Título: PEC deve afetar 40 mil brasilienses
Autor: Couto, Rodrigo
Fonte: Correio Braziliense, 27/11/2009, Política, p. 4

Proposta que muda regras para quitação de dívidas do Estado, aprovada na Câmara, provoca polêmica entre especialistas e deixa em alerta aqueles que têm dinheiro a receber

Pelo menos um milhão de brasileiros detentores de precatórios, sendo cerca de 40 mil que vivem no Distrito Federal, podem ser afetados, caso o Senado ratifique o texto original da Proposta de Emenda à Constituição (PEC) 351/09, que altera as regras de pagamento dos papéis, que determinam ao Estado a quitação de dívidas, depois de decisão judicial.

Aprovada na quarta-feira em segundo turno pelo plenário da Câmara dos Deputados, a proposição autoriza estados e municípios a realizarem leilão onde o credor poderá propor descontos para receber o dinheiro sem seguir a ordem de emissão dos documentos. Contrária à proposta, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) diz que a PEC ¿deixa de luto o Estado democrático de Direito¿ no país.

A PEC permite que os leilões ocorram de forma inversa ao formato original, onde os lances elevam o preço inicial. Pelo texto, as ofertas devem reduzir o valor a ser pago pela União, estados e municípios. Estimativas do Supremo Tribunal Federal (STF), referentes a 2004, indicavam um passivo de precatórios a pagar de R$ 60 bilhões no país. Pela conta da OAB, o valor, em 2007, seria de R$ 120 bilhões.

Em nota, o presidente nacional da OAB nacional, Cezar Britto, diz que, ao permitir que não sejam pagos débitos públicos, incluindo os alimentícios, que foram sentenciados em fase final pela Justiça, a PEC 351 constitui ¿o maior atentado já perpetrado à democracia desde a ditadura militar¿. O texto aprovado pela Câmara, segundo Britto, cria novos critérios para os precatórios, dando carta branca aos governantes para não os pagar e ¿apequena o Judiciário¿. Para o presidente da OAB, a proposta introduz o princípio do calote na ordem jurídica nacional. ¿Ao estabelecer critérios unilaterais para quitação de débitos do Estado perante o contribuinte, incluindo os alimentícios, a PEC relativiza o conceito de dívida, permitindo que não seja honrada. Tal iniciativa, que beneficia maus governantes que não cumprem seus débitos, deixa de luto o Estado democrático de Direito.¿

Relator da PEC, o deputado Eduardo da Cunha (PMDB-RJ) discorda das críticas da OAB. ¿A proposta de Emenda à Constituição estabelece liberdade de direitos, permitindo que os credores tenham a chance de receber e limitando o dispêndio que as entidades devedoras vão ter¿, afirma. ¿Muitos dos que reclamam são os escritórios de advocacia que têm grandes clientes e honorários vultuosos a receber, e certamente não serão os privilegiados com essa proposta. Serão beneficiados os que têm valores pequenos a receber, e, principalmente, os mais idosos, os portadores de doenças graves e os detentores de precatórios alimentares¿, explica.

Na avaliação do vice-presidente da Comissão de Precatórios da OAB-DF, Cristiano de Freitas, a sanção da PEC pode afetar a credibilidade internacional do país. ¿O investment grade, obtido com muito sacrifício pelo Brasil em 2008, pode ser questionado, uma vez que não há segurança jurídica¿, observa.

Psicóloga aposentada da Secretaria de Saúde do DF, Beatriz Gomes, 52 anos, luta na Justiça para receber precatórios referentes a um reajuste salarial na década de 1980 e outro do tíquete-alimentação na década de 1990, durante o governo Cristovam Buarque. ¿Essa PEC tira o meu direito de receber o que o Estado me deve. Quando é para obras, eles arrumam dinheiro, agora, para pagar dívidas com funcionários, querem é postergar a dívida¿, critica.