Título: De volta à prancheta
Autor: Feuerwerker, Alon
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2009, Política, p. 4

Liderar o mundo não é trivial. Se nos atrapalhamos num assunto menor, como esse de Honduras, é razoável que outros aproveitem a oportunidade para tentar nos mandar de volta à prancheta

O assessor especial de Luiz Inácio Lula da Silva para Assuntos Internacionais, Marco Aurélio Garcia, manifestou ontem certa decepção no governo brasileiro com a política externa do novo presidente americano, Barack Obama. Entre os pontos de atrito, Garcia citou o debate sobre o clima, a abordagem da crise de Honduras e a pouca atenção à América Latina.

É visível que o governo brasileiro se dava melhor com o Departamento de Estado e a Casa Branca na época de George W. Bush. Apesar do elogio público de Obama a Lula (¿ele é o cara¿), as relações entre ambos são frias, quando comparadas ao calor que marcava as conversas entre Lula e Bush. Também porque, com Obama, os principais itens da agenda bilateral foram para a geladeira. Inclusive a redução das barreiras protecionistas contra o etanol brasileiro nos Estados Unidos.

Entre os pontos abordados por Garcia, pelo menos um não se sustenta. O Brasil resistiu o quanto pôde a aceitar metas de emissão de carbono. Os arquivos guardam os discursos e posições do presidente da República e da candidata dele à sucessão, Dilma Rousseff, sobre o tema.

O que mudou? Quando americanos e chineses mandaram avisar ao mundo que não iriam aceitar conclusões radicais em Copenhague, abriu-se para Lula a chance de converter-se ele próprio a um radicalismo verde tardio. E a custo zero. Já que nada de importante vai ser decidido na Dinamarca, não custa dar uns dribles para a plateia.

E a ¿atenção à América Latina¿? A expressão deve ser lida como o que é: o desejo de receber dos Estados Unidos o tratamento de interlocutor qualificado.

Quando eclodiu a crise econômica, há 14 meses, nossa diplomacia apostou em dois cavalos: a retomada da Rodada Doha da Organização Mundial do Comércio e uma reforma do sistema financeiro global, comandada pelo G20. Em ambos os casos deu em nada. Com a ajuda decisiva dos americanos.

Fez bem o Brasil ao apostar na liberalização do comércio mundial numa época de pressões crescentes pelo protecionismo? Os fatos dirão. E qual é o cacife real do G20 para dizer a americanos, chineses e europeus o que fazer ou deixar de fazer com a economia planetária? Relativo. Lula parece estar amuado com a realidade. Melhor faria se tivesse alguma autocrítica sobre suas próprias ações.

E em Honduras? O Brasil avaliou mal o quadro. Superestimou a força de Manuel Zelaya e acabou fora do jogo, que hoje é disputado entre os Estados Unidos e a Venezuela. Pior, deixou no ar a dúvida sobre a nossa capacidade de liderar a região. Faltaram-nos ali inteligência (informação) e estratégia.

Segundo Washington, uma saída para o rolo hondurenho é fazer eleições, empossar o novo presidente e tocar a vida. Nós propomos a volta incondicional de Zelaya ao cargo como requisito para o reconhecimento do processo eleitoral. É bonito, mas não tem correspondência na realidade local. Pois Zelaya não reúne a confiança da maioria das forças políticas. E Washington não vai operar na América Central para ampliar a influência venezuelana. Como resolver o problema? Mandando tropas brasileiras a Tegucigalpa? Impondo a Honduras um bloqueio econômico nos moldes do que desejamos eliminar em Cuba?

Se queremos ter liderança, ser reconhecidos, ocupar no palco um lugar à altura da nossa dimensão, precisamos antes de tudo cuidar das redondezas, da área onde nossa liderança é natural.

É meritório que o Brasil deseje contribuir para a solução dos graves impasses no Oriente Médio, para a criação do Estado Palestino, para a garantia da existência de Israel em segurança, para a integração plena de um Irã pacífico ao mundo. Mas não basta querer. Liderar o mundo não é trivial. Se nos atrapalhamos num assunto menor, como esse de Honduras, é previsível que outros aproveitem a oportunidade para tentar nos mandar de volta à prancheta.

Como Lula gostava de dizer tempos atrás, vai mal o país que procura nos outros a culpa pelos seus próprios problemas.