Título: Salve a autonomia
Autor: Nunes, Vicente
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2009, Economia, p. 12

Aldo Mendes nega ser contra independência do Banco Central para garantir sua aprovação ao cargo de diretor de Política Monetária. Durante sabatina no Senado, ele indica que seu pensamento sobre riscos do excesso de poder da autoridade monetária deve ser esquecido

Muito bem orientado pelo presidente do Banco Central (BC), Henrique Meirelles, o novo diretor de Política Monetária, Aldo Luiz Mendes, aproveitou a sua sabatina no Senado ontem para enfatizar que é defensor ferrenho da independência da instituição. O objetivo foi enterrar qualquer questionamento futuro sobre o assunto, o que lhe poderia causar constrangimentos. Em 1993, em artigo publicado pela revista do Instituto de Estudos Avançados da Universidade de São Paulo (USP), Mendes disse ser totalmente contrário à independência formal do BC, pois, conforme defendido pelo pensamento econômico liberal, poderia provocar conflitos institucionais sérios, além de contrariar, de forma ilegítima, o poder de governos eleitos democraticamente.

¿Ao se concederem mandatos à sua diretoria (do BC) com prazos descasados do mandato do chefe do Executivo e ao se impossibilitar o afastamento de qualquer membro de sua diretoria pelo presidente da República, pode-se caminhar não só para conflitos institucionais sérios, entre os entes do Estado, como também para o perigoso extremo de transformar a autarquia num órgão descompromissado dos planos e das ações de governos eleitos democraticamente¿, escreveu ele, há 16 anos.

Passado Mas, para reforçar que tal pensamento pertence ao passado, o novo diretor do BC ¿ aprovado pelo plenário do Senado por 41 votos a favor e 11 contra ¿ quebrou, inclusive, um protocolo seguido à risca pelo presidente do banco sempre que questionado sobre o assunto. ¿Esse é um tema que diz respeito ao Congresso e ao Executivo¿, frisou Meirelles por diversas vezes. Com o aval do chefe, Mendes não só ressaltou no texto de apresentação à Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) o seu parecer favorável à independência do BC, como enfatizou isso em respostas a senadores, explicitando que passou a ser partidário da política do ¿esqueçam o que escrevi¿, comum entre os que assumem cargos públicos.

¿Sou da opinião que, para o perfeito funcionamento da política de metas de inflação, é necessário que um banco central disponha de autonomia. Desde meados dos anos 90, uma boa parte de bancos centrais do mundo adquiriu sua independência¿, disse o novo Aldo. Ele foi além: ¿Também no caso brasileiro, a experiência dos últimos anos comprova que o BC deve dispor de autonomia operacional de fato para calibrar com eficiência os instrumentos de política monetária, baseado, evidentemente, em critérios estritamentes técnicos¿. Oficialmente, o BC negou qualquer orientação de Meirelles ao novo diretor e ressaltou que todas as colocações de Mendes no Senado tiveram caráter estritamente pessoal.

Gastança Com o discurso afinado ao do alto comando do BC, Mendes não decepcionou. Rezou pela cartilha da instituição em todas as respostas. Afirmou que o sucesso da política econômica decorre do tripé câmbio flutuante, metas de inflação e responsabilidade fiscal. Disse que o melhor e único instrumento usado para manter os preços sob controle é a política de juros. ¿Se o objetivo é atingir a meta de inflação, temos o instrumento taxa de juros. Não podemos ter outra equação, com mais de uma incógnita¿, frisou.

Aos que cobraram uma postura mais ativa do BC para conter a valorização do real, Mendes ressaltou que não há taxa de câmbio ideal. ¿O câmbio no Brasil é flutuante, varia de acordo com as condições de mercado.¿ Ele lembrou que o BC promoverá mudanças na legislação cambial, que, combinadas com a cobrança do IOF de 2% sobre a entrada de capitais estrangeiros, tenderão a corrigir distorções do mercado. Essas correções de rota, porém, não implicam a imposição de restrições maiores à entrada de recursos no Brasil, o que, no entender de Mendes, afastaria os investimentos. O novo diretor só não entrou em uma seara: a discussão sobre o impacto da gastança do governo sobre a inflação. Quando o tema entrou na pauta, limitou-se a dizer que não ¿cabe a um pré-candidato (ao BC)¿ fazer qualquer comentário a esse respeito.

Torós explicará revelações Carlos Moura/CB/D.A Press - 24/4/07 Convocação do ex-diretor Torós foi condição para aprovar Mendes

A sabatina do novo diretor de Política Monetária do Banco Central, Aldo Luiz Mendes, quase acabou em confusão. Após meia hora de a Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado iniciar os trabalhos, o senador Heráclito Fortes (DEM-PI) pediu vistas do processo. Alegou que, antes de se aprovar o nome de Mendes, os parlamentares deveriam convocar Mário Torós, demitido do BC por revelar detalhes sigilosos das ações do banco no auge da crise mundial.

Para que a sabatina não fosse adiada, foi preciso que o senador Aloizio Mercadante (PT-SP) interviesse. Ele propôs que Torós compareça ao Senado ainda este ano, argumento com o qual conseguiu convencer Heráclito sobre a continuidade da avaliação de Mendes. ¿A sociedade precisa saber se o que levou à demissão dele (Torós) era verdade ou não¿, disse Heráclito. ¿Queremos saber se ele falou demais ou não.¿ Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Torós contou que, no auge da crise, os bancos brasileiros enfrentaram uma corrida, a ponto de as pequenas e médias instituições perderem mais de R$ 40 bilhões em depósitos.

A oposição aproveitou a sabatina de Mendes para fustigá-lo sobre a filiação do presidente do BC, Henrique Meirelles, ao PMDB. Nas três vezes em que foi instigado a opinar sobre o tema, não respondeu. E ouviu, calado, as críticas de Arthur Virgílio (PSDB-AM), que condenou a ¿politização do BC¿, e os deboches de Heráclito, sobre o ¿oferecimento¿ de Meirelles ao antigo PFL e ao PSDB para ser candidato à presidência da República em 2002 com o objetivo de ¿derrotar o partido que hoje está no poder e que o convidou para ser presidente do BC¿.

Safra Mendes também ficou constrangido quando perguntado sobre os prejuízos de R$ 100 milhões deixados pela Cooperativa Habitacional dos Bancários de São Paulo (Bancoop), fundada em 1997 pelo deputado Ricardo Berzoini (PT-SP). Aldo era presidente do Conselho de Administração da Previ, fundo de pensão dos empregados do Banco do Brasil (BB), quando a entidade repassou R$ 5 milhões à cooperativa. Sobre o fato de o BB ter liberado R$ 6,7 bilhões para socorrer os bancos Safra, Votorantim e Alfa e Sadia, no auge da crise, ele disse que as operações foram normais e que várias instituições privadas negociaram empréstimos e carteiras de crédito entre si, evitando que o sistema fosse obrigado a recorrer ao Banco Central. À época, Mendes era vice-presidente do BB. (VN)

Citi teria se oferecido

» O Citigroup ofereceu uma participação do banco ao governo brasileiro no início do ano, quando buscava levantar capital para superar a crise financeira, revelou ontem, em Nova York, o ministro de Minas e Energia, Edison Lobão. Contudo, o governo brasileiro rejeitou a oferta, no entendimento de que a economia precisava se recuperar da crise primeiro, disse Lobão. ¿Acho que foi uma boa oportunidade que perdemos. Mas qualquer governo prudente teria cautela naquele momento. E o Brasil foi cauteloso.¿ Em Brasília, questionado sobre a declaração, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, desmentiu o colega e afirmou que Lobão teria usado algum tipo de metáfora ao falar da proposta do Citi.

Análise da notícia Rapidez oportuna

O Senado deu uma importante contribuição ao país ao aprovar, de forma rápida, o nome de Aldo Luiz Mendes para a diretoria de Política Monetária do Banco Central. Trata-se de um posto estratégico, que não permite vácuo, sob o risco de estimular a especulação. Além disso, ao revelar dados sigilosos das ações do BC durante a crise, Mário Torós, que vinha respondendo pela diretoria, perdeu a confiança dos demais diretores do banco. Sua presença na instituição tornou-se um fardo.

Mendes tenderá a fechar posição com o lado mais conservador do BC, liderado pelo diretor de Política Econômica, Mário Mesquita. Havia uma expectativa no Ministério da Fazenda de que o novo comandante da política monetária fosse mais flexível na questão dos juros. Mas Mendes deixou claro que não titubeará em votar pelo aumento da taxa básica (Selic) no ano que vem, se necessário. Isso, mesmo citando em seu discurso o ¿grande John Maynard Keynes¿, o desenvolvimentista, o que, por sinal, causou um certo frisson no mercado. (VN)