Título: Impunes e livres para tentar novo mandato
Autor: Mello, Alessandra
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2009, Política, p. 4

Envolvidos no escândalo dos sanguessugas até agora não foram punidos. Com a demora nos processos, eles têm chance de se candidatar em 2010

PF prendeu acusados em 2006 mas ações na Justiça Federal estão lentas

Os principais personagens de um escândalo que envolveu quase um quinto dos deputados e centenas de prefeitos em todo o Brasil continuam livres e impunes. Em alguns estados, como Minas Gerais, não houve ainda qualquer condenação contra os ex-prefeitos, funcionários públicos e empresários denunciados por envolvimento com a chamada máfia dos sanguessugas, como ficou conhecida a quadrilha que, segundo investigações da Polícia Federal e do Ministério Público, teria negociado mil ambulâncias em 20 estados e movimentado cerca de R$ 100 milhões desde 1998. A única exceção até agora é a do ex-deputado federal e hoje vereador Cabo Júlio, condenado pela Justiça a devolver R$ 143 mil aos cofres públicos e pagar multa de três vezes o valor embolsado do erário.

Já foram apresentadas pelo menos 21 ações de improbidade administrativa contra os envolvidos. Em muitos casos, as acusações não se transformaram em processos, pois a Justiça Federal ainda não decidiu se aceita as denúncias dos procuradores. Em outros, os processos estão em fase de intimação dos acusados. Essa etapa inicial tem consumido quase um ano. A demora atrasa a suspensão dos direitos políticos dos citados no escândalo, na hipótese de condenação. Eles poderão concorrer nas eleições do ano que vem e até em 2012, já que cabem recursos em todas as sentenças de primeira instância e os condenados nessa fase não são impedidos de disputar cargos públicos.

Um dos exemplos de demora é a representação criminal contra Maria das Graças Batista Falci Mota, a ex-prefeita de Divino das Laranjeiras, no Vale do Rio Doce, a cerca de 400 quilômetros de Belo Horizonte. Apresentada em abril deste ano, está parada, pois até hoje a Justiça não conseguiu intimar a ex-administradora da cidade. Ela figura como indiciada em processo de improbidade por causa da compra de uma ambulância da empresa Klass Comércio e Representação, acusada de atuar em conluio com a Planam. Essa ação começou a tramitar em maio do ano passado e ainda está em fase de análise pela Justiça Federal. Cabo Júlio também é um dos acusados.

Caso parado As denúncias contra três ex-prefeitos de Januária, no norte de Minas, Josefino Lopes Viana, Valdir Pimenta Ramos e João Ferreira Lima, por envolvimento com irregularidades na compra de ambulâncias, foram oferecidas pelo Ministério Público há cinco meses. Até hoje não foi nem autuada, ou seja, não recebeu número e não começou a tramitar oficialmente.

Mesmo caso da denúncia contra o ex-prefeito de Delta, no Triângulo Mineiro, Jorge Manoel da Silva. Ele foi denunciado pelo Ministério Público no dia 13. As ações contra os ex-deputados Isaias Silvestre, José Militão e Osmânio Pereira foram apresentadas este ano e os processos ainda estão em fase de notificação e prévia defesa. Somente Cabo Júlio foi condenado em agosto deste ano pela 7ª Vara da Justiça Federal a devolver dinheiro e pagar a multa. A decisão veio depois de ação civil pública impetrada pelo Ministério Público Federal em outubro de 2006. É a primeira e até agora única condenação deste caso em Minas Gerais.

Descrédito O procurador do Ministério Público Federal André de Vasconcelos Dias entende que a demora em julgar os envolvidos no caso das máfia das ambulância cria um clima de descrédito na população e favorece a perpetuação de esquemas criminosos. Para ele, os desvios de recursos envolvendo a compra de ambulâncias são menores do que os valores descobertos em operações como a João de Barro, que detectou fraudes em obras de saneamento. O procurador diz que, mesmo assim, a tramitação deveria ser mais célere. Ele defende que seja dada prioridade aos casos de improbidade, porque a população é quem sofre com a corrupção. ¿Isso acaba virando um símbolo da impunidade¿, alerta.

Ambulâncias superfaturadas

Em 2006, a Polícia Federal desarticulou uma quadrilha, comandada pelo empresário Luiz Antônio Vedoin, que contava com a participação de parlamentares.

Maio de 2006 A Polícia Federal deflagra a Operação Sanguessuga para desarticular um esquema de fraudes na aquisição de ambulâncias que, segundo as investigações, eram vendidas a prefeituras de pelo menos 20 estados brasileiros por meio de licitações dirigidas e superfaturadas. As compras eram financiadas com recursos destinados por deputados e senadores ao Orçamento da União. A maioria das concorrências era vencida pela Planan, empresa localizada no Mato Grosso, de propriedade de Luiz Antônio Vedoin, que admitiu pagar propinas aos parlamentares para garantir o negócio.

Junho de 2006 O Congresso monta uma CPI para investigar o envolvimento de parlamentares no esquema. Durante as investigações, a comissão chega a anunciar o envolvimento de 69 deputados e dois senadores, mas termina os trabalhos em setembro daquele ano sem pedir indiciamento de nenhum congressista.

Outubro de 2006 Apenas cinco dos 72 deputados e senadores citados durante a CPI são reeleitos.

Agosto de 2009 A Polícia Federal anuncia oficialmente o indiciamento de 33 parlamentares, 71 prefeitos e 354 assessores, membros de comissões de licitação, empresários e funcionários federais por envolvimento com a máfia dos sanguessugas.