Título: EUA entram na luta
Autor: Craveiro, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 26/11/2009, Mundo, p. 36

Obama viajará a Copenhague para apresentar meta de redução das emissões de gases do efeito estufa em 17% até 2020

Foram oito anos de silêncio e de omissão absoluta. Uma época durante a qual George W. Bush se recusou a assumir compromissos para mitigar os efeitos do aquecimento global, enquanto o mundo vislumbrava sua própria destruição. A apenas duas semanas da Conferência das Nações Unidas sobre Mudanças Climáticas, a Casa Branca anunciou ¿uma contribuição importante a um problema que os Estados Unidos têm negligenciado por tanto tempo¿. ¿O presidente (Barack) Obama viajará a Copenhague, em 9 de dezembro, para participar do encontro. Ele está ansioso para trabalhar com a comunidade internacional no sentido de um progresso rumo a um acordo compreensivo e global¿, afirma o comunicado divulgado ontem pela Presidência dos Estados Unidos. ¿No contexto de um pacto geral que inclua contribuições para uma mitigação robusta, por parte da China e de outras economias emergentes, o presidente está preparado para colocar sobre a mesa uma meta de redução das emissões de 17% (em relação aos níveis de 2005) até 2020, e alinhado com a legislação dos EUA sobre clima e energia¿, acrescenta o texto.

Obama viajará acompanhado dos secretários Ken Salazar (Interior), Tom Vilsack (Agricultura), Gary Locke (Comércio), Steven Chu (Energia) e Lisa Jackson (Meio Ambiente). ¿Pela primeira vez, a delegação norte-americana terá um Centro dos Estados Unidos na conferência, fornecendo um fórum único e interativo para compartilhar nossa história com o mundo¿, reitera o comunicado da Casa Branca. Cientistas e ambientalistas consultados pelo Correio receberam a notícia com um ¿otimismo reticente¿. Por telefone, Rajendra Kumar Pachauri, chefe do Paintel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC, pela sigla em inglês) e Prêmio Nobel da Paz, considerou a atitude de Obama ¿um bom começo¿. ¿Obama está no poder há apenas um ano e depende muito do Congresso, que não tem se mostrado muito entusiástico com o assunto¿, criticou. ¿Mas estou grato por ele ir a Copenhague. É um bom desenvolvimento.¿

O dinamarquês Bjorn Lomborg faz jus ao apelido de ¿ambientalista cético¿. Em entrevista por e-mail, ele admitiu que a meta de redução de 17% até 2020 ¿soa como uma boa promessa, mas simplesmente não será alcançada¿. Para o especialista, as análises mostram que será mais provável uma redução de 3% a 4% ¿ o restante viria do mercado de carbono. ¿É como usar truques de contabilidade para fazer com que o balanço bancário pareça maior. Muitos políticos estão prometendo coisas que não serão capazes de cumprir¿, opinou. Lomborg crê que o mandatário norte-americano prestigiará apenas a abertura da conferência. ¿Ele não estará lá quando decisões reais forem tomadas e transmitidas ao mundo¿, atacou.

Por sua vez, o cientista neozelandês Kevin Trenberth ¿ autor dos três últimos relatórios do IPCC (1995, 2001 e 2007) ¿ acredita que o problema está no aumento das emissões, apesar de o Protocolo de Kyoto ainda teoricamente vigorar. ¿Os EUA estão planejando reduzir as emissões, mas a meta ainda não está clara e o modo como será cumprida é incerto. Apesar de os números em discussão serem muito pequenos, precisamos começar de algum ponto, fazer mudanças em incentivos e penalidades, para então progredir¿, comentou. Na opinião dele, o governo Obama ¿é forte na intenção¿ em lidar de modo responsável com as mudanças climáticas, ¿mas o processo político norte-americano revela-se lento, atrasado pelo debate da reforma da saúde¿.

De viagem a Caxias do Sul (RS), Carlos Nobre, cientista do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) e também membro do IPCC, não vê grandes novidades no anúncio da Casa Branca. ¿Pela nova proposta, em 2020, os Estados Unidos reduziriam suas emissões em 1,23 bilhão de tonelada de dióxido de carbono equivalente. O Brasil tem uma meta voluntária de reduzir até 1,1 bilhão. Ao compararmos o tamanho das emissões americanas e brasileiras, veremos que essa meta dos EUA é muito modesta¿, disse, por telefone. De acordo com ele, os países em desenvolvimento e o IPCC indicaram que as nações desenvolvidas deveriam diminuir suas emissões em 40%, em relação a 1990. ¿Quando olhamos que o IPCC recomendou um corte muito rápido nas emissões, para que a temperatura não suba mais de dois graus Celsius, vemos que a promessa dos EUA é aquém do que o mundo está pedindo¿, acrescentou.

Eu acho...

¿É um bom começo, considerando que os Estados Unidos não têm feito muito na área. Se observamos desse ponto de vista, veremos que foi um passo adiante. Obama está no poder há apenas um ano e depende muito do Congresso. Sob essas circunstâncias, não estou certo de que ele conseguiria metas mais altas. Mas estou grato por ele ir a Copenhague. É um bom desenvolvimento¿

Rajendra Kumar Pachauri, chefe do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas (IPCC) e Nobel da Paz

Uma questão de saúde

Paloma Oliveto

A redução das emissões de gases do efeito estufa poderia salvar milhões de vidas, principalmente nos países menos desenvolvidos, de acordo com uma pesquisa publicada ontem na revista científica The Lancet, do Reino Unido. A partir de estudos de casos, os especialistas constataram que os benefícios da adoção de tecnologias de baixo carbono não são fundamentais apenas para o meio ambiente. ¿Os governantes precisam saber que se eles direcionarem seus esforços para o caminho correto, eles podem obter importantes benefícios para a saúde pública. A mudança climática afeta a todos, mas seu impacto será maior nas comunidades mais pobres do mundo¿, disse Kirk R. Smith, um dos autores e professor da Universidade da Califórnia.

O cientista, que estuda meio ambiente e saúde, conta que, somente na Índia, as mortes prematuras de 2 milhões de crianças podem ser evitadas no período entre 2010 a 2020. Para isso, é preciso colocar em prática um programa que prevê a adoção de tecnologia limpa em 150 milhões de residências. Na maioria das casas mais pobres do país, o gás de cozinha é amplamente utilizado nos fogões e nos sistemas de aquecimento interno. Mas essa fonte de energia é uma das mais poluentes, e alguns dos efeitos danosos à saúde são infecções pulmonares e cardíacas. De acordo com Smith, ao trocar o gás de cozinha por uma tecnologia menos agressiva, centenas de milhões de toneladas de gases de efeito estufa deixariam se ser emitidas na atmosfera.

Já em relação à produção de alimentos, a pesquisa mostrou que o setor agropecuário contribui com 20% das emissões, e que uma redução de 30% no consumo de gordura saturada de fonte animal pode diminuir em pelo menos 15% o risco dos males que atacam o coração. No setor de transportes, deixar o carro na garagem e se locomover por meio de caminhadas ou bicicleta também significaria até 20% menos incidência de doenças cardíacas. Além dos ganhos para o ambiente e o organismo, os cortes de emissão são bons para a saúde financeira dos países em desenvolvimento, segundo o estudo. Ao adotar métodos não poluentes, como a energia eólica, nação como China e Índia deixariam de gastar milhões de dólares no tratamento de doenças pulmonares.

Agradecimento Em comunicado divulgado à imprensa, Kathleen Sebelius, secretária do Departamento Norte-Americano de Saúde e Serviços Humanos, agradeceu o grupo de pesquisadores por ¿chamar a atenção do mundo para os benefícios adicionais do freio às mudanças climáticas¿. ¿Apesar de a maioria das discussões serem focadas nos impactos ambientais, estamos aprendendo mais sobre como a mudança climática vai afetar a saúde de milhões de pessoas. Esse não é um problema que um país ou uma organização pode resolver sozinho. É um problema que afeta a todos¿, disse, na nota.

Análise da notícia Entre a cruz e a espada

Soa mais como uma tentativa de apagar os erros do passado do que o indício de um compromisso com o clima compactuado pelas esferas de poder de Washington. O presidente norte-americano, Barack Obama, está pisando em ovos. Se der um passo em falso, pode sujar os sapatos e os tornozelos. Seu principal capital político, a reforma da saúde, depende da boa vontade do Congresso para se tornar realidade ¿ em caso de sucesso, o projeto pode recuperar sua popularidade, hoje abaixo dos 50%, e garantir novas manobras para fazer valer suas promessas de campanha.

Por um lado, Obama não pode contrariar a ala conservadora e republicana do Capitólio. Os seguidores do ex-presidente George W. Bush veem qualquer concessão sobre metas de redução como uma ameaça em potencial ao crescimento econômico. Segundo a doutrina Bush, ativismo ambiental é inversamente proporcional ao progresso. Por outro, o atual chefe de Estado precisa demonstrar o mínimo de coerência com as palavras apregoadas quando ainda era candidato à Casa Branca. Se cruzasse os braços ante a destruição do planeta, Obama transformaria a esperança ¿ o slogan que levou-o ao cargo mais importante do mundo ¿ em angústia e decepção. De certa forma, estaria se alinhando com os falcões. Preferiu não ficar mal com o planeta. Mas é preciso fazer muito mais. (RC)