Título: Nível médio, salário superior
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2009, Política, p. 2

Proposta apoiada por 50 senadores mantém artifício que infla vencimentos de chefes de gabinete sem formação universitária. Comissões previstas na função reservada a servidores efetivos levam proventos a superar o teto do funcionalismo. TCU investiga

A prática de ¿vitaminar¿ os salários de chefes de gabinete do Senado foi instituída em 2003, durante a segunda gestão do atual presidente da Casa, José Sarney

Cerca de 50 senadores encamparam uma proposta feita pelos chefes de gabinete para manter os cargos de auxiliares diretos dos parlamentares como uma exclusividade dos servidores efetivos. O projeto de reforma administrativa do Senado apresentado pela Fundação Getulio Vargas (FGV) ¿ cujo prazo para sugestões de mudança termina hoje ¿ acabava com essa reserva técnica, o que permitiria a nomeação de comissionados para o posto. Se acatada, a proposta, sem que os senadores se deem conta, eterniza o pagamento de um artifício salarial chamado pulo do FC. Ele rende aos atuais chefes de gabinete contracheques, em alguns casos, acima do teto do funcionalismo público, de R$ 25,7 mil.

Pelas atuais regras do Senado, o servidor de nível médio (técnico legislativo) nomeado para um cargo de chefia recebe, além da Função Comissionada (FC) de R$ 2 mil por ocupar o posto, o vencimento máximo de nível superior, uma carreira acima. Esse trampolim salarial pode render um adicional de mais de R$ 7 mil por mês. Segundo dados do Portal da Transparência do Senado de ontem, 50 chefes de gabinete são de nível médio e 27, de superior. Quatro cargos estão vagos.

A prática, instituída em 2003, durante a segunda gestão do presidente José Sarney (PMDB-AP), está sob investigação do Tribunal de Contas da União (TCU). A Corte realiza auditoria na folha de pagamento do Senado, de R$ 2,3 bilhões, para descobrir eventuais irregularidades.

Ao longo da semana, o Senado recebeu cerca de 30 sugestões de mudanças na reforma administrativa. Dessas, mais de 20 eram de senadores. O restante tinha origem em setores da própria Casa, como a Secretaria-Geral da Mesa, a Gráfica e a Secretaria de Comunicação Social. Servidores lutam para manter as atuais gratificações que recebem ou, no caso dos jornalistas, criar 119 funções comissionadas para distribuir entre editores, chefes de reportagem e pauteiros. Sem atrativos salariais, a Comunicação tem dificuldades para preencher tais postos.

As sugestões dos senadores serão apreciadas pela cúpula administrativa do Senado e, depois, pelo primeiro-secretário Heráclito Fortes (DEM-PI). Como relator da reforma(1), é ele quem levará o texto final para votação em plenário, aceitando ou não as sugestões.

Qualidade O senador Papaleo Paes (PSDB-AP), que tem como chefe de gabinete um servidor de nível médio, é um dos que concordam em manter a reserva atual. Ele se vale de um argumento financeiro. Seria difícil, segundo o parlamentar, alguém trabalhar no cargo com o salário de comissionado ¿ de até R$ 8,9 mil mensais. ¿Fica impossível trazer um profissional do Amapá para manter a família e duas casas, uma no estado e outra na capital. Salarialmente não compensa¿, afirmou. Papaleo não vê motivo para criticar a incorporação de funções dos atuais chefes de gabinetes. ¿Não há justificativa para retirar a reserva¿, disse.

Outro que subscreveu o pedido, o líder do DEM, Agripino Maia (RN), avalia que a possibilidade de se pagar o tal pulo do FC não pode ser argumento para retirar a atual reserva técnica dos chefes de gabinete. ¿São pessoas extremamente qualificadas¿, observa ele, que, entretanto, tem um servidor de nível superior no posto. O senador Renato Casagrande (PSB-ES), que escalou um servidor de nível médio, concorda com a previsão, mesmo sendo informado dos efeitos do pulo do FC. ¿Não tem por que mudar¿, disse. Para ele, se a regra for mudada, será necessário criar depois outras gratificações.

A senadora Rosalba Ciarlini (DEM-RN) é uma das poucas favoráveis à alteração sugerida pela FGV. ¿Há casos em que é bom ter alguém do próprio estado, da sua confiança, para comandar o gabinete¿, avalia a senadora, que disse não ter apoiado a proposta dos chefes de gabinete. Rosalba lembra que líderes do Executivo e do Judiciário, por exemplo, têm liberdade para nomear quem quiser para tais cargos. ¿Por que um senador não pode?¿, questiona. Ela tem no cargo um servidor de nível superior.

1 - Gordura estrutural O presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), prometeu esta semana que a reforma administrativa da Casa sai até o fim do ano. Sarney disse que o objetivo é ¿desengordurar¿ 40% da estrutura. A principal proposta apresentada pela Fundação Getulio Vargas promove, entre outras mudanças, o fim de parte de cargos em comissão a partir de 2011. Sarney se reúne hoje com representantes da FGV para discutir os desdobramentos da reforma.

Sem a reserva para efetivos, ficaria impossível trazer um comissionado do Amapá, por exemplo, para manter família e duas casas, uma no estado e outra na capital. Não compensaria¿

Senador Papaleo Paes (PSDB-AP), argumentando que o salário de comissionados, de até R$ 8,9 mil, é baixo

Conheça a proposta de reforma administrativa discutida pelo Senado

Falta de cadastro pune sete funcionários

Não passou de ameaça o anúncio do Senado de que iria suspender o pagamento de 88 servidores por não terem respondido ao recadastramento. A Casa divulgou ontem que a medida atingirá sete funcionários em novembro. Os servidores que não participaram do censo são suspeitos de serem fantasmas. São seis comissionados e um efetivo. O Senado estuda cortar o salário de um oitavo, que estaria hospitalizado. Colegas de repartição informaram que ele não teria condições de responder ao recadastramento.

Inicialmente previsto para terminar em 25 de setembro, o censo foi prorrogado várias vezes nos últimos três meses. No fim de outubro, o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), disse que iria cortar o salário dos até então 828 funcionários que não haviam respondido o questionário. Recuou depois que a Secretaria de Recursos Humanos informou não ter poderes para fazer a suspensão sem antes abrir investigação. Com mais tempo para preencher o formulário, o número de omissos caiu para 88.

Desde agosto, o Senado busca, pela primeira vez na história, montar um cadastro único dos 6.290 trabalhadores, entre efetivos e comissionados. O preenchimento do formulário, com dados pessoais, lotação, cargo e função, pode ser feito pela internet ou remetido por correspondência. (RB)