Título: Desconforto no Congresso
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2009, Mundo, p. 22

Recepção fria marca rápida passagem pela sede do Legislativo. Líder atrai críticas de parlamentares e deixa Sarney esperando

Ahmadinejad entre os presidentes Michel Temer (E), da Câmara, e José Sarney, do Senado: constrangimento

Quando chegou ao Congresso Nacional, no fim da tarde de ontem, o presidente do Irã, Mahmud Ahmadinejad, não encontrou qualquer celebração. Os parlamentares mais ponderados, como o presidente do Senado, José Sarney (PMDB-AP), classificaram a fria recepção como o cumprimento de um ¿dever protocolar¿. Na realidade, o que se assistiu durante a rápida passagem do polêmico líder iraniano pelas duas Casas que representam o Poder Legislativo em Brasília foi um desfile de sorrisos amarelos e um festival de críticas. O clima não foi de festa, mas de constrangimento.

Ao fim da rampa do Congresso, além de Sarney, apenas o presidente da Câmara, Michel Temer (PMDB-SP), e mais três parlamentares aguardavam Ahmadinejad. Sarney e Temer eram obrigados a comparecer ao evento por conta do protocolo que rege os encontros de Estado. Os demais preferiram se ausentar a posar com o iraniano. A má vontade ficava evidente quando se comparava o quorum de ontem, ao do dia da visita do presidente de Israel, Shimon Peres, que chegou a discursar no plenário do Senado. ¿Essa é a chamada visita de Estado. Não há como não seguir o protocolo. Não cogitamos levá-lo ao plenário porque não há sessão¿, justificou Temer.

Do lado de fora, a poucos passos da entrada do Congresso, dois deputados esperavam o presidente do Irã ostentando uma faixa com os dizeres ¿Holocausto nunca mais¿. Marcelo Itagiba (PMDB-RJ), que é judeu, e o companheiro de plenário Zenaldo Coutinho (PSDB-PA) protestaram contra a visita. ¿Isso é uma violência contra o povo brasileiro. Ele não só nega o Holocausto como também discrimina minorias. É o Hitler dos tempos modernos¿, classificou Itagiba.

No Salão Verde da Câmara dos Deputados, às vésperas de completar 88 anos, o polonês Ben Abraham, sobrevivente dos campos de concentração da Segunda Guerra Mundial, também protestava contra o que chamou de ¿visita lastimável¿. ¿Como um país como o Brasil pode receber um homem que minimiza os danos provocados pelos nazistas e o Holocausto? Ele me ofende. Eu vi a fumaça preta das chaminés dos campos de concentração e senti o cheiro de carne queimada nas minhas narinas¿, disse Ben, que está no Brasil desde 1955.

A oposição aproveitou a visita para criticar o presidente Lula. ¿As atitudes do presidente do Irã ferem a índole pacifista do povo brasileiro. Os índices de importação e exportação não justificam isso. Tê-lo recebido assim, com pompa e circunstância, estimula a ditadura iraniana. Não irei à recepção. Se é protocolar, neste momento, deveríamos rasgar o protocolo¿, discursou o senador Álvaro Dias (PSDB-PR). O Democratas chegou a pedir, em nota, que a visita do iraniano ao Congresso fosse revista. O governador de São Paulo, José Serra (PSDB), publicou artigo em que chamou Ahmadinejad de ¿chefe de regime ditatorial e repressivo¿.

Discurso e atraso A dificuldade de Ahmadinejad em cumprir a agenda aumentou o clima de tensão. Sua chegada estava prevista para as 15h30. Depois, 16h. Ele chegou às 18h, escoltado por uma comitiva maior do que a que o aguardava. O presidente José Sarney chegou a questionar se o líder iraniano ainda apareceria. Ficou 15 minutos de pé, na porta do Congresso, à espera de que ele chegasse. Foi obrigado a entrar e aguardar mais 20 minutos, sentado. Ahmadinejad ficou menos de uma hora no Congresso Nacional. Em discurso ao lado de Sarney e Temer, evitou polemizar. Não falou dos judeus, mas disse que o povo palestino não poderia pagar pelo que foi feito durante a Segunda Guerra. ¿Para se ter uma relação de paz, é preciso primeiro conhecer as falhas dessas relações. Sessenta milhões de pessoas morreram na Segunda Guerra Mundial. Um país não pode ser culpado pelo erro de outros. A história não pode parar.¿

O iraniano falou sobre o fomento das relações comerciais entre o Brasil e o Irã. ¿Podemos nos ajudar muito nas áreas de energia, tecnologia, transporte e turismo.¿ Ahmadinejad disse ainda que o povo brasileiro é ¿amável e pacífico¿. O único senador que minimizou o impacto da visita surpreendeu ao falar em favor de Ahmadinejad. Defensor dos direitos humanos, Eduardo Suplicy (PT-SP) disse que o diálogo é importante para as relações exteriores. ¿Para o Brasil é importante desenvolver relações com os mais diversos países, ainda que com governos que não estejam na nossa predileção¿, disse.

Dia de protesto na Esplanada Carlos Silva/Esp. CB/D.A Press Manifestantes contrários a Ahmadinejad se concentram na Esplanada, diante do Itamaraty: ¿No Brasil, não¿

Uma manhã conturbada na Esplanada dos Ministérios. A visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, provocou diversos protestos. De um lado, grupos ligados aos direitos humanos e à comunidade judaica acusavam o governo de Teerã de violar direitos básicos da população naquele país. De outro, um grupo formado principalmente por mulheres e crianças, a maioria de origem árabe, manifestava apoio à visita. Apesar dos motivos opostos, os atos ocorreram em clima de tranquilidade, sem episódios de violência.

Um dos manifestantes pró-Ahmadinejad, Faraj Ali, 45 anos, um brasileiro filho de palestinos, fez questão de defender o programa nuclear iraniano e afirmar que o país sofre perseguição internacional e principalmente por parte dos Estados Unidos. ¿Na prisão de Guantánamo, direitos humanos são violados todos os dias. Em Israel, os palestinos são massacrados. E são exatamente esses países que acusam o governo eleito do Irã de ser uma ditadura. Eles sim são ditadores¿, disse o integrante do Comitê de Solidariedade ao Povo Palestino.

Por outro lado, grupos gritavam constantemente a expressão ¿aqui não¿. Para eles, a vinda de Ahmadinejad representa uma ameaça à democracia brasileira. ¿Um governo que mata mulheres e persegue minorias étnicas não deve se tornar um aliado do Brasil¿, comentou o estudante Peterson Vargas, 21 anos. Iradj Eghrari, 53 anos, filho de iranianos, denunciou a perseguição à etnia Bahai, à qual pertence. ¿Jovens bahais sequer podem frequentar a universidade (no Irã), é inadmissível o governo continuar perseguindo meu povo assim.¿ O iraniano Shabedduz Bezshkzad, 65 anos, no Brasil desde os 33 anos, contou que saiu de seu país por perseguições político-religiosas. ¿Eu também sou da etnia Bahai, minha casa foi invadida, eu apanhei de agentes do governo, tive de fugir para continuar vivo¿, contou.

Holocausto No fim da manhã, um grupo de idosos sobreviventes do holocausto se juntou aos manifestantes. O polonês Bem Abraham, 89 anos, ironizou a polêmica afirmação de Ahmadinejad, que questionou a existência do massacre de judeus durante a Segunda Guerra Mundial. ¿Eu passei cinco anos e meio em campos de concentração nazistas. Se o presidente do Irã acha que isso não aconteceu, eu vou contar para ele o que passei em Auschwitz¿, afirmou.

Os protestos continuaram à tarde. Um grupo de pessoas em cima de um trio elétrico gritava ao microfone: ¿Não desejamos a violação dos direitos humanos. Não queremos aqui alguém que não respeita os direitos humanos¿. Faixas traziam mensagens contra o governo iraniano. ¿No Irã apedrejam as mulheres. Aqui, não! No Brasil, não!¿, dizia uma delas.

O estudante de ciência política Mateus Lôbo segurava um sapato, lembrando o gesto do jornalista iraquiano Muntazer al-Zaidi, que atirou o calçado contra o ex-presidente Geoge W. Bush no ano passado. ¿Não vou jogar o sapato. É só para provocar¿, garantiu. ¿O encontro do Lula com ele é a decadência da política externa brasileira¿, avaliou.

Frustração entre alunos

»Viviane Vaz

Até as 20h20 de ontem, cerca de 600 estudantes aguardavam o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, em uma faculdade particular de Brasília. A palestra estava programada para começar às 18h, mas a fila para conseguir um lugar no auditório teve início às 16h. ¿É uma falta de respeito; as pessoas se deslocam para vir aqui aumentar seu conhecimento sobre um país distante, com uma cultura diferente, e o presidente simplesmente não aparece¿, reclamou a estudante de Direito, Ana Claudia Ferreira. O estudante de relações internacionais, Tadeu Ferraz, também lamentou a ausência. ¿Mesmo que não concordemos com a posição dele, queríamos abrir o caminho para o debate¿, afirmou.

Um diplomata brasileiro presente no auditório disse ao Correio que o evento tinha sido mal organizado. ¿Só hoje(ontem), a Polícia Federal (PF) foi acionada para o evento¿, disse. Nem os assessores da faculdade sabiam o que de fato estava para ocorrer. ¿Ele está lá dentro, recusou os doces dos alunos da Escola de Gastronomia, mas aceitou um suco¿, assegurou uma funcionária.

Na verdade, naquele momento, sob uma forte chuva, Ahmadinejad se dirigia ao hotel, onde daria uma coletiva de imprensa. Até o último momento, os próprios jornalistas que aguardavam a entrevista acreditavam que o presidente iraniano se encaminhava para a palestra. A ideia tinha sido reforçada com a divulgação da chegada de dois helicópteros à faculdade. Mas, novamente, a expectativa foi quebrada: eram apenas membros da PF.

No auditório da instituição de ensino superior, estudantes impacientes batiam palmas. Até que veio o anúncio: ¿Vocês ouviram palavras do embaixador do Irã, o Sr. Mohsen Shaterzadeh¿. Os alunos aceitaram o novo palestrante sem vaias ou protestos. Alguns gritaram ¿Shalom¿ (paz, em hebraico), ao que o embaixador saudou em persa. Funcionários da organização do evento, porém, não conseguiram esconder a decepção. ¿Poxa, não esperava que ele fosse fazer isso... Vai ver foi a chuva...¿, lamentava uma das organizadoras. No entanto, seguranças do presidente iraniano estiveram mais cedo no local para verificar o ambiente. Segundo um diplomata, eles não teriam considerado ¿seguro o suficiente¿.

Em 2007, Ahmadinejad aceitou participar de uma sessão de perguntas e respostas na Columbia University, nos Estados Unidos. Na ocasião, o presidente da universidade afirmou que o líder do Irã se comportava como ¿um ditadorzinho cruel¿. O presidente iraniano respondeu aos estudantes que não negava o Holocausto, mas questionava porquê os palestinos têm pago há 60 anos por um crime que não cometeram.