Título: Presidente vai mediar a discórdia
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2009, Brasil, p. 10

Com a falta de acordo entre ministérios do Meio Ambiente e da Agricultura sobre as alterações no Código Florestal, caberá a Lula bater o martelo sobre temas polêmicos

Carlos Minc e Reinhold Stephanes, ontem: queda de braço entre ministérios tem favorecido os ruralistas

Ao mesmo tempo em que se empenha para ¿fazer bonito¿ em Copenhague ¿ nas palavras do próprio ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc ¿ com metas ambiciosas de corte das emissões dos gases causadores do efeito estufa, o Brasil ainda tenta chegar a um consenso sobre a própria legislação ambiental. Prova disso será o anúncio que deve ser feito esta semana pelo governo sobre o Código Florestal Brasileiro. Após três reuniões e pouco avanço nos temas mais polêmicos, ficará a cargo do presidente Luiz Inácio Lula da Silva bater o martelo sobre o tema e acabar de vez com a briga entre Minc e o ministro da Agricultura, Reinhold Stephanes.

Até agora, vem ganhando a ala ruralista, que conseguiu o compromisso do governo em adiar para daqui a 18 meses o decreto presidencial que autoriza a punição aos agricultores que não cumpriram os limites de preservação de suas florestas dentro das propriedades. O início das punições, que começaria em 11 de dezembro, passou para 11 de julho de 2011. O adiamento vai beneficiar cerca de 3 milhões de pequenos e médios proprietários, que terão mais tempo para se adaptar à lei. Após esse prazo, o agricultor autuado ainda terá 120 dias para formalizar uma proposta de recuperação da área.

O arranjo do governo desagradou às ONGs ambientalistas, que vão pedir hoje uma audiência com a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, e com Carlos Minc para tratar do assunto. As entidades divulgaram uma carta de repúdio em que citam a legislação ambiental como fundamental para o sucesso dos planos brasileiros de combate às mudanças climáticas. ¿Estão rifando a nossa lei em detrimento de um acordo político contraditório, que vai na contramão daquilo que o Brasil se propôs a fazer, que é evitar o desmatamento¿, denuncia o coordenador do Instituto de Pesquisa Ambiental da Amazônia (Ipam).

Apesar de reconhecer uma flexibilização no acordo, Minc nega que haja retrocesso. ¿Não vai haver relaxamento da legislação, isso é certeza. Se houvesse um acordo que permitisse desmatar ou ignorasse a obrigação de recompor, aí, sim, seria contradição. Mas garanto que isso não acontecerá.¿

Mais divergências Além do prazo polêmico que beneficia os desmatadores, o presidente Lula deve incluir no pacote ambiental outros pontos que antes eram motivo de dor de cabeça dentro do governo. O principal deles trata das mudanças nos tamanhos das reservas legais dos biomas. Minc defende a manutenção da preservação dentro das propriedades particulares em 80%, na Amazônia; 35% no Cerrado; e 20% nos demais casos. Mas Stephanes insiste numa revisão dessas medidas e propõe a redução da preservação em 50% para a Amazônia e 20% para o Cerrado para evitar ¿engessar¿ a produtividade e não criminalizar produtores que desenvolveram suas culturas em locais considerados já consolidados.

Outro embate envolve as áreas de preservação permanente, que consistem de áreas intocadas, como topos de morros, beiras de rios e encostas, por exemplo. Minc admite que apenas agricultores familiares com área de até 150 hectares devem incluí-las no tamanho da reserva legal, o que significa, na prática, reduzir ainda mais as áreas protegidas dentro da propriedade, independentemente da região. Mas se depender do Ministério da Agricultura, a regra valerá para todas as propriedades do país.

Stephanes evita desgastes e não comentará o assunto até que saia a decisão a seu favor. Já Minc adianta que os três grandes ¿pesadelos¿ dos ambientalistas não serão realizados. Ele se refere à anistia para quem desmatou ilegalmente, ao fim da reserva legal e à regionalização da lei. ¿O presidente Lula já tem condições suficientes para deliberar sobre o assunto¿, afirma o ministro.

Debates

Repletas de polêmicas, as discussões sobre o Código Florestal Brasileiro dividem ministros do governo, mas também ecoa no Congresso, onde tramitam propostas sobre o tema. Confira como andam os debates no Executivo e no Legislativo:

No Congresso A bancada ruralista quer revogar o Código Florestal e relaxar a legislação referente aos produtores, que é de 1965. Para isso, os textos que circulam na Câmara sugerem, por exemplo, a redução das reservas legais e a anistia para quem já desmatou em áreas de proteção ambiental. Os ambientalistas, no entanto, são contra essas propostas.

No governo Após inúmeras reuniões e nenhum consenso entre a ala ambientalista e a ruralista, ficou nas mãos do presidente Lula a decisão de alguns dos pontos mais polêmicos. Entre eles, estão a revisão das áreas de preservação ambiental que podem ou não ser anexadas ao texto como produtivas e a descentralização da legislação ambiental, que passaria a ser de responsabilidade das unidades federativas, e não da União, como é hoje.