Título: De queimador a exportador de gás
Autor: Allan, Ricardo; Verdini, Liana
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2009, Economia, p. 10

Brasil, que hoje perde parte da produção, deve vender o produto ao exterior

Produção da Petrobras: falta de infraestrutura para aproveitar gás natural joga R$ 1,5 bilhão no ralo

A partir de 2011, o Brasil poderá exportar gás natural. Desde o desentendimento com o governo da Bolívia, que suspendeu temporariamente o fornecimento em 2006, a Petrobras investiu no aumento da produção. O objetivo era conquistar autonomia em relação ao produto boliviano. Hoje, a estatal ainda joga no ar boa quantidade do que retira de seus campos. Por falta de infraestrutura para aproveitar tudo o que extrai, foram queimados 2,4 bilhões de metros cúbicos de gás entre janeiro e agosto, algo como R$ 1,5 bilhão jogados no ralo. Na média diária, houve um crescimento de 75% no volume despejado.

Mas a Petrobras vem investindo pesado para aproveitar as suas reservas. Em 2003, existiam 5.451 quilômetros de gasodutos. Este ano termina com um total de 7.930 quilômetros de dutos construídos e, no fim de 2010, serão 9.228 quilômetros implantados. A intenção da estatal é se consolidar na liderança do mercado brasileiro de gás natural, com atuação internacional, conforme consta do seu plano estratégico. E como o consumo interno anda meio deprimido, a solução tem sido usar o gás para gerar energia elétrica. Em 2008, dos 58 milhões de metros cúbicos diários produzidos, 24% ¿ ou 14 milhões de metros cúbicos ¿ foram destinados às termelétricas(1). Em 2017, a geração elétrica deverá consumir 45% de todo o gás produzido ¿ serão 166 milhões de metros cúbicos por dia.

Este ano, a Petrobras deverá inaugurar a fase 3 da Unidade de Tratamento de Gás de Cacimbas (UTGC), no Rio de Janeiro, onde passará a produzir 18 milhões de metros cúbicos diários de gás. No Ceará, no Porto de Pecém, está a outra planta de regaseificação (2)em operação no país. Mas a estatal já planeja os próximos passos. Uma unidade em terra (onshore) de liquefação e armazenamento de gás natural, que deverá estar concluída até 2013. Se essa obra atrasar, uma outra planta de regaseificação será construída para fazer frente aos compromissos assumidos pela empresa e às novas descobertas.

Reserva

Os setores políticos do governo ficaram animados com a descoberta de uma jazida supostamente gigantesca no Vale do São Francisco, em especial no norte de Minas Gerais. Há pelo menos 20 anos, os moradores da região se divertem enfiando tubos no chão para produzir línguas de fogo. Notícias apressadas deram conta de que a reserva teria até 1 trilhão de metros cúbicos de gás, o que seria o caminho para a redenção da população local, uma das mais pobres do país. Mas a própria Petrobras diminuiu as expectativas. ¿Somente com a realização de perfurações exploratórias será possível afirmar se existem acumulações de petróleo e gás em volumes comerciais¿, afirmou a empresa.

1 - Usinas As usinas termelétricas são um tipo de instalação industrial usada para geração de eletricidade a partir da energia liberada em forma de calor, normalmente por meio da combustão de combustíveis renováveis ou fósseis. No Brasil, a maioria delas funciona à base de óleo combustível. A tendência é de que elas migrem para o gás natural, menos poluente.

2 - Reversão Para atingir essa meta de produção de gás natural, a Petrobras está construíndo plantas para converter o gás em estado líquido, importado por meio de navios, novamente para o estado gasoso. Essa foi uma forma que o país encontrou para acabar com a dependência do fornecimento boliviano, transportado ao país por meio do gasoduto Brasil-Bolívia.

Perdas diárias se aproximam dos 17% Antonio Cruz/ABr -17/10/05

A atitude boliviana acelerou a exploração brasileira. A situação hoje já é diferente da de três anos atrás. Nesse sentido, eles deram um tiro no pé¿ David Zylberstajn, diretor da DZ Negócios com Energia

O país produziu uma média diária de 57 milhões de metros cúbicos de gás de janeiro a agosto, numa redução de 2,76% em relação a 2008. Desse total, cerca de 17% foram queimados nos campos da Petrobras, 21% foram reinjetados nas jazidas e 4%, destinados ao consumo próprio das plataformas e das refinarias. A produção líquida foi reduzida a 68% do volume extraído. A importação por gasodutos foi de 22,14 milhões de metros cúbicos em agosto, dos quais 96% vieram da Bolívia e 4% foram trazidos por navios na forma líquida e regaseificados no país. O gasoduto Bolívia-Brasil, que pode transportar até 30 milhões de metros cúbicos diários, está operando bem abaixo de sua capacidade.

¿O Brasil não vai deixar de importar da Bolívia porque fez um investimento muito grande no gasoduto e ele não pode ficar ocioso. Além disso, temos um contrato assinado com eles, que precisa ser cumprido, e o preço é barato. Por último, há o desejo político do governo brasileiro de ajudar o presidente Evo Morales¿, diz o diretor do Centro Brasileiro de Infraestrutura (CBIE), Adriano Pires. O economista não consegue prever se o país vai ter autonomia em dois anos, como chegou a estimar o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. ¿Não tenho essa bola de cristal. Em vez de projeções como essa, precisamos é de uma verdadeira política de produção, preço e estímulo ao consumo do gás.¿

Segundo Pires, especialista em energia, o governo deixa a Petrobras muito livre para estabelecer tudo o que diz respeito ao gás. ¿A produção aumentou nos últimos anos, mas o preço não baixa¿, diz. O diretor da DZ Negócios com Energia, David Zylberstajn, acredita que o Brasil está cada vez menos dependente. ¿A atitude boliviana acelerou a exploração brasileira. A situação hoje já é diferente da de três anos atrás. Nesse sentido, eles deram um tiro no pé¿, avalia. Ex-presidente da Agência Nacional de Petróleo (ANP), Zylberstajn reclama da falta de infraestrutura da Petrobras para aproveitar as reservas existentes, mas acredita que o país estará trabalhando com excesso de gás em alguns anos.