Título: Caminhoneiros à espera do PAC
Autor: Lima, Daniela
Fonte: Correio Braziliense, 30/11/2009, Política, p. 2
Levantamentos obtidos pelo Correio mostram que foram investidos apenas 31% dos recursos previstos em construção, adequação e manutenção de estradas
Ricardo chegou a Brasília, vindo de Minas, com a caixa de transmissão do veículo danificada: prejuízo com a morosidade federal
Motorista de caminhão, Ricardo Gimenez, 51 anos, chegou a Brasília, na última quinta-feira, com a caixa de transmissão do veículo danificada. Ele vinha de Belo Horizonte, capital mineira, com a caçamba carregada de vergalhões. Com o valor ganho pela viagem, não conseguiria cobrir os prejuízos causados pelas más condições das rodovias que atravessou para chegar ao Distrito Federal. O experiente profissional ¿ 33 anos de estrada ¿ é testemunha e vítima do que os levantamentos obtidos pelo Correio indicam. Os investimentos em construção, adequação e manutenção de estradas sob responsabilidade do Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) correspondem a 31% do que estava previsto para 2009. Mesmo se somados os restos a pagar ¿ empenhos emitidos em exercícios anteriores, que só agora saíram do papel ¿ o desempenho dos gastos do órgão não cobre o orçamento do ano. Chega a 70% do previsto. Os especialistas constatam: é pouco.
Segundo dados repassados pelo Dnit ao Correio, até o último dia 26, R$ 479 milhões tinham sido investidos em adequação das rodovias, R$ 1 bilhão em construção de novos trechos e R$ 1,1 bilhão em manutenção. Ao todo, o Dnit desembolsou R$ 2,6 bilhões dos R$ 8,4 bilhões projetados para 2009. Foi feita ainda a adição de R$ 3,3 bilhões em restos a pagar. Outros R$ 3,5 bilhões em empenhos feitos em exercícios anteriores ainda não saíram do papel.
Em números proporcionais, a manutenção é a rubrica que apresenta o grau mais baixo de execução em comparação com os investimentos em construção e adequação de novos trechos. Enquanto a execução dos recursos destinados para adequação ficou em 32%, e para construção em 36%, 28% do que estava previsto para manutenção foram efetivamente pagos. Segundo levantamento da Organização Não Governamental Contas Abertas, feito a pedido do Correio, em alguns estados o pagamento dos valores previstos no orçamento para manter as estradas em boas condições não chega a 10%.
Os dados foram levantados no portal Siga Brasil e relatam as atividades desde o início do ano até o último dia 21. Eles mostram que, se somados os valores destinados no orçamento de 2009 aos restos a pagar, o total de investimentos em manutenção chegaria a R$ 7,1 bilhões, dos quais apenas R$ 2,7 bilhões (38%) saíram dos cofres públicos.
Execução tímida Outro levantamento obtido pela reportagem, este fechado no último dia 6 pela Consultoria de Orçamento do Senado, detalha a destinação das verbas constantes no orçamento de 2009 do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC) para o Dnit. Os números mostram que as rodovias federais que cruzam o DF receberam 7% do que estava previsto, sem levar em conta os restos a pagar. Dos R$ 23,8 milhões, apenas R$ 1,68 milhão foi aplicado. Para Minas Gerais, estado que conta com a maior malha viária do país, 30% ¿ R$ 270 milhões dos R$ 891 de recursos destinados ¿ foram executados.
Os números apenas confirmam o que o motorista Ricardo Gimenez conhece na prática. ¿Viajo por todo o país e, em alguns estados, como Pará, Tocantins e Amazonas(1), não existe estrada. Em comparação com o resto, o caminho de Minas a Brasília está ótimo¿, afirmou. A percepção do motorista é confirmada pela Pesquisa Rodoviária da Confederação Nacional do Transporte (CNT). Feita em todo o território nacional, ela classifica entre ótimo, bom, regular, ruim e péssimo o estado das rodovias brasileiras. Das oito BRs visitadas no Pará, cinco foram classificadas como regulares e três como ruins.
Segundo levantamento do Contas Abertas, dos R$ 89,9 milhões destinados a rodovias daquele estado no orçamento deste ano, apenas R$ 10,9 milhões foram investidos. Mesmo somando os restos a pagar, o valor não atinge o investimento previsto para 2009, chegando a R$ 50,9 milhões. Na conta dos empenhos feitos em exercícios anteriores, R$ 37 milhões ainda esperam aplicação em rodovias do Pará.
1 - Estado de penúria No Amazonas, as duas rodovias federais pesquisadas pela CNT foram classificadas como ruins. Elas receberam, em recursos do orçamento deste ano, R$ 6,9 milhões dos R$ 97 milhões planejados. Mais R$ 17,2 milhões foram executados em restos a pagar. O grosso dos recursos não saiu do papel: R$ 47 milhões em empenhos de outros exercícios e R$ 69 milhões de compromissos de pagamento firmado em 2009.
Viajo por todo o país e, em alguns estados, como Pará, Tocantins e Amazonas, não existe estrada¿
Ricardo Gimenez, caminhoneiro
Não podemos ser injustos. Os investimentos melhoraram, mas ainda é muito pouco¿
Newton Gibson, vice-presidente da Confederação Nacional dos Transportes
O número R$ 8,4 bilhões Orçamento do Dnit para 2009. Do total, R$ 2,6 bilhões foram executados
Planejar é a demanda
O Correio entrou em contato com o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) para que os números fossem comentados. A assessoria de imprensa do órgão disse que o diretor-geral, Luiz Antônio Pagot, que poderia opinar sobre os dados, não estava em Brasília para responder. Para o vice-presidente da Confederação Nacional dos Transportes (CNT), Newton Gibson, falta planejamento nas ações do governo. ¿Não podemos ser injustos. Os investimentos melhoraram, mas ainda é muito pouco¿, avaliou.
Para Gibson, alocar recursos não é suficiente. ¿A aplicação desse dinheiro nos preocupa, pois as justificativas para que ele não saia do papel são muitas. Tudo precisa de planejamento. Os investimentos ficam sendo protelados, de um ano para o outro, e os valores nunca são cumpridos em sua totalidade¿, opinou.
Levantamento patrocinado pela própria CNT mostrou que, até agosto deste ano, 15,5% dos recursos destinados à infraestrutura de transportes haviam sido pagos. Mas Gibson tem apoio de quem depende das condições das rodovias quando diz que, mesmo com aplicação escassa dos recursos, as estradas estão mais seguras. ¿Houve um tempo em que, quando se andava no Nordeste, via-se pai, mãe e filhos tapando buracos nas estradas com areia. Hoje não é mais assim¿, relatou Agamenon Rodrigues, motorista de caminhão que, dos seus 61 anos, viveu 39 nas estradas.
Na última apresentação de balanço do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC), em outubro, a ministra da Casa Civil, Dilma Rousseff, que coordena os investimentos no setor. disse que ¿houve um imenso esforço para dar cobertura a toda a malha rodoviária¿, no que diz respeito à manutenção. (DL)