Título: Proteção para seu dinheiro
Autor: Mesquita, Mário; Cristino, Vânia; Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 15/11/2009, Economia, p. 17

O Banco Central quer mais poder para agir preventivamente em momentos de crise, como a que se viu no fim do ano passado, que resultou em uma corrida bancária no país. É esse o objetivo principal da proposta de reformulação da Lei 6.024, que trata das liquidações extrajudiciais de instituições financeiras. Responsável pela elaboração do projeto que estará em audiência pública até 18 de dezembro, o diretor de Política Econômica do BC, Mário Mesquita, diz que, ao propor as alterações, a instituição pretende incorporar à base legal vigente práticas internacionais que se têm mostrado muito eficazes e que darão maior proteção aos correntistas, inclusive aos que hoje não estão sob a proteção do Fundo Garantidor de Crédito (FGC), com saldos superiores a R$ 60 mil. E o melhor: sem que a conta caia no colo do governo.Mesquita afirma que, se aprovada a reforma na legislação, o BC intervirá antecipadamente em bancos com problemas, preservando parte de seu patrimônio. Assim, em vez de processos que se arrastam por anos ¿ há liquidações extrajudiciais rolando há mais de três décadas ¿, criando um amontoado de dívidas, a solução virá mais rápida. Caso, porém, não seja possível o BC resolver todos os problemas, a falência será decretada e o processo, tocado pelo Judiciário.Ele avisa ainda que, tão logo a reforma seja aprovada, será decretada, em até 360 dias, a falência de todas as 60 instituições que hoje estão em liquidação extrajudicial, inclusive as dos cinco bancos ¿ Nacional, Econômico, Banorte, Mercantil de Pernambuco e Bamerindus ¿ socorridos pelo extinto Programa de Estímulo à Reestruturação do Sistema Financeiro (Proer). Essas instituições devem R$ 57 bilhões ao BC. Para Mesquita, se a proposta do BC for preservada em todos os pontos, a futura legislação será um redesenho do Proer. Leia, a seguir, os principais trechos da entrevista que Mesquita concedeu ao Correio Braziliense.

O que o Banco Central pretende com a transferência das liquidações extrajudiciais para o Judiciário? É o fim da ¿indústria das liquidações¿, que se arrasta por anos e anos? A proposta de anteprojeto prevê que a liquidação passe a ser conduzida no âmbito do Poder Judiciário, sob regime de falência com base na Lei nº 11.101/2005. A intervenção do BC tem como objetivo preparar a instituição (que está com problemas) para a falência, mediante a prática dos atos de gestão estritamente necessários à manutenção da integridade de seu patrimônio. A atuação do BC ficará restrita à sua área de conhecimento e qualificação, ou seja, se encarregará de promover a saída da instituição do âmbito do Sistema Financeiro Nacional de forma ordenada.

Quais as vantagens dessa transferência para o sistema financeiro como um todo e, em particular, para os clientes bancários? O projeto se compõe de quatro partes: medidas preventivas, saneadoras, sistêmicas e de proteção aos depositantes. Em todas elas, há vantagens para o sistema financeiro e para os clientes bancários, com maior proteção aos depositantes, maior agilidade na resolução das instituições problemáticas e maior parcimônia no uso dos recursos públicos na garantia da solidez do Sistema Financeiro Nacional. Atualmente o ato de intervenção/liquidação, enquanto a instituição apresenta algum patrimônio líquido, está sujeito a questionamentos judiciais e até à responsabilização das autoridades por supostos prejuízos ao banqueiro. A proposta permite que a autoridade supervisora, esgotadas todas as alternativas da fase preventiva, promova a retirada da instituição com problemas do sistema ainda com a existência de patrimônio líquido positivo, de forma a reduzir a possibilidade de prejuízos a terceiros.

Com a transferência de parte de suas obrigações, o BC não está querendo apenas se livrar das críticas incômodas pela demora na condução dos processos de liquidação de bancos? Não. Hoje a função do BC relativa às medidas saneadoras do sistema financeiro está definida principalmente na Lei 6.024, de 13 de março de 1974, que se pretende aprimorar com a presente proposta.

O BC já não tem poder suficiente para intervir e exigir dos controladores a capitalização de instituições em dificuldade ou mesmo para promover a sua venda ao mercado? As funções de regulação e de supervisão do BC ainda são originadas da Lei 4.595/64. Pretende-se incorporar à base legal vigente práticas internacionais que se têm mostrado eficazes, e com prestação de contas de seus atos aos poderes constituídos.

O que muda, na nova proposta, em relação ao poder que o BC adquiriu na época do Proer? O BC está ressuscitando o Proer? É um novo desenho. As ações e providências que podem ser adotadas pelo BC, respaldadas pelo Conselho Monetário Nacional, visam a confirmar formalmente a existência e debelar ou prevenir crises sistêmicas ou situações que ensejem grave ameaça à estabilidade do sistema financeiro ou ao normal funcionamento do Sistema de Pagamentos Brasileiro (SPB). Tais medidas incluem a previsão do Regime de Administração Especial e a concessão de empréstimos excepcionais do BC a instituições financeiras, entre elas, prestadores de serviços de compensação e liquidação e a entidade administradora do fundo de proteção a depositantes.

Não é temerário passar para o Ministério Público a atribuição das comissões de sindicância de possíveis irregularidades? Não caberia ao BC uma primeira averiguação dos crimes financeiros? Afinal é a autoridade monetária que mais sabe como esses crimes se dão no mercado... Compete ao BC e ao interventor nomeado pelo banco comunicar ao Ministério Público e aos competentes órgãos a existência de indícios de atos ilícitos que possam implicar responsabilidade criminal ou administrativa de gestores de instituições financeiras. A apuração das responsabilidades é que passa ao MP.

Qual a necessidade de transformar o Fundo Garantidor de Crédito (FGC) em instituição financeira? Isso dará maior agilidade no caso de socorro a bancos em dificuldades? A finalidade é dar ao fundo condições para, em situações de crise, pleitear empréstimos junto ao BC. Por outro lado, como instituição financeira, o fundo estará sujeito à regulação e supervisão do BC. O objetivo também pode ser visto como forma de se valorizar a instituição administradora do fundo de proteção a depositantes, para que possa ter participação mais ativa na execução de medidas preventivas e saneadoras, atuando em consonância com as prerrogativas e competências institucionais do BC. Para a sua consecução, a proposta de anteprojeto estabelece regras gerais de governança e de administração dos ativos do fundo, além da possibilidade jurídica de a atual entidade garantidora de crédito se adequar às normas legais propostas.

O novo projeto muda alguma coisa em relação à preferência dos créditos apurados na liquidação? Quem terá preferência no recebimento de créditos no caso de quebra de um banco? Não haverá mudança quanto à ordem de preferência no recebimento dos créditos.

Qual a garantia que o BC tem de que as liquidações no âmbito judicial serão mais rápidas? As falências antigas, anteriores à recuperação, continuam se arrastando por décadas... Os casos que não representam risco sistêmico (até hoje, a maioria), chegarão ao judiciário com ativos suficientes para honrar seus compromissos e, nessa situação, aumentam muito as chances de promover uma liquidação ordinária, na qual as condições de pagamento dos credores serão estabelecidas diretamente pelas partes interessadas, com a assistência do judiciário. Na eventualidade de não ser possível a liquidação ordinária ou o prosseguimento de atividades com mudança de objeto social, promove-se a falência, com a vantagem de que grande parte das questões judiciais hoje presentes serão afastadas, já que todas as medidas já ocorrerão no âmbito judicial. As liquidações extrajudiciais atualmente conduzidas pelo BC serão encerradas no prazo máximo de 360 dias contados da entrada em vigor da nova proposição legislativa, findo o qual o liquidante deverá requerer a falência da instituição. A falência deverá seguir as bases legais previstas na proposição legislativa.

Quantas instituições financeiras estão em liquidação no momento? Por quanto tempo elas se arrastam? Existem atualmente 60 instituições em liquidação extrajudicial, sendo as 10 mais antigas, com regimes decretados entre 1987 e 1995; 19 mais recentes, com regimes decretados entre 2002 e 2009; cinco bancos (Nacional, Econômico, Banorte, Mercantil de Pernambuco e Bamerindus), cujos regimes foram decretados entre agosto de 1995 e março de 1997,no contexto do Proer. Há ainda nove pequenas instituições (corretoras, distribuidoras, administradoras de leasing e/ou de serviços) controladas por esses cinco bancos e 17 outras pequenas instituições (administradoras de consórcios, corretoras, distribuidoras e cooperativas de crédito) com regimes decretados entre 1998 e 2002.

Qual o principal motivo para o não encerramento dessas liquidações? As principais razões para o não encerramento são: indefinição do quadro geral de credores em razão de pendências judiciais, principalmente de natureza fiscal e trabalhista. No caso das instituições que participaram do Proer persistem controvérsias de natureza jurídica (ações ou representações movidas pelos controladores) questionando o pagamento dos juros contratados no programa. Nos demais casos, não há recursos suficientes para o pagamento integral aos credores.

Quanto de crédito ainda tem para ser recebido por clientes dessas instituições e pelo governo? Os cinco bancos que operaram com o Proer devem ao BC R$ 56,9 bilhões (Nacional R$ 27,7 bilhões; Econômico, R$ 23,8 bilhões; Mercantil, R$ 2,1 bilhões, Banorte R$ 700 milhões; e Bamerindus, R$ 2,9 bilhões). Quanto aos demais credores, devido à indefinição dos respectivos quadros gerais de credores (em razão das pendências judiciais) não é possível informar com precisão o total das dívidas.

Com os instrumentos que têm hoje, o BC está preparado para agir em uma crise sistêmica? A mudança na lei dará maiores poderes e agilidade à instituição? Sim. Mas o que se pretende com a proposição legislativa é aprimorar tal capacidade.

Como está o Brasil em relação ao mundo quando se fala em legislação para agir em crise sistêmica e para liquidação de bancos? O país dará um passo à frente? Os bancos centrais dos países afetados pela crise financeira atual e os organismos internacionais têm participado ativamente na busca de novas soluções, seja com medidas regulamentares ou redesenho legal para resolução de falências de instituições financeiras. O Banco Central do Brasil está atento a essa evolução e, dessa forma, busca aprimorar a sua capacidade de atuação na prevenção de situações passíveis de configurar ameaça à estabilidade do sistema financeiro, por meio da proposta em audiência pública até o dia 18 de dezembro próximo.

Por que todo o processo de reformulação da lei das liquidações está sendo conduzido pela diretoria de Política Econômica do BC e não pela diretoria de Liquidações? O estudo foi iniciado em 2006, portanto, antes do surgimento da atual crise financeira, por meio da Portaria 37.357, que criou um grupo de trabalho com representantes de cinco diretorias e da procuradoria-geral do BC.

O projeto se compõe de quatro partes: medidas preventivas, saneadoras, sistêmicas e de proteção aos depositantes. Em todas elas, há vantagens para o sistema financeiro e para os clientes bancários, com maior proteção aos depositantes e maior agilidade na resolução das instituições problemáticas

As liquidações extrajudiciais atualmente conduzidas pelo BC serão encerradas no prazo máximo de 360 dias contados da entrada em vigor da nova proposição legislativa