Título: Apagão na CPI da Conta de Luz
Autor: Pariz, Tiago
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2009, Política, p. 12

Trabalhos da comissão serão encerrados na segunda-feira sem descobrir por que a energia elétrica no país é uma das mais caras do mundo e sem investigar as causas do blecaute deste mês

A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Conta de Luz na Câmara termina na próxima segunda-feira sem ter alcançado dois objetivos: fazer uma investigação própria sobre as causas do blecaute que deixou a maior parte do país sem luz e abrir a caixa-preta da relação entre as distribuidoras de energia elétrica e os consumidores.

O presidente da CPI, deputado Eduardo da Fonte (PP-PE), reclamou da falta de cooperação da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) durante os quatro meses de trabalho. O dado mais relevante ¿ e que não foi analisado ¿ diz respeito a quanto as distribuidoras teriam cobrado a mais dos consumidores. Desde 2003, os brasileiros pagam cerca de R$ 1 bilhão por ano devido a um erro no cálculo do reajuste pela Aneel, que sabe do equívoco desde 2007, mas nunca tomou providências.

¿Não conseguimos os dados das distribuidoras. Sem isso, não conseguimos fazer um trabalho completo¿, admitiu Fonte. O erro é simples: para chegar à conta do aumento da tarifa, a Aneel leva em consideração a receita das distribuidoras no ano anterior, e não a projeção dos 12 meses futuros. Isso impede que seja considerado o aumento da demanda. Ou seja, as distribuidoras recolhem os encargos devidos ao governo federal baseado num dado desatualizado e embolsam a diferença.

Segundo Eduardo da Fonte, a própria Aneel, que admite o erro no cálculo e a apropriação indevida dos recursos, dificultou o acesso aos dados. ¿Estão dando um calote nos consumidores¿, disse.

O relatório do deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ), que será apresentado e votado na segunda, pede o indiciamento da atual e da antiga diretoria da Aneel desde 2007 por conivência com o erro no cálculo. O parlamentar também está inclinado a pedir o indiciamento do atual diretor-geral da agência, Nelson Hubner, por ter se negado a prestar as informações sobre os dados do embolso das distribuidoras. A CPI estima que, este ano, R$ 1,3 bilhão será cobrado a mais dos consumidores.

Os dados das distribuidoras, apesar de relevantes, foram usados politicamente pela CPI para esconder o fato de que os trabalhos estavam amarrados desde o começo. Tanto que os deputados nem sequer conseguiram investigar as causas do apagão de 10 de novembro. Na época, a comissão já havia sido prorrogada por 30 dias apenas para se dedicar à conclusão do relatório de Santos.

Essa foi a justificativa oficial, mas os parlamentares poderiam ter pedido ao Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS) dados sobre o fornecimento de energia de Itaipu na noite do apagão. A suspeita é que, como a maior usina do país fornecia energia superior do que o pico histórico num momento de redução da demanda, pode ter havido falha do ONS.

Memória Andando em círculos

A CPI da Conta de Luz começou em 18 de junho, com prazo inicial de 120 dias. O objetivo da comissão era investigar o sistema de cobrança usado pela Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel) para reajustar as tarifas aos consumidores. A mobilização na Câmara começou quando se constatou que o preço da energia elétrica do Brasil é o terceiro mais caro do mundo para as residências e o oitavo para as indústrias, superando os países mais ricos do mundo.

A investigação foi marcada por uma queda de braço com a Aneel, que se recusou a fornecer informações relevantes, segundo os parlamentares, sobre como as distribuidoras de energia cobram as tarifas. Com o tempo escasso, a CPI teve os trabalhos prorrogados em 30 dias, prazo que expira na próxima segunda-feira. E justamente nessa reta final, 18 estados brasileiros e 90% do Paraguai ficaram sem luz por mais de cinco horas.

Os deputados, no entanto, não conseguiram se debruçar sobre o tema porque o acordo previa que, no último mês, não poderiam ser feitas novas audiências públicas, e o tempo seria dedicado apenas à conclusão do relatório do deputado Alexandre Santos (PMDB-RJ). Na última quinta-feira, houve uma nova tentativa frustrada de prorrogação. A CPI termina do jeito que começou: culpando a Aneel pelos problemas tarifários. (TP)

E eu com isso

A CPI da Conta de Luz trouxe à tona um problema sistêmico que se prolonga desde a privatização do setor elétrico pelo governo do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso: o aumento exponencial das tarifas de energia elétrica. Segundo dados da Associação Brasileira dos Grandes Consumidores de Energia Elétrica (Abrace), paga-se 498% a mais pela transmissão do que há 10 anos. Sempre que há um problema no setor, como o apagão de duas semanas atrás, o governo manobra para onerar os consumidores. E foi nesse contexto que se descobriu que a tarifa é um fator pesado de concentração de renda: o Brasil é o país com um dos preços mais altos do mundo. Se os trabalhos da CPI, ainda que contidos pelo curto tempo de vida, resultarem em um maior controle das tarifas, serão um sucesso. Caso caiam na vala comum de todas as CPIs do Congresso, sem resultado e tendo servidos apenas à disputa política, serão apenas mais um episódio de dinheiro público jogado fora. (TP)

O número R$ 1,3 bilhão Estimativa da CPI sobre quanto as distribuidoras cobraram a mais dos consumidores em 2009