Título: Queda na transmissão
Autor: Pereira, Daniel; Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2009, Política, p. 2

O país no escuro

Grupo Eletrobrás subverteu a prioridade dos investimentos. Desde 2008, passou a concentrar recursos na geração de energia

Magela diz que não mudará a previsão de recursos para as estatais ¿com base no furor criado pelo apagão¿

Desde 2008, o governo inverteu a lógica dos investimentos no setor elétrico. Levantamento nos relatórios anuais da Eletrobrás ¿ à qual estão subordinadas 15 estatais, entre elas Furnas ¿ mostra que há pelo menos dois anos a empresa tem priorizado os investimentos em geração de energia, enquanto os valores destinados para transmissão foram enxugados. A virada ocorreu exatamente no ano em que o Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) cobrou o reforço nos sistemas de transmissão de Itaipu, como revelou reportagem exclusiva do Correio publicada ontem.

Entre 2003 e 2004, no primeiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, a Eletrobrás deu continuidade à política de geração de energia iniciada no governo de Fernando Henrique Cardoso após o apagão de 1999 e o racionamento em 2001. A partir de 2005, houve um equilíbrio entre os valores destinados à transmissão e à geração de energia (veja quadro). Mas, em 2008, a empresa decidiu aumentar em 57% os gastos com geração ¿ os números saltaram de R$1,2 bilhão para R$ 2 bilhões ¿, e reduzir os investimentos em transmissão em 7,6%. A quantia caiu de R$ 1,28 bilhão para R$ 1,19 bilhão.

Segundo a assessoria de imprensa da Eletrobrás, os dados refletem, além da liberação de obras destinadas ao fomento da geração de energia, como as hidrelétricas de Jirau e Santo Antônio, a inversão de uma política pública de gestão do setor. ¿A partir de 2006, houve um aumento no número de contratos de geração assinados¿, informou o órgão. Para este ano, os investimentos seguirão o mesmo modelo. A Eletrobrás pretende fechar 2009 aplicando R$ 3 bilhões em obras de geração e R$ 1,5 bilhão em melhoria dos sistemas de transmissão.

No orçamento de investimentos da União para 2010, enviado pelo governo em agosto e ainda em tramitação no Congresso, o grupo conta com a destinação de R$ 7,1 bilhões. O relator-geral da proposta orçamentária, deputado Geraldo Magela (PT-DF), disse que não mudará, com base apenas no furor criado pelo apagão da última terça-feira, as dotações para as estatais que cuidam de energia elétrica no país. Já o relator setorial de infraestrutura, senador Efraim Moraes (DEM-PB), está aguardando a apresentação de emendas para se debruçar sobre os recursos oferecidos para o setor.

Furnas O Sistema Furnas(1) é o responsável pelas linhas de transmissão que deram origem à pane na hidrelétrica de Itaipu, no Paraná, na noite da última terça-feira, quando18 estados e cerca de 60 milhões de brasileiros ficaram às escuras. Questionado sobre a execução de seus investimentos nas linhas de transmissão, limitou-se a dizer que, até outubro, ¿70% do valor previsto para reforço na transmissão, totalizando R$ 181 milhões, e 62% do valor para manutenção da transmissão, o equivalente a R$ 287 milhões¿, foram investidos.

Ainda segundo a estatal, de 2005 a 2008 foi aplicado R$ 1,089 bilhão em modernização, com obras de melhoria e reforço do sistema de transmissão. Parece não ter sido o suficiente. O relatório anual da Eletrobrás de 2006 destacou, entre as principais ações daquele ano, o reforço nos sistemas de transmissão dos estados do Rio de Janeiro, Espírito Santo, Mato Grosso, Minas Gerais, além do Distrito Federal. Dois anos depois, o ONS previu o reforço de torres no sistema de transmissão de Itaipu.

1- Queda de braço As presidências de Furnas e da Eletrobrás estão nas mãos de aliados, respectivamente, do deputado Eduardo Cunha (RJ) e do senador José Sarney (AP). Os dois parlamentares são expoentes do PMDB, legenda que divide com o PT o comando dos principais cargos do setor elétrico. Nas horas seguintes ao apagão, as duas siglas encenaram um jogo de empurra sobre o responsável pela falta de luz que castigou 18 estados brasileiros. Em meio à divergência, o peemedebista Edison Lobão e a petista Dilma Rousseff debitaram o problema na conta de ¿São Pedro¿.