Título: Pacote cobrará o seu preço
Autor: Bancillon, Deco
Fonte: Correio Braziliense, 10/12/2009, Economia, p. 30

Renúncia de tributos é de R$ 142 bi. Analistas avaliam que excesso de medidas provocará inchaço do consumo e pressão inflacionária

Em tom triunfalista, ministro da Fazenda, Mantega, anuncia estímulos à economia fazendo previsões otimistas

O governo anunciou ontem um megapacote de medidas (leia quadro na página 31) de estímulo à economia que promete levar o país a um novo ciclo de expansão. A ideia é bombar o crescimento e restabelecer os investimentos produtivos, que andam estacionados devido à crise financeira mundial. A renúncia fiscal com as medidas será de mais de R$ 142,8 bilhões apenas em 2010, levando-se em conta os desembolsos do Tesouro Nacional e do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) com o pacote desenvolvimentista.

A maior parte do dinheiro tem como destino a indústria. O governo autorizou o aporte de R$ 80 bilhões no BNDES, que terá a missão de repassar o dinheiro a empresas a juros módicos. A prioridade é que o banco financie projetos nas áreas de infraestrutura econômica e social e inovação, ciência e tecnologia.

Uma outra linha de crédito destinada ao agente financeiro e orçada em R$ 44 bilhões teve prazo para concessão renovado, de dezembro deste ano para junho de 2010. O crédito é utilizado pelas empresas na compra de grandes máquinas industriais, que têm preço e prazo de entrega elevados.

Foram prorrogadas também desonerações de Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para peças e equipamentos de bens de capital e para a compra de computadores. Para esta última medida, o prazo de vencimento do benefício foi estendido até 2014. Houve também anúncio de isenção permanente de tributos para compra de aerogeradores para prover energia eólica, assim como a criação de uma linha de crédito no valor de R$ 15 bilhões à indústria naval.

Na área financeira, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, anunciou a criação de um mecanismo que permitirá aos bancos privados lançarem debêntures no mercado para se financiarem em longo prazo. E no caso das instituições privadas, um projeto-piloto de emissão de ações aos empregados da empresa, que tomariam empréstimo com o próprio BNDES.

Riscos

Analistas de mercado ouvidos pelo Correio dizem que o governo optou por comprar um crescimento de curto prazo, e que o excesso de estímulos à economia deve provocar um inchaço desnecessário no consumo. O entendimento é o de que um crescimento do Produto Interno Bruto (PIB), a soma das riquezas, superior a 6% no próximo ano provocará pressões inflacionárias insustentáveis em 2011, o que obrigaria o Banco Central (BC) a aumentar os juros básicos da economia (Selic) já em 2010. ¿Não existe almoço de graça. Ou o BC terá de aumentar e muito os juros, ou veremos o retorno da inflação¿, decreta o economista-chefe do Banco ABC Brasil, Luís Otávio de Souza Leal.

Luís Otávio avalia que, sem qualquer estímulo, a economia brasileira cresceria em um ritmo de 5% entre 2010 e 2011. Mas alerta que, dado os últimos anúncios do governo (de prorrogar renúncias fiscais a setores importantes da indústria, como o automobilísticos, o de eletrodomésticos da linha branca e o de móveis), o PIB do próximo ano caminha mais provavelmente para um patamar de 6,5% de alta sobre 2009. ¿Para o governo, é mais interessante um crescimento desses em um ano eleitoral do que uma evolução sustentável. E para isso, ele utiliza as armas que tem¿, diz Luís Otávio.

Jankiel Santos, economista-chefe do BES Investimento, diz que o tiro pode sair pela culatra. Com o consumo sendo estimulado mais do que devia, há a possibilidade de faltarem mercadorias na praça. A esse fenômeno dá-se o nome de inflação de demanda, situação incômoda pela qual passou o Brasil nos anos 1980, com sucessíveis e malsucedidos planos econômicos que resultaram em congelamentos de preços.

Para Jankiel, o crescimento do próximo ano tende a ser forte sem que haja necessidade de estímulos. E isso, em contrapartida, fará com que o BC fique entre a cruz e a espada no que diz respeito à condução da política econômica em 2010. Luís Otávio, do ABC Brasil, vai além: ¿Vai ser um teste definitivo do BC no governo petista. Ou aumenta juros, ou entrega o país com uma inflação acima da meta (de 4,5% para o próximo ano)¿, aposta.

Gastos

Incólume ao protesto do mercado, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva disse estar emocionado com os anúncios. Segundo ele, há muitos anos não eram apresentadas medidas como essas para o desenvolvimento da economia. E que o país necessitava de estímulos para progredir. ¿O Brasil precisava ouvir isso, os empresários precisavam ouvir isso, os trabalhadores¿, contou o presidente.

Lula também fez um alerta que, apesar de o país ter reagido bem ao combate à crise, o governo não pode descuidar do controle dos gastos públicos. ¿Tem que tomar muito cuidado. Se eu fosse técnico de futebol, não deixaria meu time, depois da vitória, sair para a gandaia. Tem que ter foco.¿

Para o governo, é mais interessante um crescimento desses em um ano eleitoral do que uma evolução sustentável. E para isso, ele utiliza as armas que tem