Título: Ação federal contra o crack
Autor: Luiz, Edson
Fonte: Correio Braziliense, 26/11/2009, Brasil, p. 14

Ministério da Justiça cria grupo especial dentro do Programa Nacional de Segurança com Cidadania na tentativa de frear disseminação da droga

O Ministério da Justiça anunciou ontem a criação de um grupo dentro do Programa Nacional de Segurança com Cidadania (Pronaci) para enfrentar a disseminação do crack no país. Além disso, a Polícia Federal promete instalar postos especiais nos estados próximos a fronteiras. Os primeiros serão no Rio Grande do Sul, em Mato Grosso do Sul e no Acre. ¿Vamos fazer um colóquio nacional, juntando a Senad (Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas), especialistas e universidades para debater a questão do crack¿, afirmou o ministro da Justiça em exercício, Luiz Paulo Barreto.

Segundo Barreto, em todas as discussões realizadas pelo ministério no país, o grande problema apresentado por prefeitos e a comunidade é o crack. ¿O Correio mostrou que a situação é grave e que, infelizmente, a droga está indo para o interior do país¿, afirmou o ministro em exercício. ¿Temos que ir pelo lado da prevenção, juntando as outras áreas, como a saúde e educação. Essa droga é mais perigosa do que a cocaína, vicia mais rápido e está no dia a dia. Além disso, é preciso ter a repressão. Por isso, vamos instalar postos na fronteira e tentar conter o avanço interno do crack e das quadrilhas¿, disse Barreto.

O alerta é nacional. A pedra da morte aumentou índices de criminalidade, pontos de prostituição e a circulação de armas. Especialistas apontam a droga como o maior desafio para a segurança pública. Desde ontem, o Correio mostra, a partir de uma série de reportagens especiais, como o crack invadiu o interior e se tornou uma praga no país, deixando rastro de morte de norte a sul.

Localizada no sertão do Ceará, a 380km de Fortaleza, Iguatu orgulha-se do selo que recebeu no ano passado do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef) pelas melhorias na qualidade de vida de crianças e de adolescentes. A placa ¿Município aprovado¿ na entrada da cidade dá boas vindas aos visitantes e esconde o lado obscuro da cidade de 98 mil habitantes.

Quem convive diariamente com o problema se assusta, como o delegado civil Agenor Freitas, que passou 11 anos longe do município, e há sete meses assumiu o cargo. ¿O avanço da droga é uma coisa sem precedentes¿, diz, ressaltando que o baixo custo do vício é o que mais influencia na disseminação: ¿É um mercado lucrativo¿. No início do ano, a pedra pequena, segundo o delegado, custava R$ 3 e a grande, R$ 7. Hoje, a menor é R$ 5 e a maior, R$ 10. ¿O crack é a doença do mundo¿, sentencia. O problema se repete em outras cidades do interior cearense, como Crato, Juazeiro e Sobral.

No Espírito Santo, o crack está sendo tratado como uma epidemia por ter se alastrado rapidamente nos últimos dois anos. ¿Como em todo o Brasil, a situação aqui está complicada¿, afirma o secretário de Segurança Pública do estado, Rodney Rocha Miranda. Delegado federal, Miranda foi um dos integrantes de uma força-tarefa que combateu o crime organizado no Espírito Santo, mas está encontrando dificuldades para combater a droga, que se alastra a cada dia. ¿Estamos aumentando as apreensões, mas o consumo de crack aumenta cada vez mais¿, ressalta. O problema maior, segundo Rodney, é com os municípios do interior, apesar de a grande concentração de casos estar instalada na Região Metropolitana de Vitória.

¿Hoje, quando vou conversar com lideranças comunitárias, o crack está entre os assuntos pautados pelas associações¿, diz o secretário, confirmando o que ocorre em quase todo o país: a droga chegou aliada à violência. ¿Cerca de 70% dos casos de morte têm a ação do crack¿, observa Rodney.

Em Mato Grosso, um dos estados identificados pela Polícia Federal como integrante da rota do tráfico de drogas, a pasta base da cocaína ainda é a droga de maior circulação. Mas no interior, em Vila Rica, o crack ganha espaço. Próximo ao Pará e a Tocantins, o município já registra grandes apreensões. ¿Estamos fazendo um trabalho de identificar compradores e prender os traficantes¿, afirma o delegado, que cobra monitoramento mais intenso da PF nas fronteiras.

Em Tocantins, as cidades de Porto Nacional, Araguaína e Gurupi são atualmente as mais afetadas pelo avanço da droga. As investigações apontam que o crack já chega elaborado no estado.

Mobilização no Congresso

Danielle Santos

A falta de uma política adequada para tratar das mazelas causadas pelo crack é uma constante que permeia os gabinetes do Congresso Nacional. Por ali, tramitam cerca de 20 projetos que tratam desde a penalização mais severa do traficante que vive de comercializar a ¿pedra da morte¿ até o repasse direto de recursos da União aos municípios mais afetados pelo avanço da droga. O relator da CPI da Violência Urbana na Câmara, deputado Paulo Pimenta (PT-RS), diz que o Brasil ainda não acordou para a urgência do problema e padece de uma estrutura frágil e decadente de atendimento a vítimas do crack. ¿O que nos falta é diferenciar o crack de outras drogas para que possamos ter avanços significativos na prevenção e no enfrentamento a esse mal.¿

¿A própria política de prevenção de drogas existente no Brasil não leva em conta as particularidades dessa droga, que vicia já na primeira ou segunda experiência do indivíduo. Falta estrutura de saúde pública diferenciada. O usuário do crack precisa de acompanhamento 24 horas para se livrar desse mal porque ele é compulsivo e ganha dependência rapidamente se nada for feito, mas que o governo não conseguiu pensar dessa forma ainda", conclui o parlamentar, que também é autor de um projeto de lei que impõe mais rigor ao tráfico e cria mecanismos diferenciados para o tratamento dos dependentes.

No Senado, a Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) criou há 15 dias a subcomissão de Segurança Pública, com a função de percorrer o Brasil para verificar os casos mais emblemáticos ligados ao tráfico e a dependência do crack, além de ajustar propostas mais objetivas sobre o problema. ¿A ideia é que a gente vote um pacote anticrack e traga especialistas ligados ao assunto para ajudar na discussão¿, adianta o presidente da subcomissão, senador Tasso Jereissati (PSDB-CE).

¿Se o problema da droga vem avançando, o crack está fazendo uma revolução porque ele é uma mistura perigosa que avança nos segmentos indiscriminadamente. Pelo que já andei vendo nas minhas visitas, todo interior do Rio Grande do Sul, por exemplo, já sofre com a desgraça da droga¿, lamenta o senador gaúcho, Pedro Simon (PMDB-RS).

A repressão ao traficante também é uma maneira de inibir a corrente do tráfico na visão do senador Sérgio Zambiasi (PTB-RS). Autor de três projetos envolvendo ações mais severas aos criminosos, o parlamentar defende o aumento da pena de dois terços e até o dobro quando a droga vendida for a pedra. ¿O governo faz campanhas específicas de massa no combate às doenças sexuais no carnaval, mas esquece que há outras doenças, como o caso do crack, que duram todo o ano.¿

O que o governo precisa fazer para frear o avanço da droga?

Reginaldo de Souza, 56 anos, garimpeiro

¿Moro em Foz do Iguaçu e percebo que o grande problema é a falta de fiscalização nas fronteiras. Por lá, passam drogas, armas e faltam policiais para acompanhar toda a movimentação em torno do que é ilícito. O governo sabe que as fronteiras são o corredor das drogas, mas parece que não está interessado em resolver¿

Wesley Bruno, 22 anos, vendedor

¿Falta maior repressão para quem compra e para quem vende a droga, com policiamento ostensivo nas áreas que são o foco do tráfico como nas periferias. O dia em que as leis forem mais rígidas, as pessoas vão pensar duas vezes antes de traficar. Os hospitais devem ter um espaço para atender os usuários de drogas¿

Conceição da Silva, 37 anos, cozinheira

¿Na minha opinião, falta criar projetos voltados para a juventude, como mais cursos profissionalizantes, mais condições de empregos, lazer e esportes. A família também deve ter um apoio adequado do governo com acompanhamento de equipes sociais que identifiquem alguma condição¿

Júlia Nunes de Matos, 22 anos, professora

¿Acho que o governo tem que investir em informação. Sou professora de português e percebo que as escolas públicas ainda não estão preparadas para abordar temas como o do crack. O caso poderia ser resolvido com palestras e formação de educadores para que abordem o tema de uma forma que levante o interesse dos alunos¿