Título: Trocar umas figurinhas
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2009, Política, p. 4

A decisão de Lula sobre Battisti se dará numa moldura complexa. Vai exigir muito trabalho jurídico e, talvez, muita conversa com a Itália

Acompanhei com atenção (para tentar compensar minha ignorância) o julgamento do caso Battisti quarta-feira no Supremo Tribunal Federal. Aliás, suspeito que estudar direito hoje em dia ficou bem mais interessante e fácil. O sujeito assiste pela TV às sessões do STF e aprende muito. Vale por um curso.

O ponto mais crítico do debate foi se a decisão do Supremo de autorizar a extradição do italiano era obrigatória para Luiz Inácio Lula da Silva. Chocaram-se ali dois conceitos bem claros: 1) as sentenças do STF são definitivas e irrecorríveis e 2) quem faz política externa não são nem o Legislativo nem o Judiciário, é o Executivo, na pessoa do presidente da República.

Assim, o Supremo pode autorizar a extradição de alguém, mas o presidente pode também entender que mandá-lo embora não interessa ao Brasil. Pelo menos foi o que compreendi. Só que, naturalmente, o chefe do Executivo precisa justificar seus atos à luz da legislação vigente. Então, como desfazer o nó? Ora, se nem os ministros chegaram a uma conclusão definitiva, muito menos eu me arriscaria.

Eis o abacaxi que está com Lula para descascar. O STF já desfez a decisão do ministro da Justiça de conceder o refúgio. Está esgotada a disputa legal sobre o caráter dos crimes de que Battisti foi acusado e pelos quais foi julgado na Itália. E entra em cena um vetor mais delicado: a relação entre os Estados brasileiro e italiano.

Ao longo de todo o processo, a defesa política e legal de Battisti argumentou que, quando dos atos a ele imputados ¿ e também por ocasião de seu julgamento ¿ a Itália vivia um regime político que não podia ser enquadrado nas formas clássicas do Estado de Direito. Essa tese foi derrubada no STF por 5 x 4, com a maioria seguindo o voto do relator, Cesar Peluso.

As informações palacianas davam conta ontem que Lula estava inclinado a esperar o acórdão do tribunal antes de bater o martelo. Parece prudente.

O ato de mandar Battisti cumprir pena na Itália ou segurá-lo aqui será visto como o que é: um posicionamento político. Era o que Lula queria evitar.

Há também um aspecto humanitário, mas a ênfase nele não resolve o problema do presidente. Se a decisão final for não extraditar Battisti, Lula terá afirmado, mesmo que implicitamente, que a Itália não tem hoje um regime político nem condições carcerárias que garantam os direitos fundamentais do condenado.

Será uma crise diplomática e tanto. E a situação se complica mais porque praticamente todas as correntes com alguma densidade política na Itália defendem a extradição. Da direita, a pressão é natural. Mas é na esquerda italiana que as pressões para reaver Battisti são maiores.

A esquerda na Itália é majoritariamente, esmagadoramente, herdeira do Partido Comunista Italiano. E o banditismo dos grupos armados de extrema-esquerda naquele país 40 anos atrás tinha como objetivo principal minar a hegemonia do PCI e sua política de alianças com a Democracia Cristã.

Por outro lado, se eu fosse Lula não ia querer carregar para a minha biografia, faltando tão pouco para o fim do mandato, o registro de ter enviado um sujeito supostamente de esquerda, e condenado por crimes com alegado nexo político, para apodrecer por mais de 20 anos em uma prisão italiana.

Mas uma coisa é o presidente querer. Outra, é poder. No Brasil, como na Itália, vige o Estado de Direito. Pelo menos até segunda ordem.

Lula precisa mesmo de tempo para dar tempo aos doutores do Planalto, para que tentem encontrar uma saída. Nesse intervalo, vai ter também que trocar umas figurinhas com a Itália.