Título: No olho do furacão
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 28/11/2009, Mundo, p. 34

Brasil tenta reaproximar Venezuela e Colômbia e acaba no centro do confronto que levou Bogotá a boicotar reunião do Conselho de Defesa da Unasul

A decisão da Colômbia de enviar apenas uma ¿delegação técnica¿ à reunião extraordinária de chanceleres e ministros de Defesa da União de Nações Sul-Americanas (Unasul), em Quito, colocou o Brasil no centro do atrito entre o presidente colombiano, Álvaro Uribe, e o venezuelano, Hugo Chávez. Segundo o jornal colombiano El Tiempo, o governo de Bogotá teria manifestado desagrado com Lula pela declaração feita ontem em Manaus, na reunião de cúpula de países amazônicos. ¿Acho que o companheiro Chávez e o companheiro Uribe têm que entender que a guerra não é construtiva, que a disputa insana não é construtiva¿, afirmou o presidente brasileiro.

Na Casa de Nariño, o palácio presidencial colombiano, a frase teria sido mal vista, uma vez que Uribe tem se negado repetidas vezes a responder às agressões verbais de Chávez. O fato de a maioria dos países vizinhos criticarem o acordo militar pelo qual a Colômbia cedeu bases militares aos Estados Unidos ¿ esse era um dos temas principais na pauta da reunião ¿ também contribuiu para que Bogotá decidisse esvaziar o encontro. O governo colombiano enviou nota aos colegas presentes enumerando suas razões para não enviar o ministro da Defesa, Gabriel Silva, nem o chanceler, Jaime Bermúdez. O texto indica que, por falta de garantias para travar um diálogo com ¿respeito, objetividade e equilíbrio¿, o país decidira enviar uma equipe de técnicos.

Apenas metade dos 12 países da Unasul esteve representada por algum dos ministros. O Brasil enviou ambos ¿ o chanceler Celso Amorim e o titular da Defesa, Nelson Jobim. Como anfitrião, o Equador foi representado por Fander Falconi (Relações Exteriores) e Javier Ponce (Defesa). Paraguai e Suriname enviaram seus responsáveis pela Defesa. O chanceler da Venezuela, Nicolás Maduro, qualificou a ausência colombiana como ¿vazio inexplicável, um erro gigantesco e um desprezo à Unasul¿. Já Fabián Varel, chefe do Comando Conjunto das Forças Armadas do Equador, afirmou que ¿cada país tem suas políticas e prioridades¿, mas lembrou que o Conselho de Defesa ¿deve ter um consenso absoluto entre os países-membros¿.

As autoridades presentes ao encontro analisaram um conjunto de propostas. Uma delas, apresentada pelo presidente do Peru, Alan García, sugere que seja elaborado um estatuto de paz e de segurança mútua, contemplando a redução dos gastos militares.

Espiões

Além de discutir a aliança militar entre EUA e Colômbia, os ministros de Defesa e Relações Exteriores da Unasul também planejavam examinar a tensão entre Peru e Chile, depois de um suposto caso de espionagem chilena em Lima. Mas, segundo a porta-voz do Palácio de La Moneda, Carolina Tohá, o governo chileno rejeitou a proposta do governo equatoriano, presidente temporário da Unasul, para mediar a disputa.

O governo de Caracas também tinha anunciado que levaria a Quito uma queixa contra outra suposta operação da Colômbia contra Venezuela, Cuba e Equador. ¿Vamos abordar esse tema e levar as provas de todo o plano de espionagem e de todo o plano de guerra contra nosso país, e vamos demostrar perante a América do Sul¿, desafiou Maduro na quinta-feira à noite.

Em Bogotá, o ministro da Defesa da Colômbia, Gabriel Silva, admitiu pela primeira vez que os militares colombianos já pensam em se preparar para um possível confronto armado com a Venezuela. ¿Pela primeira vez em décadas cabe ao ministro da Defesa pensar em como enfrentar, como se preparar para uma situação de ameaça externa¿, disse o ministro à rádio Caracol. Ele destacou, porém, que os colombianos não gostariam ¿de desviar-se do objetivo estratégico central, que é derrotar o narcoterrorismo¿. Acrescentou que seu país não pode ¿dedicar energias, recursos e pessoal para veleidades internacionais criadas por uma retórica inaceitável¿ ¿ referência ao discurso de Chávez. ¿Os vizinhos estão condenados a se entender¿, concluiu Gabriel Silva.

Acho que o companheiro Chávez e o companheiro Uribe têm que entender que a guerra não é construtiva, que a disputa insana não é construtiva¿

Luiz Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil

Novos grupos paramilitares são ameaça

De acordo com um relatório da organização não governamental (ONG) colombiana Nuevo Arco Iris, divulgado na quarta-feira, os novos grupos paramilitares de direita são responsáveis por mais ataques à segurança pública no país do que os rebeldes das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia (Farc).

A violência urbana das neoparamilícias estaria voltada, especialmente, para a capital. ¿Bogotá tornou-se uma área de vingança de grupos e de estruturas narcotraficantes. No decorrer do ano, foram registrados 106 assassinatos cruéis. A taxa de homicídios apresenta aumento constante desde 2007¿, adverte o informe anual do conflito armado na Colômbia em 2009.

Em um extenso capítulo dedicado à crescente insegurança na cidade, a ONG avalia que Bogotá virou um palco para o ¿posicionamento dos grupos emergentes, rearmados e dissidentes nas vias de acesso e saída e em setores marginais¿. Para o diretor da instituição, León Valencia, o recrudescimento das milícias é um fenômeno novo na capital, ao contrário da realidade em Medellín, controlada há anos por cartéis de narcotráfico. ¿Bogotá não era uma cidade muito assediada pelos paramilitares, mas agora eles estão chegando e tendo formações parecidas com as que se ensaiaram em Medellín, com o controle de território e o apoderamento de negócios¿, disse. Os neomilicianos obedeceriam, aponta o documento, aos cartéis de Loco Barrerra e de Cuchilho, dois dos principais traficantes de drogas da Colômbia capturados recentemente em Bogotá.

O informe atribui o aumento da violência à chegada de novos grupos armados clandestinos, à debilidade de antigos grupos que comandavam o crime e à disputa entre as facções pelo controle dos pontos de venda de armas e drogas. A secretária de governo, Clara López, reconheceu as ¿mudanças na dinâmica criminal da cidade, com uma ação crescente de poderes mafiosos, com consequências graves para a segurança dos cidadãos¿. O documento sugere ainda que o governo do presidente Álvaro Uribe desenvolva outras formas, que não a militar, para superar o conflito armado. Segundo a ONG, a ofensiva contra os rebeldes ¿parece ter chegado a um limite¿.

O número 109 Total de assassinatos cruéis registrados apenas neste ano em Bogotá

Entenda o caso Ânimos exaltados

A morte de dois soldados venezuelanos em uma emboscada no Estado de Táchira (oeste do país), no início do mês, agravou a crise entre Bogotá e Caracas. A região abriga rebeldes colombianos, paramilitares e traficantes, que operam dos dois lados da fronteira. O governo de Hugo Chávez reagiu aos assassinatos com a imposição de fortes restrições à passagem de veículos e pessoas e mobilizou contingente da Guarda Nacional. O ministro de Defesa, Ramón Carrizalez, acusou paramilitares colombianos pelo crime.

Antes do incidente, dois colombianos estavam presos na capital venezuelana, sob suspeita de espionagem.O acordo militar firmado pelo presidente colombiano, Álvaro Uribe, com os Estados Unidos acirrou os ânimos. No último dia 8, Chávez avisou à população: ¿Não percamos um dia na nossa missão principal: preparar-nos para a guerra e ajudar o povo a se preparar para a guerra, porque é responsabilidade de todos¿. Bogotá recebeu a afirmação como uma declaração bélica e levou o caso ao Conselho de Segurança da ONU. Um semana depois, a Colômbia instituiu uma nova divisão militar na região de fronteira, com 16 mil efetivos.

No último dia 20, soldados venezuelanos dinamitaram duas pontes destinadas ao tráfego de pedestres na fronteira. Carrizalez disse que elas eram usadas por narcotraficantes. O governo Uribe classificou a ação como uma ¿violação à lei internacional¿ e ¿uma agressão contra os civis¿, e prometeu denunciar a Venezuela à ONU e à Organização dos Estados Americanos (OEA). O ministro da Defesa, Gabriel Silva, alertou que seu país não permitirá agressões contra a população civil nem ações bélicas contra o seu território.