Título: Expectativa de mais negócios
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2009, Mundo, p. 22

Comitiva gigantesca de empresários iranianos revela aposta do regime islâmico na parceria comercial em vários setores. Países assinaram acordos e três memorandos de cooperação

À frente do chanceler, Manouchehr Mottaki (de óculos), o presidente Mahmud Ahmadinejad gesticula ao deixar o Palácio do Itamaraty: intercâmbio entre Brasil e Irã deve alcançar a soma de US$ 3 bilhões até 2012

A enorme comitiva de empresários acompanhando o presidente do Irã, Mahmoud Ahmadinejad, em sua visita ao Brasil ¿ a primeira de um líder iraniano em 50 anos ¿, dá bem o tom de expectativa que envolveu as negociações comerciais. Cerca de 200 pessoas faziam parte da comitiva iraniana ¿ a maioria absoluta formada por empresários e executivos. No fim, os dois países assinaram três acordos e diversos memorandos de cooperação e entendimento. Os acordos foram para aumentar a cooperação comercial entre a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e a Câmara de Comércio e Indústria do Irã; para suprimir a exigência de visto para passaportes diplomáticos; e um último para estimular as trocas culturais entre as duas nações.

A cooperação vai acontecer nas áreas de minas e energia, ciência e tecnologia, comércio exterior e agricultura, além de estreitar os laços entre os bancos centrais dos dois países. Na área agrícola, Irã e Brasil firmaram um convênio entre a Embrapa e a Organização para Pesquisa e Educação e Extensão Agrícola do Irã. De acordo com o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o Brasil vai firmar parceria com o Irã em projetos de energia elétrica, para quem pretende apresentar a experiência dos veículos movidos a gás e etanol.

As expectativas, contudo, são muito diferentes entre os dois países. Enquanto o ministro Norton de Andrade Mello Rapesta, do Departamento de Promoção Comercial do Ministério das Relações Exteriores, calcula que o fluxo de comércio entre os dois países deve alcançar, em três anos, o montante de US$ 3 bilhões, o chefe da delegação iraniana, K. F. Kermanshahi, acredita que possa chegar a US$ 10 bilhões em cinco anos, conforme matéria publicada no Blog do Planalto. No ano passado, o Brasil exportou US$ 1,1 bilhão ao Irã e importou US$ 78 milhões.

Parceria ¿No Oriente Médio, existem atualmente dois parceiros importantes: Israel e Irã. E o Brasil precisa aumentar o fluxo de investimentos nestes países¿, analisou José Flávio Saraiva, professor da Universidade de Brasília (UnB). ¿O Irã tem apresentado crescimento econômico recorrente, e há oportunidades para as exportações de produtos e de serviços. Não podemos esquecer que Teerã é a maior metrópole do Oriente Médio, com quase 8 milhões de habitantes.¿ O professor da UnB ressaltou que o Irã está precisando diversificar seus parceiros comerciais, hoje concentrados na Rússia, em países do Oriente Médio e na Europa.

O Brasil já percebeu esta oportunidade. No documento Estratégia Brasileira de Exportação 2008-2010, produzido pelo Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, o país definiu como meta para 2010 ampliar a participação das exportações brasileiras para 1,25% das vendas mundiais ¿ em 2007, representavam 1,17%. O governo também planeja aumentar em 10% o número de micro e pequenas empresas exportadoras, ampliando a base em pelo menos 1,1 mil pequenos empreendimentos.

Para isso, diz o documento, será necessário um ¿esforço do governo para a diversificação dos destinos das vendas brasileiras¿. O texto registra que o quadro é favorável, pois mercados mais tradicionais (União Europeia, Estados Unidos e Japão) vêm perdendo participação em benefício de mercados não tradicionais, como China, África, Oriente Médio, Europa Oriental e países da América Central. ¿O Brasil tem grandes possibilidades de diversificar ainda mais suas vendas, especialmente se reforçar suas iniciativas de promoção comercial nesses novos mercados e se evoluir na negociação de acordos comerciais que melhorem as condições de acesso dos produtos brasileiros.¿

aliança consolidada

Confira os principais tópicos previstos nos documentos firmados pelos presidentes Luiz Inácio Lula da Silva e Mahmud Ahmadinejad

CIÊNCIA E TECNOLOGIA

Intercâmbio de cientistas, professores e acadêmicos envolvidos em projetos conjuntos

Realização de seminários conjuntos, conferências e oficinas educativas

Intercâmbio de pesquisadores em programas de longo ou curto prazo, com a possibilidade de concessão de bolsas de estudo

Desenvolvimento de projetos conjuntos de pesquisa e projetos de transferência de tecnologia nas áreas acordadas

Áreas de interesse

Nanotecnologia

Pesquisa agrícola e ciência e tecnologia de alimentos

Tecnologias da informação e comunicação

Biotecnologia

Saúde e ciências médicas

Neurociência e ciência cognitiva

Tecnologia industrial

COMÉRCIO

Áreas de interesse

Produtos agrícolas

Serviços de engenharia

Logística

Petróleo e gás

Maquinário

Têxteis e vestuário

Produtos químicos

Automóveis e partes automotivas

Equipamentos de telecomunicação e dispositivos de automação de escritório

Produtos eletrônicos

INFRAESTRUTURA

Cooperação para a construção por empresas brasileiras de usinas hidrelétricas, usinas termelétricas convencionais, canais de drenagem, redes de transmissão e distribuição de energia elétrica, bem como de fornecimento de equipamentos para essas construções

Produção conjunta de turbinas industriais, bem como intercâmbio de tecnologias e de prestação de suporte técnico e serviços de engenharia

CULTURA

Organização de exibições representativas do patrimônio cultural de cada nação

Intercâmbio de especialistas para compartilhar experiências na identificação, proteção e gestão do patrimônio cultural nacional

Visita técnica de peritos do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) à Organização Iraniana para o Patrimônio Cultural, Artesanato e Turismo (ICHHTO), para trocar experiências nos campos de conservação, arqueologia e turismo

Encorajar a participação de artistas plásticos e fotógrafos em exibições a serem realizadas nos dois países

Organização de cursos e oficinas em restauração fotográfica, artes visuais, filmes e design gráfico

Participação de filmes brasileiros e iranianos em festivais e semanas de cinema nos dois países

Encorajar a legendagem de filmes nos dois idiomas

Fomentar e facilitar o intercâmbio de conteúdos entre as redes de televisão pública de ambos os países, particularmente entre a IRIB e a TV Brasil

Visitas de músicos para concertos, cursos de música e oficinas (wokshops) a serem realizados nos dois países

Intercâmbio de partituras e gravações audiovisuais

Intercâmbio de obras de escritores renomados e visitas de autores aos dois países

Intercâmbio de grupos de artes cênicas e dança folclórica, de expressão clássica, moderna ou contemporânea; e de peças teatrais

Deu no...

The New York Times ¿Cotovelada¿ nos EUA

Em reportagem atualizada com as principais informações sobre a coletiva conjunta dos presidentes Lula e Mahmud Ahmadinejad, o principal jornal norte-americano (e um dos mais influentes do mundo) caracteriza a recepção ao presidente iraniano em Brasília como ¿uma cotovelada¿ da diplomacia brasileira, no momento em que os EUA tratam de elevar a pressão internacional contra o programa nuclear desenvolvido pelo regime de Teerã. O NY Times destaca que o presidente brasileiro defendeu o direito do Irã a usar pacificamente a energia atômica e cita congressistas americanos que criticam Lula por ¿emprestar legitimidade¿ ao controverso colega.

ALJAZIRA Dólares, reais e riais

O site da emissora árabe baseada no Catar destaca na página de abertura uma reportagem do correspondente no Brasil, focalizada nos interesses econômicos e comerciais do presidente iraniano com a visita. O texto observa que Ahmadinejad intensificou os negócios com a Venezuela, a Bolívia e o Equador, mas lembra que ¿o Brasil é, indiscutivelmente, a locomotiva da região¿, com ¿um mercado interno de 198 milhões de pessoas que torna minúsculo¿ o de qualquer vizinho. ¿Ahmadinejad sabe disso e seus assessores também, (¿) portanto é provável que (o presidente) traga não um plano de paz, mas planos para fazer negócios¿, analisa o repórter.

Haaretz.com Engajar, não isolar

A página de entrada do site do jornal israelense na internet chama para matéria, distribuída pela agência Associated Press, centralizada nos argumentos do presidente brasileiro para justificar a controversa iniciativa de convidar o colega Mahmud Ahmadinejad. ¿Engajar o Irã, em vez de isolá-lo, é o caminho para impulsionar a paz e a estabilidade no Oriente Médio, foi o que disse Lula¿, afirma a reportagem. Na avaliação do autor, a visita poderá render para o chefe de Estado iraniano ¿uma dose muito necessária de legitimidade política para seu governo, no momento em que o Irã inicia manobras militares de larga escala destinadas a reforçar a defesa de suas instalações nucleares contra possíveis ataques¿.

BBC Para a paz, sim

A defesa do uso pacífico da energia atômica pelo Irã, feita no Itamaraty pelo presidente Lula, foi manchete no site do serviço brasileiro da emissora pública britânica. O enviado que acompanha a viagem de Mahmud Ahmadinejad a Brasília observa que o anfitrião defendeu explicitamente que Irã e Brasil sejam tratados de maneira igual, no cenário internacional, no que diz respeito a seus programas nucleares. Como os demais meios, a BBC Brasil menciona os protestos convocados por setores contrariados pela visita de Ahmadinejad, como a comunidade judaica e os defensores dos direitos humanos e da causa homossexua