Título: Mais uma vez o Holocausto
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2009, Mundo, p. 22

Guarda Revolucionária realiza exercícios militares para simular proteção a instalações nucleares, enquanto retórica belicista aumenta

Teste com o míssil de longo alcance Shahab 3, capaz de atingir os Estados Unidos e Israel: manobras recentes de Teerã preocupam o Ocidente

Apesar da aparência exausta, após um dia de muitos compromissos, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, ainda teve disposição para sustentar as suas mais polêmicas declarações diante de jornalistas brasileiros e iranianos. Não apenas questionou mais uma vez a ocorrência do Holocausto dos judeus sob o nazismo, como também identificou nas mortes ocorridas durante a Segunda Guerra Mundial a origem do conflito entre israelenses e palestinos. O visitante também contestou uma das perguntas que sugeriam que seu governo ganharia mais ¿legitimidade¿ após a visita ao Brasil.

¿Legitimidade de um governo significa o quê? O governo iraniano é muito legítimo: 85% dos eleitores participaram na última eleição¿, afirmou Ahmadinejad. ¿Daqui a quatro meses, Lula visitará o Irã. Será que se terá a mesma visão (de legitimidade) em relação ao governo brasileiro, nessa viagem?¿, comparou, para em seguida destacar que sua legitimidade ¿vem do povo iraniano¿.

Segundo Ahmadinejad, o maior problema do conflito no Oriente Médio não está no apoio da República Islâmica ao movimento extremista palestino Hamas, mas na ¿raiz¿ da questão. ¿Se nós não identificarmos o motivo da doença, não podemos tratá-la. E nós achamos que a raiz do problema está na Segunda Guerra Mundial¿, disse. ¿Uma parte dos 60 milhões de mortos (na guerra) eram judeus. Também disseram que existiram alguns campos de concentração e que houve certa injustiça contra os judeus. Mas por que o povo palestino tem de pagar por um crime que foi cometido na Europa?¿, argumentou, evitando mais uma vez qualificar o Holocausto como uma perseguição orquestrada contra os judeus. De acordo com o presidente iraniano, os palestinos ¿também são humanos e têm direito de existir dentro da sua pátria¿.

Questionado sobre um possível ataque dos Estados Unidos ou de Israel contra seu território, Ahmadinejad disse acreditar que ¿a era dos ataques militares chegou ao fim¿. ¿Hoje é um tempo de diálogo e pensamento. As armas e as ameaças pertencem ao passado, até para as pessoas atrasadas mentalmente¿, alfinetou, completando que EUA e Israel também não teriam ¿coragem para fazer isso¿.

Ele ainda negou que as declarações feitas anteriormente sobre a capacidade de o Irã enriquecer urânio a 25% fossem uma espécie de ¿ameaça¿ à comunidade internacional. ¿Eu dei essa notícia para que se soubesse que, apesar de podermos fazer um enriquecimento de urânio até essa percentagem, nós também estamos dispostos a negociar¿, disse, destacando mais uma vez que o programa nuclear iraniano tem fins ¿humanitários¿. ¿Produção de medicamentos e tratamento das crianças e dos doentes não é uma ameaça¿, afirmou.

Protesto No fim da coletiva, um manifestante solitário entrou na sala exibindo um cartaz com a inscrição (em inglês): ¿Pela vida dos gays, contra Ahmadinejad¿. Ao ser repreendido pela segurança do local, o presidente do grupo Estruturação, Júlio Cardia, abriu uma bandeira do movimento gay. ¿Já que o governo brasileiro tenta não aceitar a violência contra LGBTs no país, então ele não pode dar esse passo atrás ao receber uma pessoa como o presidente iraniano¿, afirmou Cardia.

Mais cedo, Ahmadinejad afirmou que os grupos que foram contra sua visita ao Brasil seriam representantes de ¿minorias¿. Solicitado a falar para os homossexuais, o líder iraniano limitou-se a dizer que ¿as pessoas estão livres de expressar suas ideias¿ e que no Irã ¿também existe essa liberdade¿.

Defesa preventiva

No dia da controversa visita de Mahmud Ahmadinejad a Brasília, a TV do Irã anunciou que o país realiza desde domingo um exercício de defesa aérea com o objetivo de proteger suas usinas nucleares. De acordo com o general Ahmad Mighani, chefe da unidade encarregada de um eventual contra-ataque, as manobras devem durar cinco dias e cobrirão cerca de um terço do território iraniano. Elas se concentram no centro, oeste e sul do país, onde estão as usinas de enriquecimento de urânio e os reatores atômicos.

O anúncio coincide com um momento de tensão com as potências ocidentais, que acusam a República Islâmica de desenvolver armas nucleares e acenam com sanções econômicas. O presidente norte-americano, Barack Obama, sugeriu um prazo de um ano para que Teerã mostre boa vontade nas negociações. Israel, por sua vez, ameaça tomar medidas militares para impedir que o Irã construa a bomba.

O comandante da seção aérea da Guarda Revolucionária, a elite das forças armadas iranianas, menosprezou as ameaças israelenses. ¿Temos certeza de que eles não são capazes de fazer nada contra nós, uma vez que não podem prever nossa reação¿, disse o general Amir Ali Hajizadeh. ¿Se os aviões de combate deles escaparem do nosso sistema de defesa aérea, suas bases serão atingidas pelo nosso devastador míssil terra-terra antes que os aviões possam pousar¿, completou. No mês passado, tropas norte-americanas cooperaram com os israelenses na realização de um exercício de defesa aérea de larga escala semelhante ao anunciado por Teerã.