Título: Longa conversa entre bons amigos
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 24/11/2009, Mundo, p. 22

Recebido por Lula com honras de Estado, presidente do Irã defende o Brasil no Conselho de Segurança da ONU e recebe apoio a seu programa nuclear

Depois de três horas de conversa com o ¿bom amigo¿ Luiz Inácio Lula da Silva, o presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, parece só ter confirmado as convergências de interesses que o fizeram vislumbrar no Brasil um companheiro para sua empreitada de deslocar o eixo de poder das grandes potências ocidentais. Em breve coletiva à imprensa, o iraniano disse que os dois países ¿procuram resolver os problemas do mundo, combater as injustiças e buscam um mundo livre de armas de destruição em massa, particularmente armas nucleares¿. Aproveitou para defender, diante do anfitrião, o ingresso do Brasil como membro permanente do Conselho de Segurança das Nações Unidas.

¿O Conselho de Segurança precisa passar por profundas mudanças. Apoiamos a candidatura de novos membros individuais. Apoiamos a presença do Brasil como membro permanente¿, disse Ahmadinejad. Além das afinidades no terreno estritamente político, os dois governos assinaram diversos acordos nas áreas de energia, comércio, ciência e tecnologia e agricultura.

Lula(1) retribuiu a solidariedade sem meias-palavras. ¿O que o que defendemos para o Brasil, defendemos para os outros¿, afirmou. ¿O Brasil tem um modelo de desenvolvimento de energia nuclear reconhecido pelas Nações Unidas e pela AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica) e, ao mesmo tempo, sabemos da polêmica que existe em torno do mesmo desenvolvimento acontecido no Irã¿, disse. ¿O que nós defendemos é que o Irã tenha o direito de desenvolver o enriquecimento de urânio para produção de energia, portanto, para fins pacíficos, da mesma forma que o Brasil está desenvolvendo¿, completou.

Ahmadinejad aproveitou a única pergunta feita pela imprensa brasileira para ¿desmentir¿ que a proposta de o país ¿exportar¿ seu urânio para enriquecimento no exterior e depois ¿importá-lo¿ de volta como combustível para seus reatores, tenha sido feita pela agência da ONU e pelos países ocidentais. As negociações sobre o impasse estão paralisadas pela recusa de Teerã à fórmula apresentada. ¿A proposta de troca de combustível foi feita originalmente pelo Irã, não pela AIEA. (...) Há quatro meses, o Irã, no intuito de criar uma nova oportunidade para o governo americano e outros países e para mudar esse clima, apresentou uma proposta para o intercâmbio de combustível (nuclear)¿, afirmou.

Segundo o visitante, seu país ¿tem condições técnicas de enriquecer urânio até um grau de 20%¿, porém abriu a mão desse direito em prol do diálogo com o Ocidente. ¿Dissemos à AIEA que estávamos prontos para comprar esse combustível necessário e comunicamos essa decisão por escrito¿, explicou. Dias depois, a AIEA enviou carta propondo que Teerã repassasse 1.250kg de urânio enriquecido a 5% para que seja enriquecido a 20% (fora do país) e depois repatriado. ¿Em princípio, concordamos com a proposta apresentada. Mas o outro lado se mostra disposto a continuar com suas tendências hegemônicas, e isso não é aceitável para nós¿, explicou, alegando que os países que dizem tentar negociar estão fazendo uma ¿campanha negativa¿ contra aTeerã. De acordo com Ahmadinejad, seu governo também quer ¿concretizar o acordo¿, mas não vai permitir que os países ocidentais ignorem sua condição de signatário do Tratado de Não Prolifereção. ¿Não vamos abrir mão dos nossos direitos legais¿, garantiu.

1 - De olho na terra A comitiva iraniana chegou a Brasília com a intenção de fechar acordos que permitissem a seus empresários participar na exploração agrícola em terras brasileiras. Segundo o ministro da Agricultura, Reinold Steffanes, o Irã não é o primeiro país a sugerir tal proposta, mas o governo brasileiro não aceitou por não ser esse ¿o nosso modelo¿. ¿O que poderia ser discutido é eles fazerem contratos de longo e médio prazo com cooperativas e produtores brasileiros, para ter um fluxo de atendimento (agrícola)¿, afirmou o ministro. O único acordo fechado é de cooperação técnica com a Embrapa, para troca de informações e pesquisa. ¿Eles estão interessados em tecnologias para utilização no semiárido e cultivo de laranjas¿, explicou.

O Conselho de Segurança precisa passar por profundas mudanças. Apoiamos a presença do Brasil como membro permanente¿

Mahmud Ahmadinejad, presidente do Irã

Defendemos que o Irã tenha o direito de desenvolver o enriquecimento de urânio para produção de energia, para fins pacíficos¿

Lula, presidente do Brasil

Ataque à intolerância

Apesar da sintonia desfilada com o governo iraniano, o presidente Lula fez questão de destacar, na sua fala inicial, o compromisso da política externa brasileira com a ¿democracia e o respeito à diversidade¿. ¿Defendemos os direitos humanos e a liberdade de escolha de nossos cidadãos e cidadãs com a mesma veemência com que repudiamos todo ato de intolerância ou recurso ao terrorismo¿, disse o presidente brasileiro, ainda em tom de justificativa pelo convite feito ao iraniano.

Lula confirmou que deve ir ao Irã em abril ou maio de 2010, mas que antes enviará o ministro do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior, Miguel Jorge, em uma missão para identificar novas oportunidades de comércio, investimentos e cooperação. Ao discursar para um auditório lotado de empresários, durante a tarde, ainda no Itamaraty, o presidente afirmou que o Irã é ¿um dos maiores mercados para as exportações agrícolas brasileiras e, em breve, poderá voltar a ser o principal destino das exportações brasileiras no Oriente Médio¿. Ahmadinejad veio ao Brasil com uma delegação de quase 200 empresários, que devem ficar no país por mais dois dias. O presidente iraniano, no entanto, segue para a Bolívia na manhã de hoje, e, de lá, para a Venezuela. (IF)