Título: Todos os olhos se voltam ao Supremo
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 18/11/2009, Brasil, p. 8

Desfecho do julgamento da extradição do ex-ativista italiano preso no Brasil deve sair hoje. Caso gera discussão sobre a possibilidade de o presidente da República discordar do STF

Parlamentares visitaram Cesare Battisti ontem, na Penitenciária da Papuda. Deputados e senadores manifestaram-se contra a extradição

Mais do que qualquer outro processo de extradição, comum no cotidiano dos ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o julgamento que vai definir o futuro de Cesare Battisti levanta polêmica, divide opiniões e atrai a atenção do mundo inteiro. A decisão deve sair hoje, na terceira vez em que o pedido para o ex-ativista voltar à Itália entrará em pauta (leia Memória). Battisti foi condenado à prisão perpétua, acusado de quatro homicídios cometidos entre 1978 e 1979, quando liderava o grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). O placar está empatado em 4 x 4 e caberá ao presidente da Suprema Corte, Gilmar Mendes, dar o voto de Minerva.

A grande discussão do dia vai girar em torno da possibilidade de o presidente Luiz Inácio Lula da Silva discordar do STF caso fique definido, como esperado, que a extradição deve ocorrer. Isso nunca aconteceu até hoje. Os ministros já chegaram a tocar no assunto em julgamentos anteriores, mas hoje o martelo vai ser batido.

Se prevalecer o entendimento do relator, Cesar Peluso, Lula ficará sem opção: terá que entregar Battisti ao governo italiano. Mas a divergência vai ser aberta em plenário por outro ministro, que defenderá tese contrária ¿ a de que o presidente tem liberdade para negar-se a executar a extradição. Essa foi a posição adotada pelo ministro Marco Aurélio Mello, por exemplo. Ele foi o último a votar, na semana passada. O ministro Carlos Ayres Britto se manifestou dessa forma em casos semelhantes e deverá reforçar o posicionamento hoje.

Como das outras vezes em que o delicado debate entrou em pauta, o Supremo montou um verdadeiro aparato. Para conter previsíveis manifestações pró-Battisti, o esquema de segurança foi reforçado. Já foi preciso retirar manifestantes à força do plenário (veja quadro).

Pressão Na véspera da decisão, parlamentares das comissões de Direitos Humanos do Senado e da Câmara visitaram o italiano, que está preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília. Eles criticaram o fato de o STF estar julgando o pedido de extradição mesmo com a decisão do Ministério da Justiça, que concedeu refúgio a Battisti em janeiro. ¿Acho um absurdo que o STF possa contrariar a Constituição¿, disse o senador José Nery (PSol-PA). Ele lembrou que, segundo entendimento firmado pela própria Corte, a concessão de refúgio invalidava a extradição.

O Ministério da Justiça, contrário à entrega do ex-ativista à Itália, crê na hipótese de crime político e diz que a extradição pode abrir um precedente perigoso. Já o governo italiano pressiona o Brasil para que Battisti cumpra pena no país de origem. Enquanto os advogados que representam o país europeu sustentam que o retorno do italiano será obrigatório, caso fique decidida a extradição, a defesa de Battisti rebate: alega que os crimes já prescreveram.

Em meio aos embates, Battisti diz que está confiante em uma decisão favorável hoje. E, aparentando estar mais magro e abatido, afirma que vai levar a greve de fome ¿até o fim¿. No fim de semana, às vésperas do julgamento, ele divulgou uma carta endereçada ao presidente Lula e ao STF e anunciou que deixaria de comer. Segundo políticos que estiveram com o ex-ativista ontem, ele só está bebendo água. Recebeu os políticos vestido de branco e calçando chinelos.

Ontem, pouco antes da projeção do filme Lula, o filho do Brasil, durante a abertura do Festival de Brasília, na Sala Villa-Lobos, ativistas entraram na sala com uma faixa com os dizeres: ¿Lula, libere Cesare¿.

Acho um absurdo que o Supremo possa contrariar a Constituição¿

José Nery, senador do PSol-PA

O número 4x4 Placar de votação sobre a extradição de Battisti. Caberá a Gilmar Mendes o voto de Minerva

Julgamento concorrido

Os números do julgamento que vai definir o futuro do italiano Cesare Battisti dão a dimensão de como o caso ganhou importância no Brasil e no exterior.

Hoje, será o terceiro dia de julgamento do pedido de extradição do ex-ativista, feito pelo governo italiano. A votação está empatada em 4 x 4.

A segurança, como nas outras duas vezes, será reforçada. O STF não divulga o número de seguranças. Nas outras sessões, manifestantes pró-Battisti tiveram que ser retirados do local de votação.

O plenário do STF tem 244 lugares, sendo que 30 deles foram reservados para a imprensa. Na semana passada, parlamentares brasileiros e representantes da embaixada italiana no Brasil compareceram à sessão.

Ao todo, 47 veículos de imprensa fizeram credenciamento para cobrir o último dia do julgamento. Destes, nove são estrangeiros. Na lista, estão três dos mais importantes veículos de comunicação da Itália: o jornal La Repubblica, a TV RAI e a agência de notícias Ansa.

Memória Quatro homicídios

A Itália trava uma verdadeira batalha para obter a extradição do ex-ativista de esquerda Cesare Battisti, de 54 anos. Ele é acusado de quatro homicídios ocorridos na década de 1970, quando liderava a organização extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC). À revelia, o italiano foi condenado à prisão perpétua no país de origem. O julgamento terminou em 1993, mas ele nunca cumpriu pena. Fugiu para a França, onde viveu até 2004, quando o então presidente do país, Jacques Chirac, se posicionou a favor da extradição.

Battisti fugiu de novo e veio parar no Brasil. Em março de 2007, foi preso no Rio de Janeiro e transferido para Brasília. Em janeiro deste ano, ganhou o status de refugiado do Ministério da Justiça. O ex-ativista nega a autoria dos crimes e afirma ser vítima de perseguição política. Em entrevista ao Correio, Battisti chegou a dizer que a extradição seria um ¿troféu¿ para o governo de Silvio Berlusconi. O governo italiano diz que trata-se de crime comum, e não de perseguição política. (MD)

Joaquim Barbosa deixa o TSE

O ministro Joaquim Barbosa renunciou ontem ao cargo de ministro do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barbosa, que presidiria a Corte a partir do ano que vem, comandaria as eleições presidenciais. Vai ser substituído por Ricardo Lewandowski na Presidência. Barbosa sofre de uma inflamação crônica na coluna e já se submeteu a diversos tratamentos de saúde no Brasil e no exterior. Para se afastar, alegou ter ¿necessidade incontornável¿ de cuidar da saúde.