Título: Ousadia testada
Autor: Fleck, Isabel
Fonte: Correio Braziliense, 25/11/2009, Mundo, p. 18

Analistas ponderam sobre ganhos e perdas para o Brasil por ter recebido o presidente iraniano

No dia seguinte à breve visita do presidente iraniano, Mahmud Ahmadinejad, a sensação tanto no governo brasileiro como entre especialistas em política externa era de que a diplomacia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva passou com sucesso pela mais recente prova de fogo. Apesar de declarações feitas por jornais internacionais, de que o Brasil colocou em risco seu prestígio e credibilidade mundiais ao receber um líder com posições polêmicas, há quem sustente que o país desempenhou um papel importante aos olhos de governantes ocidentais que não conseguem avançar no diálogo com Teerã.

Segundo o editorial do jornal espanhol El País, a decisão do Brasil de se envolver nos principais contenciosos globais é ¿arriscada¿. ¿Ou Lula se mantém em evidência por debilitar em troca de nada a frente internacional contra o programa nuclear iraniano, ou o Irã tem de fazer ante Lula concessões que até agora tentou evitar por todos os meios¿, afirma o diário. A rede norte-americana CNN também recolheu declarações contrárias à visita de Ahmadinejad ao Brasil. Para o professor da Universidade de Brasília (UnB), José Flávio Sombra Saraiva, contudo, as especulações da imprensa ¿não refletem o pensamento dos governantes¿ de seus países.

O especialista argumenta que ¿não há dúvida que os EUA mais apreciaram do que depreciaram a iniciativa brasileira¿ de receber, em duas semanas, três líderes do Oriente Médio. ¿Está difícil um acordo com o Irã e há impaciência em relação ao acordo de paz para o tema Palestina-Israel. Portanto, os EUA vêm buscando envolver mais atores na construção de um espaço de diálogo, papel que o Brasil preencheu muito com essas três visitas¿, afirma Saraiva.

O ex-secretário geral da Organização das Nações Unidas Kofi Annan resolveu se manifestar publicamente. ¿Fico feliz que o governo do Brasil esteja dialogando com esses líderes. É uma contribuição positiva e construtiva¿, disse Annan. Para a professora de Relações Internacionais Cristina Pecequilo, da Universidade Estadual Paulista (Unesp), a opção pelo diálogo com Teerã é ¿justificável dentro do contexto de uma maior inserção no concerto internacional, de o Brasil querer um assento permanente no Conselho de Segurança (das Nações Unidas)¿. ¿A partir do momento que o país tem colocado cada vez mais a cara para bater, significa que está disposto a confrontar esses grandes desafios¿, avalia.

Prejuízos O embaixador Roberto Jaguaribe, subsecretário-geral para Assuntos Políticos do Itamaraty, afirmou ao Correio que, de fato, o Brasil ¿se expõe um pouco nesse processo¿ de tentar persuadir o Irã e os líderes ocidentais da importância do diálogo. ¿Seria mais confortável não fazer nada, mas a verdade é que temos uma dimensão, um caráter e uma cultura que podem, muitas vezes, facilitar esse entendimento¿, justificou.

O embaixador, entretanto, nega um possível prejuízo diplomático. ¿Em relação aos nossos tradicionais parceiros europeus e aos EUA, temos uma relação madura, abrangente. Não vemos que isso represente nenhuma ameaça aos nossos relacionamentos¿, afirmou. Ele destacou ainda que o país tem ¿solidez nas suas convicções¿ e ¿respeita plenamente¿ as decisões das Nações Unidas e do Conselho de Segurança.

Cristina Pecequilo também acredita que as posições polêmicas de Ahmadinejad não vão prejudicar o governo Lula, uma vez que o Brasil ¿não vai ultrapassar o limite que já estabeleceu¿. ¿É um limite de crítica construtiva ao Irã. Se o engajamento deles vier de maneira positiva, o Brasil apoia. Agora, se o Irã tiver atitudes mais confrontacionistas, aí o apoio não será incondicional¿, afirma. Saraiva também considera a sublimação das divergências a saída mais sensata para o futuro das relações. ¿O que o presidente Ahmadinejad pensa, o mundo já sabe. Não é o presidente Lula que vai mudar as posições políticas do presidente do Irã.¿

Abbas pede mediação de Lula Três dias depois de visitar o Brasil, o presidente da Autoridade Palestina (AP), Mahmud Abbas, desembarcou na Argentina e afirmou ao jornal Clarín que o colega Luiz Inácio Lula da Silva ¿tem boas relações com israelenses e palestinos e pode ajudar a fazer algo¿. O sucessor de Yasser Arafat não poupou críticas ao líder norte-americano, Barack Obama, e o acusou de inação. ¿Ele não está fazendo nada. Mas nos convidou a reativar o processo de paz. Espero que, no futuro, possa ter um papel mais importante¿, declarou. Ele disse esperar que Washington pressione os israelenses a cumprirem o direito internacional, a fim de implantar o chamado ¿mapa do caminho¿. Abbas voltou a descartar a retomada do processo de paz sem o congelamento da colonização judaica na Cisjordânia.

Fico feliz que o governo do Brasil esteja dialogando (com o Irã). É uma contribuição positiva¿