Título: Lula pede de novo: fica, Meirelles
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 18/11/2009, Economia, p. 10

Presidente nota tensão diante de mudança na área econômica e reforça necessidade de um Banco Central forte durante a próxima eleição

Meirelles, do BC, atuou diretamente no mercado, defendendo postura do futuro diretor de Política Monetária, Aldo Mendes. Venceu ao conter tensão

Diante da crise aberta pela substituição, às pressas, de Mário Torós por Aldo Luiz Mendes na diretoria de Política Monetária do Banco Central, o presidente Lula voltou a pedir ontem, ao presidente da instituição, Henrique Meirelles, que desista de concorrer a um cargo público e permaneça em seu posto até o fim do governo. Em uma conversa de quase uma hora, no Palácio da Alvorada, Lula disse a Meirelles que, com ele à frente do BC ao longo das eleições presidenciais, os riscos de estresse nos mercados serão mínimos e os investidores tenderão a reduzir as suas apostas de alta na taxa básica de juros (Selic). Meirelles se filiou ao PMDB em setembro, deixando uma porta aberta para disputar o governo de Goiás ou uma vaga no Senado.

Antes do encontro, o próprio Meirelles já havia indicado a sua disposição de não deixar o comando do BC em direção à política. ¿A maior probabilidade é de que eu atenda ao pedido do presidente Lula e fique no BC até o fim do governo¿, disse. Essa possibilidade, segundo ele, será considerada em março, quando prometeu anunciar o seu desligamento ou não. ¿O presidente está empenhado em convencer Meirelles a ficar no governo até o fim. E ele não ficará somente se não quiser¿, afirmou um dos auxiliares mais próximos de Lula. ¿Depois da conversa, o nosso sentimento é de que ele continuará no BC¿, acrescentou.

Apesar de ainda não ter desistido de ir para a política, Meirelles deu garantias a Lula de que, enquanto ele estiver no BC, nenhuma troca será feita na diretoria. Para isso, retirou de Mário Mesquita (Política Econômica) e de Gustavo Matos do Vale (Liquidações) o compromisso de que ficarão em suas diretorias até que ele decida o seu destino. ¿Não está previsto nenhum movimento (de mudanças) próximo no BC¿, afirmou Meirelles antes de se dirigir para o Alvorada. ¿Esses diretores manifestaram seu desejo e a concordância de estarem comigo no banco. Evidentemente, no dia em que deixar o BC, certamente não poderei falar sobre o futuro¿, complementou. Até a crise detonada por Torós, tanto Mesquita quanto Vale pretendiam deixar o BC no fim deste ano.

Lula e Meirelles aproveitaram o encontro para acertarem, conforme antecipou ontem o Correio, a estratégia para apressar a sabatina de Aldo Mendes na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado. A meta, segundo o presidente da comissão, Garibaldi Alves (PMDB-RN), é marcar a sabatina para a próxima terça-feira, de forma que o nome do novo diretor seja ratificado no Plenário da Casa antes da próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom)(1), nos dias 8 e 9 de dezembro. Lula não quer que Torós participe das discussões que vão definir os rumos da Selic. O governo, inclusive, já articula apoio da oposição para que não crie entraves à aprovação. Infelizmente, Torós tem que ficar no cargo até que o seu sucessor seja aprovado pelo Senado¿, assinalou o assessor de Lula.

Operação de guerra A terça-feira começou cedo para Meirelles. O temor de que uma onda de desconfiança tomasse conta do mercado levou o presidente da instituição a montar uma operação de guerra para dirimir qualquer dúvida sobre possíveis mudanças na política de juros. Desde cedo, Meirelles e Mesquita trataram de acalmar analistas e investidores por meio de contatos telefônicos. A estratégia envolveu, inclusive, a participação do presidente do BC em um seminário com dirigentes de universidades, no qual ele mandou o recado que todos queriam ouvir: o de que Mendes é um técnico independente, não tendo, portanto, vinculação com o ministro da Fazenda, Guido Mantega.

¿A escolha de Mendes foi cuidadosa e técnica. Como homem, profissional e técnico independente, está perfeitamente adequado ao perfil de diretores do BC escolhidos nos últimos anos. E foram mais de 15¿, disse Meirelles. Que emendou: ¿Todas as pessoas que me ligaram hoje (ontem), investidores, analistas, participantes de mercado, elogiaram muito a decisão (de nomear Aldo)¿. A operação acabou dando certo. No fim do dia, todas as taxas futuras de juros dos contratos com vencimentos mais longos caíram. Os papéis com resgate em janeiro de 2011, os mais negociados na Bolsa de Mercadorias e de Futuros (BM&F), recuaram de 10,26% para 10,20% ao ano.

Segundo um dos auxiliares mais próximos de Meirelles, a sensação no fim do dia foi de alívio. ¿Acho que conseguimos superar, sem traumas, os estragos provocados por Torós com a inacreditável entrevista que ele deu¿, disse.

1 - Metas O Copom foi instituído em 20 de junho de 1996, com o objetivo de estabelecer as diretrizes da política monetária e de definir a taxa básica de juros no Brasil. Desde sua criação, há maior transparência nesse processo, que já era adotado pelo Federal Open Market Committee (Fomc ¿ Comitê Federal do Mercado Aberto), do Banco Central dos Estados Unidos, e pelo Central Bank Council (Conselho do BC), do Banco Central da Alemanha. Entre as mudanças ocorridas desde sua criação destaca-se a adoção, em 1999, do sistema de ¿metas para a inflação¿ como diretriz de política monetária. As decisões do Copom passaram a ter como objetivo cumprir as metas definidas pelo Conselho Monetário Nacional.

Meritocracia em alta

O futuro diretor de Política Monetária do Banco Central (BC), Aldo Luiz Mendes, foi demitido da vice-presidência do Banco do Brasil (BB), em junho passado, por exigência do ministro da Fazenda, Guido Mantega. A pressão pela demissão começou em abril, quando o ministro deu posse a Aldemir Bendini, o Dida, na presidência do BB, em substituição a Antonio Lima Neto, acusado de não seguir as diretrizes do governo de reduzir as taxas de juros cobradas de empresas e consumidores.

¿Desde a escolha de Bendini para o comando do BB, Mantega avisou que queria mudanças em todas as vice-presidências. Houve uma certa resistência, mas Bendini não teve como não ceder¿, disse um influente funcionário do BB. Segundo ele, era uma questão de honra para Mantega ¿limpar¿ a herança deixada pelo seu antecessor, Antonio Palocci, nas áreas vinculadas à Fazenda. ¿Naquele momento, o que menos pesou foi a competência técnica, mas uma disputa de poder¿, acrescentou. ¿Mas, por ironia do destino, Mendes está indo para o BC com o aval de Palocci.¿

Bendini, no entanto, não isolou Aldo Mendes. Ciente da competência do ex-vice do BB, ele o indicou para a presidência da Companhia de Seguros Aliança do Brasil, considerada estratégica. ¿Hoje, o BB está distante no segmento de seguros de seus maiores concorrentes, o Itaú Unibanco e o Bradesco. Então, Bendini escolheu Aldo para tocar o processo de virada da área de seguros do banco¿, contou um dos mais próximos amigos do futuro diretor do Banco Central.

Influência do pai Esse mesmo amigo lembrou que, além de ser muito próximo de Alexandre Tombini, diretor de Normas do BC, que deve ser o sucessor do presidente da instituição, Henrique Meirelles, caso ele decida concorrer a um cargo público no ano que vem, e de Gustavo Matos do Vale, diretor de Liquidações, a relação de Mendes com o BC vem de longe. Seu pai, Aldo Mendes, que morreu em junho de 2008, começou a carreira no BB, mas acabou se transferindo para o BC, onde se aposentou. ¿Por isso, ele tem livre trânsito por aqui¿, frisou um servidor do BC.

Apesar do descontentamento da Fazenda com Mendes, Meirelles é só elogios ao futuro auxiliar. ¿É um profissional técnico, que subiu na sua carreira tendo como base do crescimento o seu desempenho. Sou um homem que acredita nos resultados, na meritocracia. Ele é um exemplo dentro do Banco do Brasil e tem excelentes relações com os investidores e os agentes de mercado¿, afirmou. (VN)

Análise da notícia Disputa interna

A rápida substituição de Mário Torós por Aldo Luiz Mendes na diretoria de Política Monetária do Banco Central, anunciada na noite de anteontem, foi fundamental para que uma crise mais profunda não engolisse a instituição que serve de referência para os investidores. Se o presidente do BC, Henrique Meirelles, titubeasse e deixasse no cargo um auxiliar que quebrou regras sagradas como a do sigilo e menosprezou colegas de trabalho ao posar de super-homem, perderia o respeito, enfraquecendo o bem mais sagrado do banco, a sua credibilidade.

Agora, o que Meirelles precisa fazer é unificar de vez a sua diretoria, que, até a demissão de Torós, vinha num processo crescente de disputa por poder, que, ressalte-se, foi deflagrada depois que o presidente do BC se filiou ao PMDB de olho em um cargo político em 2010. Tóros decidiu sair atirando por meio de uma entrevista ao jornal Valor Econômico, depois de perceber que estava descartado entre os prováveis substitutos de Meirelles, caso ele realmente saia do BC em abril do próximo ano ¿ a batalha está praticamente vencida pelo diretor de Normas, Alexandre Tombini. Pela importância que tem para a economia, o BC deveria estar muito além desse tipo de disputa. (VN)

Bovespa sobe 1,1%

A valorização das ações da Petrobras, amparada na alta do petróleo e em notícia sobre nova descoberta de um campo de petróleo, garantiu alta de 1,1% à Bolsa de Valores de São Paulo (Bovespa) ontem. O fechamento, em 67.405 pontos, é o maior deste ano. A agência de notícias estatal Angop anunciou que a estatal petrolífera de Angola, Sonangol, e a Petrobras encontraram um novo campo de petróleo no leito oceânico de Angola. A ação preferencial da Petrobras subiu 2,7%. A sessão no mercado brasileiro também foi marcada pela repercussão das mudanças no Banco Central anunciadas na noite da véspera: a saída de Mario Torós da diretoria de Política Monetária e a indicação de Aldo Luiz Mendes, ex-vice-presidente da área financeira do Banco do Brasil, para o posto. O impacto nos negócios, contudo, foi limitado. Tanto que, na BM&F (foto), os contratos futuros para o Ibovespa (Índice da Bovespa), com vencimento em dezembro, subiram 1,3%.