Título: Verde que te quero eleger
Autor: Santos, Danielle
Fonte: Correio Braziliense, 21/11/2009, Brasil, p. 14

Pensando nas eleições, governo faz malabarismo para não desagradar a ninguém em questões polêmicas e arma contra-ataque às candidaturas ecologicamente corretas de Serra e de Marina Silva

Dilma, durante o anúncio da redução do desmatamento da Amazônia: pré-candidata em clima ambiental

As questões ¿verdes¿, que historicamente sempre dividiram ruralistas e ambientalistas, acabaram se tornando um bom exemplo de como o governo pretende equilibrar-se em temas delicados para que não veja nem ¿cruz¿ nem ¿espada¿ migrar para outras candidaturas em ano eleitoral.

A última manobra nesse sentido conseguiu misturar ambiciosos planos de combate às mudanças climáticas com uma alteração na legislação ambiental que deve favorecer 3 milhões de produtores rurais ¿ a prorrogação por 18 meses do início das punições para quem não cumprir os limites de preservação de suas florestas dentro da propriedade. ¿A preocupação com eleição presidencial é uma das maiores do governo neste momento. E as atuações contraditórias, ora desenvolvimentista, ora conservadora, mostram como é difícil se equilibrar em um momento desses¿, avalia o cientista político Cristiano Nogueira, da Arko Advice.

¿O presidente Lula está usando uma estratégia de encontrar equilíbrio entre os dois segmentos. E ele está tentando ser discreto e estabelecer esse equilíbrio. Estamos numa véspera de eleição. Se ele está usando uma ferramenta política, isso faz parte do jogo¿, admite o deputado Moacir Micheletto (PMDB-PR), que é engenheiro agrônomo. Nesse ¿jogo¿, por exemplo, o objetivo voluntário do Brasil, anunciado por Dilma na semana passada ¿ e que será levado à Conferência de Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (ONU), em dezembro ¿ foi uma reação à estratégia do pré-candidato à Presidência, o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), que assumiu de vez a campanha verde. Há duas semanas, Serra se comprometeu em reduzir em 20% a emissão de gases de efeito estufa no estado até 2020, demonstrando que a agenda ambiental não ficará restrita a Marina Silva (PV).

O cientista político Cristiano Nogueira lembrou que, ao longo do ano, o governo e sua base aliada mostraram a mudança de foco, de acordo com o momento. ¿A essência do debate está em vários entraves contrários ao desenvolvimento e que já foram explicitados. É disso que vive a política¿, define. Nogueira cita, em episódios recentes, o desmembramento do Ibama, com a criação do Instituto Chico Mendes, que, segundo o especialista, enfraqueceu o setor. Na mesma linha de raciocínio, para dar impulso à economia, veio a necessidade do governo de destravar as licenças ambientais, motivado pelas obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Mas, na contramão do crescimento, aparece o desafio do Brasil em assumir planos de diminuição de gases de efeito estufa com o comprometimento de reduzir o desmatamento.

O professor do departamento de ciência política da Universidade de Brasília (UnB), David Fleischer, concorda: ¿Ao mesmo tempo em que o desafio é produzir, e isso, necessariamente, inclui o setor agrícola, que é de peso para contribuição do PIB, o governo quer assumir uma campanha ambiental e mostrar sua versatilidade.¿

Corda bamba

Para manter o apoio das alas ambientalista e ruralista dentro e fora do Congresso em ano de pré-eleição, o governo faz malabarismo em torno dos temas mais polêmicos.

Código florestal

O governo já sinalizou, segundo o ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc, com uma flexibilização da legislação ambiental que permitirá, por exemplo, que produtores rurais que já desmataram tenham mais tempo para se adequar a um decreto presidencial e evitar punições. A expectativa dos ruralistas é de que o anúncio com as novas medidas para o setor saia nos próximos dias. Apesar de reconhecer uma flexibilização no acordo, o ministro do Meio Ambiente nega que haja retrocesso. ¿Não vai haver relaxamento da legislação, isso é certeza. Se houvesse um acordo que permitisse desmatar ou ignorasse a obrigação de recompor, aí, sim, seria contradição, mas garanto que isso não acontecerá¿, reforçou Minc. O acordo provocou reação de diversas ONGs, que querem uma audiência com Minc para que ele se explique sobre o assunto.

Aquecimento global

Há até pouco tempo, a ala econômica e diplomática do governo defendia que o Brasil se isentasse de uma meta clara sobre redução de gases de efeito estufa. Mas o fantasma da presidenciável Marina Silva (PV-AC) e agora do mais novo ¿ecocandidato¿, José Serra (PSDB-SP), assombrou a equipe de Lula, que mudou os planos de última hora. Pressionada, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, resolveu contra-atacar e apresentou metas entre 36,1% e 38,9% de redução de gases, o que significa a participação de setores da economia na contenção de emissões, entre eles o da agropecuária. Além disso, o governo quer reduzir drasticamente o desmatamento na Amazônia em 80%. Apesar de ambiciosos, os planos ainda são vagos, segundo especialistas, porque não estabelecem qual a carga de responsabilidade de cada setor para se chegar ao resultado.