Título: Cancelado pregão tamanho-família
Autor: Vaz, Lúcio
Fonte: Correio Braziliense, 27/11/2009, Política, p. 2

Licitação de R$ 156 milhões do Ministério do Desenvolvimento Social para organizar eventos em 2010, prevista para hoje, acaba anulada. Correio questionou indícios de irregularidades ao longo do dia

O Ministério do Desenvolvimento Social e Combate à Fome (MDS) cancelou ontem, no início da noite, por tempo indeterminado, um pregão eletrônico que realizaria nesta manhã para a contratação de empresa de organização de eventos em 2010 no valor estimado de R$ 156 milhões. Estavam previstos, em ano eleitoral, 225 eventos a um custo médio de R$ 694 mil. Indícios de irregularidades na planilha de preços foram questionados pelo Correio ao MDS na tarde de ontem. O ministro Patrus Ananias, pré-candidato ao governo de Minas Gerais, coordena o programa do Executivo de maior potencial de repercussão eleitoral, o Bolsa Família, que beneficia cerca de 50 milhões de pessoas de baixa renda, com orçamento anual de R$ 13 bilhões. O valor máximo estimado para o contrato seria suficiente para atender 150 mil famílias por um ano.

O Ministério sustentou, até o início da noite, a legalidade da licitação. Antes do cancelamento, chegou a informar, por meio da assessoria, que pretendia executar um número de eventos bem menor do que o citado no edital. Segundo o ministério, a expectativa de gastos com tais atividades em 2010 seria semelhante à de 2009, ou cerca de R$ 8 milhões. O item 11.7 do edital, porém, previa a desclassificação de propostas que não atendesseem o artigo 48 da Lei de Licitações (8.666/93). De acordo com o dispositivo, o valor total do contrato não poderia ser inferior a R$ 54 milhões.

Por meio de nota, o ministério chegou a informar que o valor total investido, ¿obtido por meio de pesquisas realizadas no mercado, não corresponderia ao valor das contratações a serem realizadas pelo MDS, que estariam condicionadas à dotação orçamentária disponível¿.

O ministério alegava, ainda, que a principal demanda de eventos seria em relação à suas funções principais, como a capacitação de gestores estaduais e municipais que executam os programas da pasta. O MDS argumentava que só tinha sede em Brasília e que a capacitação ¿é uma necessidade permanente dos gestores para garantir a qualidade das ações do ministério, a exemplo do Bolsa Família, dos Centros de Referência de Assistência Social e dos Restaurantes Populares¿.

Contestação

A planilha de preços apresentada pelo MDS apresentava inovações contestadas por empresas do setor de eventos. Ao lado dos itens de serviços, equipamentos e hospedagem, com preços unitários, estavam detalhadas também as quantidades necessárias, só que para o ano inteiro. Assim, estava prevista a contratação de 675 coordenadores-gerais, 2 mil operadores de som, 25 mil pontos de internet, 50 mil xícaras de louça e 15 mil metros quadrados de balcão para recepção, por exemplo (veja quadro ao lado). O ministério alegava que essa era a quantidade para o total de eventos e que não seriam utilizados todos os itens em cada uma das ações institucionais. O problema, segundo especialistas, é que as quantidades ¿inflacionadas¿ elevavam o valor do contrato.

Empresas do setor apontam também valores superestimados e com diferenças muito grandes para o Distrito Federal e os demais estados. A diária de seguranças chega a R$ 275, enquanto a do coordenador-geral bilíngue atinge R$ 775. Ambas estariam bem acima do valor de mercado. O mesmo ocorre, por exemplo, com o aluguel de um no break, estipulado em R$ 490 por dia (10 vezes o preço de mercado).

A diária do operador de som varia de R$ 120 no DF a R$ 263 nos demais estados. A diária do eletricista pula de R$ 136 para R$ 235. No caso do motorista, varia de R$ 95 para R$ 235. O médico custa R$ 412 no DF e R$ 850 fora. Há, ainda, indícios de funções sobrepostas. O coordenador-geral receberá diária de R$ 375, enquanto o supervisor ganhará R$ 450. Ocorre que as funções, usualmente, são executadas pela mesma pessoa.

O número 50 milhões Quantidade de beneficiados pelo Bolsa Família, principal programa social do governo Lula, coordenado pelo MDS

MDS alegou fase de estruturação

Antes de cancelar o pregão, o Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) não havia respondido aos questionamentos feitos pelo Correio sobre detalhes do edital, a partir de observações feitas por empresas do setor. Em nota enviada ao jornal, o MDS afirmara que é um ministério com cinco anos de existência e em fase de estruturação. ¿É neste contexto que o ministério realiza o processo de contratação de empresas para prestar serviços na área de eventos. É importante ressaltar que a orientação para a realização de pregão eletrônico, nesses casos, é do próprio Tribunal de Contas da União (TCU).¿

O MDS enfatizou que o processo de licitação para a contratação de empresas de eventos se daria por meio de pregão para registro de preços, procedimento ¿adotado justamente nos casos em que, pela natureza do objeto, não se pode definir previamente o quantitativo exato a ser demandado pela administração¿. Neste caso, segundo a nota, a administração pública não é obrigada a contratar o total previsto no pregão.

O MDS informara, ainda, que nesse processo foram previstos todos os itens que eventualmente poderiam constar em eventos de pequeno, médio e grande porte, ¿os quais não são padronizados e podem utilizar insumos diversos¿.