Título: Caminhos da biodiversidade
Autor: Cruz, Márcia Maria
Fonte: Correio Braziliense, 05/12/2009, Ciência, p. 32

Projeto no Amapá prova que é possível preservar trechos importantes da Amazônia, ameaçada pelo aquecimento global, segundo estudo da WWF

Geleira flutua na Groenlândia: aquecimento do Ártico pode ser de 15ºC

Belo Horizonte ¿ O aquecimento global pode ter efeitos devastadores sobre a flora e a fauna dos principais ecossistemas em todo o mundo. A biodiversidade da Amazônia é considerada estratégica por ser a potencialmente mais rica do planeta e ainda pouco conhecida. Esse patrimônio ecológico desperta atenção ¿ e cobiça ¿ de todo o mundo e preocupa o governo brasileiro. De um lado, cientistas e estudos fazem previsões catastróficas para o futuro desse ecossistema, mas iniciativas têm demonstrado que é possível reverter essas expectativas pessimistas e promover o desenvolvimento sustentável, aliando progresso e preservação. É o caso do Corredor de Biodiversidade do Amapá, que completou seis anos de existência, demonstrando que o entendimento entre os três níveis de governo (federal, estadual e municipal), com a ajuda da sociedade civil, é essencial para reduzir os efeitos nefastos da elevação da temperatura sobre a Terra.

O corredor integra 12 unidades de conservação e cinco terras indígenas no Amapá, um dos nove estados que compõem a Amazônia Legal. Engloba mais de 10 milhões de hectares, ou quase 72% do estado e os seus biomas ¿ florestas de terra firme, florestas sazonalmente inundadas de várzea e igapó, complexos de lagos, cerrados e vegetações associadas a afloramentos rochosos. O corredor inclui ainda os últimos grandes trechos protegidos de manguezais das Américas, um dos ecossistemas mais destruídos e pouco conhecidos no Brasil.

Ao conciliar a conservação da natureza com o desenvolvimento social e econômico, o corredor contribui para garantir a sobrevivência de populações de espécies que se encontram ameaçadas em outras regiões da Amazônia brasileira e em países vizinhos. O objetivo é proteger espécies de primatas, como os macacos-cuxiú, aranha e parauacu, bem como espécies de rara beleza, como o beija-flor-brilho-de-fogo, o tucano-açu e as araras. Diversas espécies de aves já foram registradas no estado e esse número tende a aumentar a partir dos resultados de novas expedições científicas.

A criação do corredor de biodiversidade permite a implementação de unidades de conservação. ¿É uma gestão participativa do corredor¿, afirma Patrícia Baião, diretora do Programa Amazônia da ONG Conservação Internacional, que participa do corredor. A sociedade participa da elaboração dos planos de manejo de cada uma dessas unidades, que é uma espécie de plano diretor que regulamenta um uso sustentável da região. A instância de participação são os conselhos consultivos.

Aquecimento Ás vésperas da 15ª Conferência das Partes (COP-15)(1), que se inicia na segunda-feira, em Copenhague (Dinamarca), a atenção se volta para a Floresta Amazônica por ser um dos principais ecossistemas terrestres, onde está grande parte das plantas, animais e micro-organismos, e também pelo fato de o desmatamento ter participação determinante na emissão de gases de efeito estufa. Os impactos do aquecimento do clima sobre a floresta poderão ser devastadores, de acordo com o estudo Pontos de colapso no sistema climático terrestre e suas consequências para o setor de seguros, encomendado pela Allianz SE, em parceria com o WWF e o Tyndall Centre.

Caso a elevação da temperatura média do planeta seja de 1ºC em relação aos níveis pré-industriais, a floresta pode perder cerca de 1,6 milhão de quilômetros quadrados de sua cobertura até 2100. A Amazônia Legal compreende uma área de 5,7 milhões de quilômetros quadrados. O estudo demonstra impactos no Ártico, na Groelândia, nos sistemas de chuvas do Oeste africano, no Sudeste asiático e no Sudoeste norte-americano. ¿Com todos os esforços para redução na emissão nos gases de efeito estufa, nunca atingiremos os níveis pré-industriais¿, pondera a engenheira agrônoma Karen Suassuna, da equipe de Mudanças Climáticas da WWF-Brasil.

Juntamente aos efeitos climáticos, como a mudança no regime de chuvas em todo o Brasil, o aquecimento global afeta a biodiversidade. O prazo de 100 anos é extremamente pequeno para as adaptações de um ecossistema. ¿As espécies de árvores passeiam nos continentes ao longo dos séculos. Para se ter uma ideia, o pinheiro é originário da América do Norte e levou centenas de anos para chegar ao Paraná, conforme o clima esquentava e esfriava¿, exemplifica. Nos últimos 200 anos, o planeta passa pela maior crise de extinção de espécies.

¿A preservação dos corredores de biodiversidade é essencial para a fauna circular e contribui para aumentar a variabilidade genética das espécies¿, afirma Gustavo Salles Nappo, gestor ambiental e consultor em sustentabilidade e planejamento. Para ele, com as ações para reduzir a emissão dos gases de efeito estufa, é essencial implementar medidas para sequestrar os gases em excesso na atmosfera.

1 - Escultura de gelo Uma escultura em gelo de um urso polar será inaugurada hoje em Copenhague. Seu derretimento será o símbolo do aquecimento global durante a realização da conferência da ONU sobre o clima. O escultor Mark Coreth começou ontem a trabalhar num bloco de gelo de 11t, que tem em seu interior uma armadura em bronze na forma do esqueleto do animal, em tamanho natural. ¿Um esqueleto do urso em meio a uma poça de água é tudo que restará na Praça Kongens Nytorv, em pleno coração de Copenhague, para recordar os desafios que enfrentamos sobre nosso clima¿, afirmaram os organizadores do protesto em um comunicado. Eles calculam que o processo de derretimento levará 10 dias.

Lula desafia países a igualarem meta nacional

A três dias do início da 15ª Conferência das Partes (COP-15), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva afirmou, em Hamburgo (Alemanha), que a posição do país na cúpula das Nações Unidas sobre o clima será a de ¿desafiar¿ as demais nações a superarem as metas brasileiras de redução das emissões de gás carbônico. ¿O Brasil foi o primeiro país que se comprometeu com a redução de emissões de gases entre 36,1% a 38,9%¿, disse Lula a uma plateia de empresários. ¿Quando tomamos a nossa atitude, é porque queremos chegar a Copenhague desafiando outros países a cumprirem pelo menos aquilo que o Brasil está cumprindo¿, completou.

O presidente ressaltou ainda que a proposta voluntária apresentada pelo seu governo se tornou lei. ¿Tomamos a atitude de transformar em lei nossa proposta voluntária, que foi aprovada na Câmara e no Senado. Portanto, quem quer que for eleito nos próximos anos terá a obrigação de cumprir os compromissos¿, afirmou. Lula aproveitou sua fala também para defender a adoção dos biocombustíveis produzidos a partir da cana-de-açúcar: ¿Não é possível continuar a produzir etanol a partir do milho e da beterraba¿.

Aquecimento Especialistas avaliam como ¿muito provável¿ que ocorra um aumento de 4ºC na temperatura média do planeta antes de 2100. Isso provocaria fenômenos como a redução da Floresta Amazônica, inundações na Ásia, incêndios na Austrália e o consequente êxodo de milhões de pessoas. O problema pode ser até mais grave. Segundo estudos do Painel Intergovernamental sobre as Mudanças Climáticas (IPCC), a temperatura média da Terra poderia subir entre 1,1ºC e 6,4ºC até o fim do século, com um valor médio, ¿compreendido com mais segurança¿, entre 1,8ºC e 4ºC. ¿Quatro graus centígrados não é uma projeção apocalíptica, é uma projeção muito provável, se não fizermos nada¿, resume o climatologista francês Hervé Le Treut.

O aumento previsto, que no pior dos cenários poderia ser alcançado já em 2060, segundo um trabalho recente do Hadley Center britânico, é objeto de crescente atenção: uma centena de cientistas se reuniram pela primeira vez no fim de setembro em Oxford para discutir o tema. Os trabalhos lembram que essa temperatura média oculta gigantescas variações regionais, com um salto do termômetro que pode ir a até 15ºC no Ártico e provocar uma redução de 20% nas chuvas anuais em várias regiões do mundo.

O impacto na agricultura da África subsaariana seria ¿espantoso¿, estima Philip Thornton, do Instituto Internacional de Pesquisa sobre Gado (ILRI), cujo estudo prevê, por exemplo, uma queda de até 50% do rendimento para alguns cultivos na África do leste até 2090. Na China e na Índia, os dois maiores produtores de arroz do mundo, as profundas mudanças das monções poderiam provocar uma sucessão rápida de temporadas de seca e umidade extremas, causando enormes problemas agrícolas.

E que impacto isso teria sobre os ecossistemas e a biodiversidade, tecido vivo do planeta? ¿Seria o caos¿, estima o economista indiano Pavan Sukhdev. ¿Uma mudança completa na maneira de viver e sobreviver das espécies¿, explicou Sukhdev à agência France-Presse, mencionando, por exemplo, a extinção pura e simples dos recifes de coral, ¿dos quais dependem para comer e viver 500 milhões de pessoas no mundo¿.