Título: Processos extraditados
Autor: D'Elia, Mirella
Fonte: Correio Braziliense, 21/11/2009, Brasil, p. 12

STF discute proposta para alterar as atuais regras. A ideia é tirar do plenário a tarefa de analisar situações como a do ex-ativista italiano. Ministro Joaquim Barbosa acha que demora em tomar decisões ajuda a paralisar a Corte Barbosa: ¿O Supremo tinha tanta coisa para julgar e está na terceira sessão só para decidir uma extradição¿

Em meio à polêmica sobre a extradição do italiano Cesare Battisti, o Supremo Tribunal Federal (STF) discute uma proposta que também vai dar muito o que falar. Há ministros insatisfeitos com a forma como esse tipo de processo é decidido hoje. A principal reclamação é que a demora para concluir os julgamentos atrasa outras decisões e só engorda o bolo de ações paradas à espera de um desfecho. Instância máxima da Justiça brasileira, o STF recebe mais de 100 mil ações todos os anos. Hoje, há 49 pedidos de extradição à espera de decisão.

A mudança é defendida abertamente pelo ministro Joaquim Barbosa e, segundo ele, conta com o apoio de Celso de Mello, o decano (o ministro mais antigo) do Supremo. Na tentativa de acelerar o julgamento de extradições, a ideia é tirar do plenário e transferir para as turmas(2) a tarefa de analisar os processos. Na última quarta-feira, enquanto o STF discutia o futuro de Battisti, Barbosa queixava-se no intervalo da sessão. ¿O Supremo tinha tanta coisa para julgar e está na terceira sessão só para decidir uma extradição. Isso ajuda a paralisar o tribunal¿, disse, contrariado.

O ministro acha que, para desafogar o Supremo, o modelo ideal seria o adotado em outros países, como a Alemanha, em que tribunais de segunda instância são responsáveis pelos julgamentos de extradição. Mas, ressalta, seria preciso que o Congresso aprovasse uma emenda constitucional. Por isso, sugere pelo menos uma modificação interna, que, em tese, seria mais fácil de sair do papel. ¿Se as turmas decidissem (processos de extradição), seria uma forma de julgar mais rapidamente¿, defendeu.

Barbosa deu um exemplo prático de como as discussões sobre extradição mudam a rotina dos integrantes do Supremo. Disse que, devido ao caso Battisti, um processo relacionado a direito tributário relatado por ele e que já tinha entrado em pauta cinco vezes novamente não foi analisado na quarta-feira. De acordo com dados do STF, sozinha, a Segunda Turma julgou 9,2 mil processos no ano passado ¿ quase o dobro do total de ações decididas em plenário no mesmo período (4,7 mil). Na Primeira Turma, o número de decisões chegou a 4,2 mil.

No julgamento sobre Battisti, realizado em três sessões, o Supremo autorizou a extradição, mas deixou para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a palavra final. Ontem, Lula disse que já tomou uma decisão (leia a reportagem abaixo). O placar foi apertado: 5 votos contra 4 nas duas discussões. A decisão demorou dois anos e meio para sair ¿ o pedido de extradição do ex-ativista chegou à Corte em maio de 2007. Battisti é acusado de quatro homicídios cometidos no fim dos anos 70, quando liderava o grupo extremista Proletários Armados pelo Comunismo (PAC).

Para que possa valer, a proposta de Barbosa precisa ser aprovada pelos outros ministros, pois o regimento interno do tribunal teria que ser alterado. O assunto já foi tema de conversas, mas não há consenso. Na Corte, há quem sustente que as discussões acaloradas e as opiniões divididas sobre o caso Battisti acabem ¿congelando¿ a possibilidade de mudança. Pelo menos por enquanto. Para o ministro Carlos Ayres Britto, o plenário é o ambiente ideal para a discussão de temas importantes como soberania nacional e direitos humanos. ¿Há muitos valores constitucionais em jogo. Mandar para as turmas, em primeira análise, seria apequenar a importância da extradição. Minha inclinação é que fique no plenário¿, disse. O ministro Marco Aurélio Mello também é contra a proposta.

1 - Requisitos para a extradição Segundo a Constituição, estrangeiros que entram no Brasil após cometer crimes em outros países podem ser extraditados para qualquer nação onde tenham desrespeitado a lei, desde que sejam preenchidos os requisitos legais para isso. Por outro lado, o texto constitucional assegura que o brasileiro nato nunca será entregue pelo governo brasileiro a outra nação para cumprir pena por crimes cometidos naquele território. Já o brasileiro naturalizado poderá ser extraditado em duas situações: se praticou crime comum antes da naturalização e se for comprovado o envolvimento em tráfico de drogas. O estrangeiro só não poderá ser extraditado por crime político ou de opinião.

2 - Nem tudo vai a plenário O Supremo Tribunal Federal (STF) tem duas turmas, cada uma com cinco ministros cada. O regimento diz que o presidente não participa de nenhuma das turmas. Esses tribunais dentro do tribunal julgam, por exemplo, habeas corpus e outros tipos de recurso. As sessões são realizadas duas vezes por semana. Já o plenário é composto por todos os 11 ministros.

Lula já tem decisão

O presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse ontem que já tomou uma decisão sobre o futuro do ex-ativista italiano Cesare Battisti. Mas não revelou qual será a posição adotada por ele. Na quarta-feira, por maioria apertada (5 votos contra 4), o Supremo Tribunal Federal (STF) autorizou a extradição de Battisti. Pelo mesmo placar, definiu que caberá a Lula a palavra final sobre o imbróglio. ¿Eu já tenho (uma decisão). Não posso (adiantar). Só posso me manifestar nos autos do processo¿, disse o presidente, em entrevista a emissoras de rádio durante visita a Salvador.

Lula declarou estar tranquilo. ¿Quem já passou pelo que eu passei, já fez o que eu já fiz não vai ficar preocupado com o caso Battisti. É mais um caso¿, minimizou. Ele também aproveitou para comentar a polêmica em torno do julgamento do Supremo. ¿Eu só estou aguardando que o tribunal entenda o que ele decidiu. Na hora que ele fizer a comunicação, eu vou sentar tranquilamente e tomar a minha decisão. E aí o mundo inteiro vai saber o que eu decidi.¿

A discussão sobre até onde vai a liberdade do presidente da República dividiu opiniões e esquentou os ânimos na quarta-feira. Depois do resultado, o próprio presidente da Corte, Gilmar Mendes, destacou que a discussão não está encerrada.

Lula criticou ainda a greve de fome anunciada pelo italiano, que está preso na penitenciária da Papuda, em Brasília. ¿Já disse para ele (Battisti): `Pare com essa greve de fome¿. Eu já fiz greve de fome, ou é um ato de desespero ou um ato de ignorância. Jamais faria outra vez. Isso não ajuda. Não estamos no momento de ficar recebendo esse tipo de pressão.¿

Saída Apesar de não haver uma posição oficial do governo brasileiro, o Ministério da Justiça, a Advocacia-Geral da União (AGU) e a Casa Civil continuam buscando uma saída jurídica para tentar manter Battisti no Brasil. A estratégia é estudar de que forma o Brasil pode negar-se a mandar o italiano de volta para a Europa sem ferir o tratado bilateral firmado com a Itália.

A defesa da Itália está em compasso de espera. Antes de qualquer movimento, aguarda o acórdão (publicação da decisão) do Supremo para, se for o caso, questionar possíveis pontos obscuros. Acima de tudo, os advogados dizem confiar no bom senso do presidente. E lembram que, se ele não fundamentar uma possível negativa da extradição, pode responder a crime de responsabilidade. Enquanto isso, parlamentares contrários à extradição encaminharam uma carta ao Palácio do Planalto pedindo para serem recebidos pelo presidente Lula. O grupo, integrado por cerca de 20 deputados e senadores, acredita que Lula tem argumentos técnicos para manter o refúgio político a Battisti. (MD)

Já disse para ele (Battisti): `Pare com essa greve de fome¿. Ou é um ato de desespero ou um ato de ignorância¿

Luiz Inácio Lula da Silva, sobre a greve iniciada pelo ex-ativista italiano