Título: Cúpula da FAO se resume a intenções
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 17/11/2009, Mundo, p. 21

Encontro sobre segurança alimentar começa com declaração comum, mas não estipula prazos

O papa Bento XVI enviou uma mensagem lembrando que a fome ¿é o sinal mais cruel e concreto¿ de pobreza. ¿A opulência e o desperdício não são mais aceitáveis, quando a tragédia da fome assume proporções cada vez maiores¿, alertou o pontífice. O secretário geral da ONU, Ban Ki-moon, alertou que os agricultores de subsistência da África enfrentarão uma queda de 50% em sua produção, até 2020, e pediu ¿mudanças significativas para alimentarmos a nós mesmos e, mais especialmente, salvaguardarmos os mais pobres e mais vulneráveis¿.

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva vendeu suas iniciativas políticas como responsáveis por terem retirado 20,4 milhões de pessoas da pobreza e reduzido em 62% a desnutrição infantil. E cobrou mais empenho dos ricos. ¿É fundamental que os países desenvolvidos cumpram os compromissos assumidos e aumentem os níveis da Assistência ao Desenvolvimento¿, afirmou o mandatário, antes de defender o fim dos ¿vergonhosos¿ subsídios agrícolas dos países ricos.

Mais uma vez, as palavras de um líder religioso, de um diplomata e de um chefe de Estado pouco surtiram efeito para emocionar os outros 192 países-membros da Organização das Nações Unidas para a Agricultura e a Alimentação (FAO). Ao fim da Cúpula Mundial de Segurança Alimentar, em Roma, os governantes adotaram por unanimidade a Declaração conjunta sobre Segurança Alimentar Global ¿ um documento repleto de retórica e sem um cronograma. No texto, eles renovam o compromisso de ¿erradicar a fome da face da Terra, de forma sustentada e o mais rápido possível¿.

O alemão Joachim von Braun, diretor geral do Instituto International de Pesquisa sobre Política Alimentar (em Washington), disse ao Correio que o encontro não vislumbra um documento decisório ou a adoção de políticas de combate ao mal. ¿Espero que da frustração venha a vontade para uma ação mais agressiva, com o intuito de reduzir a fome e cortá-la pela metade até 2015¿, afirmou o analista.

Demanda A ausência de prazos e de compromissos mais consistentes, somada a uma projeção assustadora, lançou mais pessimismo no combate à fome. Durante a abertura da cúpula, Jacques Diouf, diretor geral da FAO, lembrou que a produção mundial de alimentos precisará aumentar 70% até 2050 para atender às demandas da população. De acordo com Diouf, que decidiu fazer um jejum de protesto, os países emergentes terão que dobrar a produção.

Por e-mail, Kostas G. Stamoulis, diretor da Divisão de Agricultura e Desenvolvimento Econômico da FAO, explicou ao Correio que a população mundial deve crescer de 6,8 bilhões para 9,1 bilhões de pessoas em 40 anos. ¿A maior parte será urbana, o mundo estará mais rico e as pessoas consumirão mais carne, leite e alimentos de alto teor nutritivo. Precisaremos de mais de 70% de alimentos do que temos hoje.¿

Segundo Stamoulis, 90% da produção incidirá do crescimento no lucro e da produção de grãos. ¿Se não obtivermos mais dinheiro e não adotarmos tecnologias para aumentar a produtividade, especialmente nos países em desenvolvimento, enfrentaremos uma crise alimentar¿, alertou. O executivo da FAO defendeu que a segurança alimentar global deve ser uma responsabilidade compartilhada por todas as nações. ¿Os países ricos deveriam aumentar sua assistência ao desenvolvimento da agricultura e da pesca, que despencou de 19%, em 1980, para 3,8%, em 2006.¿

Paris e Brasília estão alinhadas

Durante a cúpula, a França e o Brasil propuseram ¿o debate e a aprovação rápida de um cronograma em dois anos¿ para a segurança alimentar mundial. ¿O cronograma deverá ser aprovado por todos os atores, e terá que consolidar as visões prospectivas para uma alimentação duradoura, suficiente e saudável até 2050¿, disseram os ministros francês e brasileiro da Agricultura, Bruno Le Maire e Guilherme Cassel. Também em Roma, Lula recebeu prêmio da ONG ActionAid pelo combate à fome.

Eu acho...

¿Em 2050, o mundo precisará de 70% a 100% mais de comida para alimentar a população excedente, responder à alta demanda de um mundo mais rico e combater a fome. A disponibilidade de comida é séria hoje, especialmente em relação àqueles alimentos usados em dietas saudáveis. Nós não vivemos apenas de pão e de arroz. As razões para a crise alimentar são a falta de investimentos em agricultura, distorções de comércio e outras falhas políticas¿

» Joachim von Braun, diretor geral do Instituto International de Pesquisa sobre Política Alimentar