publicidade tanto na programação como no orçamento. E a recomposição orçamentária se dará com novos impostos e taxas num caminho semelhante à BBC britânica.

Mas, mesmo diante dos novos canais de distribuição pelas mais diferentes possibilidades tecnológicas, o papel das tevês públicas ou de Estado está assegurado e tem a aceitação da sociedade. E que papel ainda poderia ser esse?

As tevês públicas também desenvolveram formas outras de distribuição contemplando as novas tecnologias. Mas a oferta qualitativa de conteúdos audiovisuais e a busca da experimentação qualificada de novos formatos e linguagens, em absoluta sintonia com os significados sociológicos e antropológicos dos diferentes países, garantem o seu papel no cenário televisivo ou audiovisual existente.

A TV digital brasileira pode trazer desafios para a área pública, mas, também, inúmeras possibilidades. Se a interatividade ainda não iniciada de fato na TV digital trará aplicativos e formatos mais ou menos previsíveis, no campo da área pública essas novas possibilidades podem tender ao infinito. Organismos e fontes de recursos públicos têm fomentado laboratórios de experimentação com formatos audiovisuais em multiplataforma, tanto no campo da arte digital quanto no da educação e no da ciência.

Os softwares a serem desenvolvidos a partir da tecnologia mãe parecem-se com as leis complementares da Constituição. Temos o macro, mas o micro ainda há que desenvolver. E há que se ter treinamento, formação de mão de obra para além das arcaicas e retrógradas convenções trabalhistas que impedem, quase sempre, as esferas de atuação pública. E que país pode não fazer frente a essa profunda revolução audiovisual e midiática?

O desafio ainda impera no Brasil. Os modelos de produção, de exibição e de financiamento ainda carecem da atenção adequada. Ainda somos experimentadores de possibilidades nessas áreas, mas sem nenhuma consistência conclusiva.

Óbvia é a atuação em múltiplas plataformas. Tão óbvia quanto a necessidade de reformulação dos modelos caducos de produção que utilizam mal os recursos humanos e financeiros. As múltiplas plataformas exigem novos modelos de produção, novas formações profissionais também múltiplas e que passam, obrigatoriamente, por uma nova educação digital, tão obrigatória quanto dramaticamente necessária.

Nossa educação ainda é analógica. Mas como a realidade sempre supera a legislação ou a formalidade, a alfabetização digital já está nas ruas. E o audiovisual, público ou privado, saiu em busca de dar fundamentação ao que já não dá mais pra segurar.

Ainda não é tão óbvia a questão do financiamento que ainda, no Brasil, não encontrou proposta adequada e que garanta o enfrentamento do presente e um posicionamento adequado em relação ao futuro, que é daqui a pouco. Ao lado do aquecimento global, o pensamento e a produção digital ocupa o cenário nesta primeira década de século. De onde não há volta ao passado.