Título: Estrutura de menos
Autor: Torres, Izabelle
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2009, Política, p. 2

TSE vê dificuldade em aplicar novas regras eleitorais e estuda como atuar na fiscalização da internet em campanhas. Se não for encontrada saída, Judiciário deve ser socorrido pelo Ministério Público

Sala de imprensa montada no TSE nas eleições de 2006: Ministério Público pode vir a questionar novas regras

Nelson Jr./ASICS/TSE

A lei encampou o entendimento de que a internet é um campo livre e estabeleceu algumas poucas regras. Esse campo, apesar de livre, pode criar certo obstáculo à Justiça Eleitoral¿ Arnaldo Versiani, Ministro do TSE

Depois das negociações intensas no Congresso e da disputa envolvendo os mais diferentes interesses, a nova lei eleitoral(1) aprovada às pressas pelos parlamentares em setembro começou a ser questionada no Judiciário. Nos bastidores, advogados e ministros que integram o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) têm admitido que as novas regras ¿ principalmente as que liberam o uso da internet em campanhas ¿ jogaram para a Justiça Eleitoral uma responsabilidade de fiscalização sem que o órgão tenha se preparado e montado estrutura adequada capaz de encontrar e punir irregularidades praticadas por meio da rede.

Diante dos mais diversos argumentos e da dificuldade prevista para que a Justiça possa desempenhar as funções de fiscalização, juristas articulavam com Ministério Público para que o órgão questionasse alguns termos da lei no Supremo Tribunal Federal (STF). O assunto é tratado discretamente nos bastidores. Procuradores analisam quais normas devem dificultar o trabalho do TSE e podem criar brechas para atos fraudulentos, corrupção e propaganda eleitoral irregular. Práticas que, se realizadas pela internet, dificilmente serão detectadas e punidas pela Justiça a tempo.

Fontes ouvidas pelo Correio afirmam que a análise dessas dificuldades e da posição que será adotada pelo MP estão sob a responsabilidade da subprocuradora Sandra Cureau, que tem participado de debates e audiências sobre as novas regras. A entrada em campo dos procuradores pode não ser necessária. Ontem, o PDT encurtou o caminho dos questionamentos e entrou com ação direta de inconstitucionalidade contra dispositivos da lei, incluindo a maior preocupação dos ministros do TSE, que é a liberação para o uso da internet durante as campanhas eleitorais.

Conduta Durante audiência pública realizada pelo TSE para ouvir sugestões de diferentes órgãos sobre a conduta que deve ser adotada para implementar a nova lei eleitoral, o relator das instruções de 2010, ministro Arnaldo Versiani, deu o tom das dúvidas e inseguranças da Corte quanto à possibilidade de fiscalização do uso da rede mundial de computadores nas campanhas. Disse que algumas normas previstas na Lei nº 12.034/09 são bem intencionadas, mas ressaltou que será um desafio fazer com que o TSE consiga aplicar as multas e punições previstas na lei.

Segundo outro ministro ouvido pelo Correio, as dificuldades previstas pela Corte estão principalmente nos critérios para a aplicação de multas a sites e provedores, assim como na forma usada para determinar a retirada da rede de notícias referentes aos candidatos. Nos bastidores, apesar do discurso de alguns de que as novas regras respeitaram alguma decisões e restrições já impostas pelo TSE, a avaliação de magistrados é de que a lei criou obstáculos à atuação da Justiça, fazendo com que a Corte tenha de encontrar uma saída para conseguir cumprir o papel de fiscal e juiz nas eleições.

Na prática, o Congresso liberou a internet para que os parlamentares usufruíssem livremente dos benefícios da rede e, ao mesmo tempo, numa tentativa de aparentar intenção de aumentar o controle nas campanhas, jogou para a Justiça Eleitoral ¿ pega de surpresa pelas mudanças ¿ a responsabilidade de aplicar as punições e exercer a fiscalização em um território de comunicação livre, ainda considerado incontrolável. É com base nesses argumentos que magistrados, juristas e procuradores discutem a melhor forma de implementar a nova lei e comemoram discretamente o fato de algumas normas estarem sendo questionadas judicialmente.

¿A lei encampou o entendimento de que a internet é um campo livre e estabeleceu algumas poucas regras. Ainda estamos tentando saber como serão aplicadas essas regras, já que a lei permitiu a propaganda na internet e estabeleceu certas restrições, inclusive aplicação de multas. Também passou a prever o direito de resposta. Esse campo, apesar de ser livre, pode criar certo obstáculo á Justiça Eleitoral¿, disse Versiani.

1- Recursos A Lei nº 12.034/09 foi sancionada no dia 29 de setembro, depois de meses sendo discutida pelos congressistas. A norma foi considerada uma reforma da antiga lei eleitoral e institui novas regras para as eleições, uma das quais garante a liberdade do uso da internet para fazer propaganda durante a campanha e também para arrecadar recursos. A lei já passa a valer a partir das próximas eleições. Ao sancionar a norma, o presidente Lula vetou três artigos do projeto. Com a norma em vigor, o TSE terá até o dia 5 de março para aprovar em plenário uma minuta sobre a nova lei e regras complementares.

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Votos na rede

Algumas mudanças previstas na nova lei eleitoral:

Candidatos ou qualquer outra pessoa podem manter sites, blogs e páginas em sites de relacionamento, como Orkut e Twitter, durante o período eleitoral. Dessa forma, os candidatos poderão pedir votos oficialmente nas páginas eletrônicas a partir DE 5 de julho do ano das eleições.

Apesar da liberação, a lei proíbe propaganda eleitoral paga na internet, com possibilidade de aplicação de multa de R$ 5 a R$ 30 mil para quem descumprir a regra.

Para evitar a formação de um mercado de cadastros de endereços eletrônicos, fica proibida a venda de banco de dados com e-mails dos brasileiros.

Os candidatos poderão usar mensagens eletrônicas, conhecidas como torpedos, durante a campanha eleitoral.

O candidato ou partido político que se sentir ofendido por declarações publicadas em sites têm assegurado direito de resposta na internet, que deverá ficar disponível durante o mesmo tempo em que ficou a mensagem considerada ofensiva.

Se o endereço for comunicado à Justiça Eleitoral e hospedado, direta ou indiretamente, em provedor estabelecido no Brasil, as páginas da internet ficam liberadas para uso de qualquer candidato, partido político ou coligações.

Os provedores de internet não serão mais obrigados a cumprir prazo de 24 horas para retirar propaganda considerada irregular por decisão da Justiça Eleitoral. De acordo com a lei, o prazo deve ser determinado pela Justiça.