Título: Entrega de Battisti à Itália
Autor: Fraga, Mirtô
Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2009, Opinião, p. 19

O julgamento da extradição de Cesare Battisti está empatado. Amanhã, a discussão prosseguirá. Oportuno tecer algumas considerações. Não há extradição ex officio. Ela deve ser sempre solicitada, sob a invocação da existência de tratado ou sob promessa de reciprocidade de tratamento. Não havendo tratado, o Brasil pode negar a extradição, ainda que o Estado requerente ofereça promessa de reciprocidade de tratamento em caso idêntico. Há discrição governamental. E a recusa pode ser sumária, quando os documentos nem serão enviados ao Supremo Tribunal Federal (STF). Mas, se há tratado, ela se torna obrigatória, nas condições nele previstas; sua concessão deriva de uma obrigação convencional, mas está condicionada ao exame de legalidade e procedência pelo STF.

Com ou sem tratado, o processo de extradição comporta três fases distintas: a primeira e a terceira são administrativas; a segunda é judiciária. A primeira fase se inicia com o recebimento do pedido do Estado estrangeiro e termina com o seu encaminhamento ao STF, se for o caso. A segunda é a fase judiciária, em que a Corte analisa o pedido quanto à sua legalidade e procedência. Após a decisão do STF, vem a terceira fase, administrativa, em que o governo procede à entrega do extraditando (se a Corte julgou-a legal) ou, então, comunica ao Estado requerente o indeferimento do pedido. Na terceira fase, com a decisão judicial favorável à extradição, tomam-se determinadas providências para a retirada do extraditando.

Questão interessante consiste em saber se a faculdade de recusa ¿ quando presente, isto é, na ausência de tratado ¿ deve ser exercitada pelo governo antes ou depois da fase judiciária. Trataremos, aqui, apenas, da hipótese, em julgamento: quando há tratado.

O direito é um sistema lógico, racional, e com tais princípios deve ser analisada toda norma jurídica. Nenhum dispositivo deve ser interpretado no sentido de sua ineficácia. A Constituição brasileira garante os direitos individuais, dentre eles a liberdade. O processo extraditório reclama, em todo o seu curso, a prisão do extraditando. Envolve autoridades policiais, ministros do STF, procurador-geral da República, outros magistrados, advogados. Requer, enfim, uma série de providências que demandam tempo.

No caso Battisti, não há discrição governamental: há tratado entre os dois países. O pedido da Itália deveria ser, como o foi, encaminhado ao STF. É que, pelo tratado, a extradição é obrigatória e o Brasil, quando o firmou, assumiu o compromisso de entregar estrangeiros solicitados pela Itália. Tal entrega está condicionada, apenas, à decisão judicial e aos compromissos próprios da entrega. Se o STF concluir pela extradição, não há discrição governamental. Cumpre-se o tratado. Entrega-se o extraditando. Nada mais. É princípio internacional e, também, inscrito em nossa Constituição, o respeito aos tratados firmados. Se o presidente da República, havendo tratado, pudesse recusar a entrega do estrangeiro, depois de decisão favorável do STF, para que assinar o acordo? Qual o objetivo do tratado?

Havendo tratado, a manifestação presidencial pela entrega do extraditando, ocorreu, portanto, na assinatura do acordo. É aí que sua vontade se obriga, sujeita só ao julgamento da Corte (legalidade e procedência do pedido). Depois da decisão favorável do STF, não pode haver uma segunda manifestação. Apenas, cumpre-se o tratado.

A única ação presidencial admissível, após o julgamento, é o adiamento da entrega para que o extraditando responda a processo-crime, por atos aqui praticados. Mas, pode o chefe de Estado dispensá-lo dessa obrigação e entregá-lo imediatamente à Itália. Aí, há discrição governamental. Mas, haverá interesse para o Brasil na primeira alternativa? Ao presidente, neste caso, cabe o juízo discricionário do interesse público; não do interesse governamental.

É necessário lembrar que na primeira hipótese (entrega adiada), a manutenção da prisão de Battisti, no Brasil, por ordem do STF, se faz necessária, pois ela dura até a entrega do extraditando ao requerente, observados os prazos legais. A prisão há de persistir até que esgotada a condição, suspensos esses prazos. Trata-se, pois, de prisão legítima, mesmo na hipótese de eventual absolvição pelo crime supostamente praticado aqui. É necessário garantir que a entrega possa efetivar-se.