Título: Governo admite deficiências
Autor: Teixeira, Marcionila
Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2009, Brasil, p. 12

O Ministério da Saúde admite não estar preparado para lidar com problemas gerados pela disseminação do crack no país. Os CAPSad, criados em 2002 para atender dependentes de drogas e álcool, padecem de falhas típicas do Sistema Único de Saúde(SUS), como falta de médicos, estrutura física adequada de emergência, horários irregulares, baixa adesão ao tratamento em alguns locais e lotação em outros. ¿Temos problemas de recursos humanos e de especialistas, que são os mesmos do SUS de uma forma geral¿, explica o coordenador-geral de Saúde Mental do ministério, Pedro Gabriel Delgado.

Em Sobradinho, no dia em que a reportagem visitou uma unidade, o médico ¿ que só aparece uma vez por semana ¿ estava de folga. O número de pacientes era pequeno e, segundo funcionários, o índice de desistência é grande, especialmente por causa das crises de abstinência.

A responsabilidade de manter o paciente, de acordo com o ministério, é da clínica. ¿O índice de abandono tem que ser inferior a 5% e as equipes precisam ter controle dos dependentes, organizando visitas domiciliares e equipes volantes¿, diz o coordenador, que cobra ainda que profissionais da saúde desenvolvam atividades criativas para sustentar a adesão, baixa inclusive nas comunidades terapêuticas.

Complexidade// De acordo com o coordenador, o crack é um problema novo e muito complexo, que nem o poder público nem a rede privada estão preparados para lidar. ¿O SUS não pode cair na armadilha de querer resolver sozinho¿, diz, defendendo ações coordenadas de outros ministérios.

Entre as medidas estão investimentos em segurança pública, educação, ampliação da rede de leitos ¿ apesar de a internação não ser vista como prioritária ¿, inovações tecnológicas e aumento da rede de casas de passagem e de consultórios médicos. A erradicação de Cracolândias e internações involuntárias, segundo Pedro, não podem ser a única alternativa. Estima-se que, no Brasil, 380 mil pessoas sejam usuárias de crack. O número é de 2005 e, para atualizar esses dados, o Ministério da Saúde encomendou a duas universidades federais estudo que traça o perfil dos dependentes.

As trilhas incertas da redenção

DANIELA ALMEIDA Pedro Gabriel lista problemas de recursos humanos e de ausência de especialistas como os principais

Enquanto o governo tropeça nas próprias pernas na prestação de serviços de qualidade, os usuários seguem um roteiro perverso. Só quando sentem que perderam tudo, inclusive o controle sobre o corpo e a vida, ou quando a família e os amigos desistem do viciado, ele começa a longa trilha rumo à incerta recuperação. O sentimento é de derrota e fracasso. Foi essa sensação que fez com que Alexandre criasse coragem para tentar reconstruir o que perdera. Aos 13 anos, provou maconha. A lista de inalantes, psicotrópicos e alucinógenos desde então é incontável. A última parada foi o crack. ¿Eu gostava da sensação quando fumava. Aquilo preenchia um vazio que eu levava comigo. Mas, no fim, eu já usava sem querer¿, relembra Alexandre, há 11 anos ¿limpo¿.

Para preencher esse vazio descrito por ex-usuários, vale tudo. Há seis meses livre da droga, Carlos conta que roubar os pertences da família, coisa habitual entre os usuários, não foi suficiente. Para conseguir o dinheiro do crack, ele chegou a roubar, morou nas ruas, mendigou e se prostituiu em boates gays. ¿Muitas vezes eu não tinha mais força para roubar, então, só me restava pedir.¿

A primeira tentativa de parar seguiu a trilha padrão: clínicas de desintoxicação, apoio psicológico, reconquista da confiança de familiares e amigos, busca por novo emprego, reconstrução da vida aos poucos. Sem o devido suporte, Carlos substituiu um vício por outro, o sexo. O relacionamento com a namorada acabou e assim terminaram os tempos de ¿caretice¿ ¿ um ano e três meses sóbrio. O caminho da volta também foi o mesmo. Pequenos desvios de dinheiro no emprego, furtos em casa, todo o salário em drogas. ¿Eu trabalhava para me drogar. Caía o dinheiro na conta e no mesmo dia eu corria para comprar.¿

Depois de três anos, ao ver o pai chamar a polícia para prendê-lo, veio a segunda tentativa. Sem saber mais o que tentar, buscou o apoio dos Narcóticos Anônimos (www.na.org.br), organização internacional que ajuda viciados em drogas. A luta dura apenas seis meses, mas o percurso é árduo. ¿Procuro não fazer os mesmos programas de antes. Fico longe dos bares, das más companhias. Eu tento.¿

* Nomes fictícios