Título: Esquerda busca coalizão
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Fonte: Correio Braziliense, 29/11/2009, Mundo, p. 26
Favorito nas pesquisas, o ex-guerrilheiro José Mujica sonda adversários para compor governo
Toda uma geração de uruguaios derrotada na guerrilha urbana nas décadas de 1960 e 1970, e muitos de seus ¿camaradas de armas¿ na América do Sul, está na contagem regressiva para ver um de seus representantes mais carismáticos chegar ao poder pelas urnas. O hoje septuagenário José Pepe Mujica, um dos fundadores dos Tupamaros, é favorito absoluto para ser eleito hoje presidente do Uruguai e prolongar por mais cinco anos a hegemonia política da esquerda no país, sucedendo ao socialista Tabaré Vázquez ¿ que deixa o governo com 70% de aprovação. Confiantes na vitória, Mujica e sua equipe já falam em atrair setores da oposição para compor o próximo governo.
Mujica ficou a poucos votos de eleger-se no primeiro turno, em 25 de outubro, quando recebeu 48% dos votos entre cerca de 2,5 milhões de eleitores inscritos. As últimas pesquisas de opinião para o segundo turno davam ao ex-guerrilheiro até 51% das intenções de voto, contra 42% para o rival conservador, o ex-presidente Luis Alberto Lacalle. Descontando abstenções e votos inválidos, os institutos de pesquisa calculam que o candidato governista deve sair das urnas hoje com até 55% dos votos ¿ uma votação que ratificaria a maioria absoluta mantida por seu partido, a Frente Ampla, na composição do futuro Congresso.
Embora habilitado a governar sozinho, o ex-Tupamaro não parece inclinado a sustentar-se apenas nas próprias forças, nem a contar com o prestígio que construiu na vida política institucional. Desde que foi anistiado, em 1986, após passar 13 anos preso durante o regime militar (1973-1985), Mujica foi deputado, senador campeão de votos, presidente do Senado e ministro da Pecuária. Preservado pela discrição imposta desde o encerramento oficial da campanha, na última quinta-feira, ele enviou emissários para sondar representantes dos demais partidos sobre a possibilidade de integrarem algum tipo de coalizão ¿ uma opção política que, segundo as pesquisas, agradaria a seis entre 10 eleitores.
Oposição em crise A manobra dos governistas se dirige a uma oposição às portas da crise, resignada a completar 10 anos fora do poder, depois de ter hegemonizado a política uruguaia por 170 anos ¿ período em que o Partido Colorado governou com breves interrupções do Partido Nacional, também chamado de blanco. Foi a ligeira recuperação dos colorados que impediu Mujica de se eleger no primeiro turno, mas os blancos, embora tenham levado o ex-presidente Lacalle ao segundo turno, perderam votos em relação a 2004 e devem recompor sua direção em consequência da derrota.
Nas declarações públicas, líderes dos dois partidos tradicionais mostraram-se reticentes a discutir um acordo com a Frente Ampla, processo favorecido pelo sistema político uruguaio, que dá ao Congresso a última palavra sobre a escolha dos ministros e dos dirigentes de empresas públicas e autarquias. ¿Primeiro, devemos todos votar e aguardar os resultados oficiais¿, comentou o deputado blanco Javier García, que integra o comando de campanha de Lacalle. ¿Vamos ver quem ganha, e por qual diferença¿, acrescentou o correligionário Jaime Trobo, que vê na oferta de Mujica apenas um gesto destinado a ¿causar impacto eleitoral de última hora¿.
Pelos colorados, nenhum dirigente quis falar em público, mas um deles confidenciou à agência de notícias France-Presse que ¿há disposição de escutar o que a Frente Ampla tem a dizer¿. Mesmo assim, essa fonte advertiu que o partido entraria nas conversações ¿com pé de chumbo¿. O Partido Independente, de centro-esquerda, que elegeu apenas dois deputados (e nenhum senador), foi o mais receptivo a um acordo. ¿A partir de domingo, estaremos totalmente dispostos a dialogar, porque então não se tratará mais das propostas de um candidato, mas do presidente eleito¿, ponderou o dirigente Pablo Mieres.
O cientista político Adolfo Garcé vê com reservas a possibilidade de um acordo formal de coalizão entre a Frente Ampla e algum dos dois partidos tradicionais, mas não descarta a possibilidade de que alguns políticos aceitem individualmente convites para integrar o governo de Mujica. ¿Não será estranho se alguns deles preferirem um acordo a correr o risco de passar mais cinco anos fora do poder.¿
O número 51% Intenções de voto no candidato da governista Frente Ampla à Presidência do Uruguai, o esquerdista José Pepe Mujica, segundo pesquisa do Instituto Factum
O número 42% Intenções de voto no candidato do Partido Nacional, de oposição, o conservador Luis Alberto Lacalle, de acordo com a mesma pesquisa