Título: Incerteza causa queda
Autor: Allan, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 27/11/2009, Economia, p. 16

Conglomerado de Dubai adia pagamento de dívidas e faz investidores temerem que outros fundos de investimentos anunciem problemas nos próximos dias. Por precaução, aplicadores iniciam vendas de ações e levam bolsas a caírem em todo o mundo

O calote decretado ontem pelo conglomerado Dubai World (DW), dos Emirados Árabes Unidos, aumentou a incerteza nos mercados financeiros e espalhou o temor de que outras empresas importantes ainda escondam prejuízos bilionários causados pela crise internacional. A holding, administrada pelo governo dos Emirados, anunciou que só vai pagar as dívidas já vencidas, num valor de US$ 59 bilhões, em maio de 2010. Como não se conhece ao certo o nome dos seus credores e o tamanho do prejuízo que terão em seus balanços, o efeito foi a retração dos investidores em ações, afetando principalmente o valor dos papéis de bancos europeus. As bolsas em todo o mundo tiveram uma forte queda (leia quadro).

Analistas ouvidos pelo Correio garantiram que, tomado de forma isolada, o calote do conglomerado e de seus fundos de investimento, com ativos totais de US$ 100 bilhões, dificilmente terá capacidade de provocar um recrudescimento da crise. ¿Esse fato vai ter repercussões em diversos bancos que tinham investimentos com o Dubai World. Mas o valor das dívidas é razoavelmente pequeno. O que pode provocar uma nova queda na economia global é se outros grupos e fundos apresentarem prejuízos altos e também anunciarem moratória. Aí pode haver risco sistêmico de quebra de bancos em série¿, disse o estrategista-chefe do banco WestLB, Roberto Padovani. No curtíssimo prazo, os investidores em ações devem ficar um pouco mais cautelosos.

Ontem, eles se retraíram. Segundo a Tendências Consultoria, sabe-se que o DW tem participações em cassinos em Las Vegas, em lojas de luxo nos Estados Unidos e em instituições financeiras. Uma nota do banco Credit Suisse estima em 13 bilhões de euros a exposição de bancos europeus à dívida de Dubai. Na dúvida, os investidores se desfizeram de papéis e as principais bolsas europeias fecharam no vermelho: Londres (-3,18%), Frankfurt (-3,25%) e Paris (-3,41%). O mercado estava fechado em Nova York em virtude do feriado do dia de Ação de Graças, mas as negociações futuras indicam uma queda de 2% quando Wall Street reabrir. Sem a bússola norte-americana, a bolsa de São Paulo (Bovespa) recuou 2,25%, fechando aos 66.391 pontos, depois de ter atingido o seu maior nível em 17 meses na quarta-feira (67.917 pontos).

Apesar do maior risco, que deve continuar afetando as bolsas nos próximos dias, Padovani acredita que a crise do DW é isolada. ¿É claro que ainda pode haver algumas surpresas, mas a tendência é de franca recuperação econômica. Os riscos estão caindo, a atividade econômica subindo e os bancos estão se fortalecendo para absorver os prejuízos passados e passar por alguma eventualidade. Parece que o pior já passou¿, afirmou. Até onde a equipe de Padovani está informada, não há instituições financeiras brasileiras envolvidas com o Dubai World. O economista João Pedro Ribeiro, da Tendências, não ficaria surpreso se o conglomerado tivesse negócios no Brasil. ¿Eles investem em tudo o que é lugar¿, disse.

Na avaliação de Ribeiro, o principal efeito do calote deve ser mesmo o aumento da percepção de risco, principalmente em relação a empresas e fundos dos países árabes. Traumatizados com perdas recentes, as instituições financeiras ocidentais devem fugir da região. Mas nada disso teria potencial para gerar uma reversão na recuperação mundial iniciada há alguns meses ou para afetar o desempenho brasileiro. ¿Nosso cenário é de crescimento global com possíveis solavancos, provocados por algumas surpresas como calotes de empresas e prejuízos desconhecidos de bancos. Mas essas coisas já estão consideradas nas projeções dos analistas¿, afirmou. Para ele, não dá para qualificar o movimento de ontem no mercado acionário como ¿pânico¿.

O economista Armando Castelar Pinheiro, da Gávea Investimentos, acredita que ontem houve uma ¿desconfiança maior do que deveria haver¿, beirando o pânico num primeiro momento. Alguns bancos norte-americanos se apressaram em emitir comunicados afirmando que não mantêm negócios com o DW. A agência de classificação Moody¿s rebaixou a nota de seis importantes companhias estatais de Dubai. A Standard and Poor¿s fez o mesmo com cinco empresas, afirmando que o governo está fracassando ao dar apoio financeiro a uma estatal ¿de primeiro plano¿, a DW. Para Pinheiro, não dá para falar em recrudescimento da crise por esse episódio.

¿Não se sabe quem foi afetado com a moratória(1) do Dubai World(2) nem se haverá outras mais à frente. Neste momento de incerteza, o medo começa a dirigir as decisões de investimento¿, disse. O maior risco para uma nova queda na economia mundial seria uma retirada precipitada dos incentivos fiscais e monetários estabelecidos pelos governos para estimular o nível de atividade. Esses estímulos terão que ser retirados no futuro próximo, até porque o deficit público nos países desenvolvidos está fugindo ao controle. ¿A expectativa é de que as autoridades continuem com os incentivos por algum tempo. Nesse caso, é melhor errar prorrogando as medidas por muito tempo do que acabar com elas cedo demais¿, disse.

1- Sem saída O xeque Ahmed bin Saeed al-Maktoum, presidente do comitê fiscal de Dubai, afirmou que não teve outra saída a não ser a suspensão do pagamento de dívidas pelo emirado, mas foi necessária uma decisão rígida. ¿Compreendemos as preocupações dos mercados e, em particular, dos credores. Porém, tivemos que intervir por conta da necessidade de tomar uma ação decisiva para resolver a dívida (da Dubai World)¿, disse em nota oficial.

2- Eclipse O slogan do conglomerado lembra o do Império Britânico: o sol nunca se põe no mundo de Dubai. O grupo é um dos principais instrumentos do governo para investir em outros países. Deve funcionar como um motor para o desenvolvimento dos Emirados Árabes Unidos, com atuação em logística, portos e outros setores. Seu braço de investimentos, o Istithmar World, tem presença mundial (mais de 100 cidades) no mercado financeiro e de capitais, lazer, aviação e vários ramos industriais. Bancos de diversos países emprestavam dinheiro para seus projetos.

Memória Medo do passado

Quando surgiu a notícia de calote estatal vindo dos Emirados Árabes Unidos, o pânico se instalou por alguns minutos entre os investidores. Num primeiro momento, eles pensaram que o fundo soberano do país havia quebrado. Fosse o caso, os problemas seriam enormes. Com capital estimado em US$ 1 trilhão, o fundo investe em diversos bancos e corporações, tanto nos Estados Unidos como na Europa e na Ásia. Se fosse para o buraco, levaria boa parte da riqueza do mundo junto.

Logo surgiram as comparações com o Long Term Capital Management (LTCM). Fundado em 1993 por três ganhadores do Prêmio Nobel de Economia e um gênio das finanças, o fundo chegou a movimentar investimentos no valor de US$ 1,35 trilhão, apostando principalmente no mercado futuro. Nos primeiros meses de funcionamento, ele chegou a dar um retorno de 40%, o que o transformou na vedete do segmento de derivativos nos Estados Unidos.

Em agosto de 1998, a crise da Rússia foi detonada, a terceira turbulência com repercussões mundiais na década, depois do México (1995) e da Ásia (1997). Os investimentos do LTCM na Rússia viraram pó e o prejuízo foi de US$ 5 bilhões. Houve uma corrida contra o fundo. Ninguém mais queria seu dinheiro lá. Preocupado com um efeito dominó, que poderia levar todo o sistema financeiro do país ao chão, o Federal Reserve (Fed, o banco central norte-americano) estruturou um pacote salvador.

O Fed pediu contribuições aos 15 principais bancos de investimentos do país e, com o dinheiro arrecadado, saldou os compromissos do LTCM. Mas o estrago já havia sido feito. O fundo durou só mais dois anos, quando quebrou definitivamente. Ele fez parte da história de instabilidade financeira na década de 1990, que ainda assistiria ao ataque especulativo ao Real em 1999. Ficou conhecido como exemplo de que ousadia demais, mesmo nas mãos de gente muito capaz, pode resultar em enormes prejuízos. (RA)