Título: Portas fechadas para Zelaya
Autor: Vaz, Viviane
Fonte: Correio Braziliense, 04/12/2009, Mundo, p. 18
Congresso rejeita por larga margem a volta do presidente deposto. Países americanos discutem o tema amanhã
A apenas dois meses do fim do mandato, fica cada vez mais distante a possibilidade de o presidente deposto de Honduras, Manuel Zelaya, voltar ao poder. Na madrugada de ontem, por 111 votos contra 14, o Congresso decidiu que Zelaya não pode recuperar o cargo. A votação ratificou o polêmico decreto que o destituiu do cargo, em 28 de junho. ¿O resultado envergonha esta nação. Historicamente, serão julgados¿, criticou Zelaya. Analistas políticos indicaram que a decisão não ocorreu em um ambiente imparcial, já que, antes da votação, os congressistas exibiram um vídeo contra o presidente deposto, enquanto cerca de 300 manifestantes eram afastados do Congresso por um cerco policial.
Em outubro, representantes de Zelaya e do governo interino, chefiado por Roberto Micheletti, assinaram um acordo que previa submeter ao Legislativo e ao Judiciário a questão da recondução do presidente deposto ao cargo. No entanto, ao perceber o estratagema de Micheletti, Zelaya voltou atrás na decisão sobre o acordo, o que não foi aceito pelo governo interino. O presidente de fato, respondendo ao adversário, declarou que Zelaya ¿já é história¿. ¿O povo respondeu todas as perguntas que ele havia exigido, e também disse que não está de acordo com a posição de tentar boicotar as eleições¿, afirmou. O vencedor da eleição de domingo, Porfírio ¿Pepe¿ Lobo, também declarou que respalda ¿o que o Congresso decidiu¿.
Licenciado desde a semana passada, em uma espécie de ¿recesso¿ para as eleições, Micheletti reassumiu ontem a presidência. Além de celebrar a decisão do Congresso, ele planeja se encontrar com Lobo para ¿passar temas da administração¿. ¿Logicamente, há muitos temas, como o administrativo e o econômico, e teremos de consultá-lo para fazer as coisas que ele considere convenientes, ou não fazer¿, disse Micheletti. O presidente de fato citou como exemplo temas de orçamento. ¿Isso vai lhe dar mais tempo para que não entre afogado em um governo que poderia já, em duas semanas de estar no poder, ser obrigado a honrar pagamentos muito pesados¿, completou.
Europa dividida O chanceler espanhol, Miguel Ángel Moratinos, afirmou ontem que a União Europeia já tem uma base de consenso sobre a postura que adotará perante as eleições. ¿Já se conseguiu consenso sobre uma declaração no sentido de que as eleições se desenvolveram pacificamente, mas em circunstâncias excepcionais, com vontade de buscar uma solução política no futuro¿, explicou o ministro. A reunião de chanceleres da UE será realizada na próxima semana, em Bruxelas, para decidir se o bloco reconhece Porfírio Lobo.
No entanto, o Partido Verde no Parlamento Europeu qualificou de ¿inaceitável¿ a resposta da UE, pois considera que equivale a dar carta branca para todos os futuros golpistas. ¿Pretender isso é dar sinal verde a todas aquelas forças antidemocráticas, na América Latina e em outras partes do mundo, que querem se livrar de governos que não sirvam a seus interesses¿, anunciaram os verdes.
A Organização dos Estados Americanos (OEA) promete anunciar amanhã uma posição sobre as eleições de domingo em Honduras e a decisão do Congresso Nacional de rejeitar a restituição de Zelaya. O chanceler Celso Amorim reiterou a posição brasileira sobre a questão hondurenha, e acrescentou que o governo vai aguardar a definição da OEA e outros desdobramentos. ¿As eleições não têm legitimidade. Acho que não há nenhum motivo para que nos abramos (para aceitar o novo governo)¿, disse Amorim. O chanceler brasileiro também defendeu a permanência de Zelaya na embaixada em Tegucigalpa pelo tempo que for necessário. ¿No entanto, acho que ele mesmo vai querer encontrar solução em algum momento. Mas não forçaremos nada¿, concluiu.
O povo respondeu todas as perguntas que ele (Zelaya) havia exigido¿
Roberto Micheletti, presidente de fato de Honduras
Venezuela na pauta do Senado
Ficou marcada para a próxima quarta-feira a votação, no plenário do Senado, sobre o ingresso da Venezuela no Mercosul, já aprovado pela Comissão de Relações Exteriores. O protocolo de adesão já passou pela Câmara. Se for ratificado pelo Senado, a ampliação do bloco dependerá apenas da aprovação pelo Legislativo do Paraguai.
Análise da notícia O sentido do jogo
Silvio Queiroz
Aguardar os acontecimentos, como definiu o ministro Celso Amorim, é o que resta à diplomacia brasileira diante da decisão do Congresso hondurenho que sepultou as oportunidades de o presidente deposto Manuel Zelaya ser reconduzido ao cargo. Amorim e o presidente Lula podem ¿ devem até, por questão de coerência ¿ manter a posição de considerar ilegítima a eleição de Porfirio Lobo no último domingo. Mas já não há lugar para iniciativas concretas na direção de impedir sua posse.
A questão de fundo, para o Itamaraty e o Planalto, se desdobra em duas partes, e em ambas Honduras é elemento circunstancial. O princípio em questão é a atitude do continente em relação a um golpe de Estado, e até aqui o resultado prático da crise é que o governo de fato prevaleceu.
A outra metade do problema é a relação com a Casa Branca de Barack Obama e o Departamento de Estado de Hillary Clinton. Poucas vezes na história¿ para não dizer que nunca ¿ este país tomou posição tão claramente diversa (quase confrontada) da assumida por Washington. E a divergência se dá em uma região, a América Central, onde nos últimos anos os EUA perderam influência e o Brasil trata de ampliar a sua ¿ esse o sentido do jogo.
Morales em busca do ¿senador de ouro¿
Faltam apenas dois dias para as eleições presidenciais na Bolívia e o governo do presidente Evo Morales busca ¿o senador de ouro¿. O governo atual só precisa de mais um senador para garantir a maioria para reformar a Constituição e cogitar um terceiro mandato para Morales. ¿Em nossas pesquisas, faltaria um senador para conseguirmos os dois terços. Estamos lutando por este senador de ouro¿, disse o vice-presidente Álvaro García Linera.
Agora, as duas casas fazem parte da Assembleia Legislativa Plurinacional ¿ o novo nome do Congresso Nacional. A maioria na Câmara dos Deputados pelo partido de Morales ¿ Movimento ao Socialismo (MAS)¿ é tida como certa. A luta é pelo Senado. Segundo as últimas pesquisas, de um total de 36 senadores, o MAS tem 22 garantidos, dois a menos do que precisa para a maioria absoluta. Dos 14 restantes, nove se posicionam por Manfred Reyes Villa, um pelo empresário Samuel Doria Medina e quatro ainda não se definiram.
¿De qualquer forma, com dois terços ou sem dois terços, vamos convocar as minorias, que devem entender que existe uma maioria histórica, eleitoral, política, que tem de levar adiante suas propostas. Se não conseguirmos os dois terços, buscaremos o diálogo¿, destacou Linera. A Constituição atual permite ao presidente Evo Morales uma única reeleição ¿ que deve conseguir no domingo e lhe garantirá um mandato até 2015. As últimas pesquisas apontam que o presidente tem entre 52% e 55% dos votos.
Os bolivianos também decidirão em 18 referendos sobre três níveis de autonomias, entre elas uma sobre a conversão de 12 municípios em territórios indígenas. Morales faz propaganda pelo ¿Sim¿ às autonomias, enquanto seus principais adversários não fazem campanha por nenhuma chapa, embora tenham apoiado as autonomias no passado.
Reabilitação Na última semana, a Corte Nacional Eleitoral da Bolívia (CNE) reabilitou 400.671 eleitores que estavam ¿sob observação¿, pois a documentação exigida para o cadastramento no novo censo biométrico estava incompleta. Os bolivianos citados tinham um prazo de até três dias antes do pleito para que normalizassem sua situação. A liberação foi divulgada ontem após uma reunião de urgência da CNE. Tais pessoas poderão votar no domingo, mas precisarão regularizar sua inscrição eleitoral para o pleito de abril de 2010, que elegerá governadores e prefeitos.