Título: De volta à normalidade
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 20/11/2009, Política, p. 6

Hidrelétrica binacional de Itaipu retoma ritmo em que se encontrava antes do blecaute, mas especialistas seguem com muitas dúvidas sobre explicações do governo

Sala de controle de Itaipu: na hora do blecaute, a usina mandava para o sistema valor acima do pico de consumo

Itaipu voltou a gerar energia no ritmo anterior ao apagão da semana passada. A binacional superou a barreira dos 10.000 MW de produção energética diária na quarta-feira, mostrando que o Operador Nacional do Sistema (ONS) retomou a confiança no sistema de linhas de transmissão que saem da usina, responsáveis pelo blecaute que deixou 18 estados no escuro. Segundo especialistas, no entanto, a normalidade do sistema não veio acompanhada de respostas satisfatórias sobre as causas do blecaute.

Desde a terça-feira da semana passada, o ONS reduziu a importância de Itaipu na geração do país e aumentou a das termelétricas por insegurança no sistema. Relatório do Operador com o balanço da produção de energia de quarta-feira mostra que a hidrelétrica binacional teve uma geração média de 10.145 MW, acima do valor programado, e atingiu o pico de produção com 10.339 MW às 20h23.

Esses valores são similares à produção energética do dia anterior ao apagão. Na segunda-feira da semana passada, a usina jogou no sistema um valor médio de 10.431 MW, com pico de produção de 10.648 MW às 20h28.

O ONS reduziu a carga de Itaipu até terça-feira desta semana para evitar que as condições climáticas desfavoráveis na região que passam as linhas de transmissão causassem instabilidades desnecessárias ao sistema que deixou 66% do país no escuro por cerca de cinco horas. Para compensar a redução da usina binacional, o Operador aumentou o ritmo das termelétricas para uma média de 1.500 MW diários, que gera energia mais cara do que as hidrelétricas. Na quarta-feira, a carga voltou a cair para a média de 993 MW, no mesmo patamar pré-apagão.

Esses valores de produção dão argumento para especialistas que questionam os motivos para o ONS ter mantido Itaipu como predominante na noite do apagão, num momento de queda no consumo de energia. Na hora do blecaute (22h13), a usina binacional mandava para o sistema 10.900 MW, valor bem acima do pico de consumo que, normalmente, ocorre por volta das 20h30.

O ex-presidente da Eletrobrás Luiz Pinguelli Rosa levanta a dúvida sobre erro no sistema de gerenciamento do Operador. ¿Houve um erro, que pode ser do sistema automatizado, conjugado pelas condições climáticas adversas. O que não dá para entender é que num momento que começa a diminuir a demanda, Itaipu estava gerando com todas as turbinas numa proporção muito alta¿, afirmou Rosa, diretor do Instituto Alberto Luiz Coimbra da Universidade Federal do Rio de Janeiro.

A hipótese de fragilidade na gestão do sistema vem ao lado de críticas ásperas sobre as explicações dadas pelo governo para o apagão. Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil, centro de estudos sobre o setor elétrico, classifica de lamentáveis as respostas dadas até agora. Para ele, o sistema seria mais seguro se houvesse uma regionalização da geração de energia. ¿Itaipu está lá longe e mostrou-se que as linhas de transmissão e esse sistema não são seguros. É preciso uma geração distribuída¿, disse.

A Associação Brasileira dos Grandes Consumidores Industriais de Energia disparou contra o prejuízo causado pelo apagão. Para Ricardo Lima, presidente da instituição, a indústria de São Paulo perdeu 2% de sua produção. O consumidor já pagou muito caro para que um novo apagão não acontecesse. A questão não é falta de investimento. A tarifa do Brasil é uma das mais caras do mundo¿, disse Lima.

Itaipu está lá longe e mostrou-se que as linhas de transmissão e esse sistema não são seguros. É preciso uma geração distribuída¿

Claudio Sales, presidente do Instituto Acende Brasil

O número 10.145MW Geração média da hidrelétrica na quarta-feira esteve acima do programado e atingiu pico de 10.339 MW às 20h23

Leia o relatório de quarta-feira do ONS sobre a operação do sistema elétrico

Três perguntas para

LUIZ PINGUELLI ROSA

Que avaliação faz das explicações dadas pelo governo para o apagão? São insatisfatórias e não há coerência no que vem sendo dito. Isoladores falharem por excesso de chuva não me parece razoável, falha em para-raio, curto circuito em três linhas de transmissão são eventos de uma probabilidade baixíssima. O governo não deu resposta satisfatória.

O que o senhor acha que pode ter acontecido? Houve um erro, que pode ser do sistema automatizado, conjugado pelas condições climáticas adversas. O que não dá para entender é que num momento em que começa a diminuir a demanda, Itaipu estava gerando com todas as turbinas numa proporção muito alta.

Isso é sinal de que há falha na gestão? O sistema elétrico é uma confusão, desde o um projeto da privatização, com a criação de vários órgãos como a Aneel (Agência Nacional de Energia Elétrica), o ONS (Operador Nacional do Sistema). A Eletrobrás já foi responsável por tudo isso. Não é um sistema bem dimensionado.