Título: Guerra não está ganha
Autor: Brito, Ricardo
Fonte: Correio Braziliense, 11/12/2009, Política, p. 5

Governo teme não ter votos suficientes para aprovar destaques da proposta que cria regime de partilha da camada de petróleo

Rodrigo Rollemberg, líder do PSB: ¿Vamos ter uma votação apertada¿

O governo não venceu a principal batalha do pré-sal, mesmo com a aprovação anteontem à noite do texto-base que cria o regime de partilha para explorar a nova camada petrolífera. Nenhum líder governista aposta que haja uma margem de votos suficiente para garantir que serão derrubados, na próxima terça-feira, os destaques apresentados por integrantes da base aliada com o apoio da oposição. A base tampouco tem um termômetro para avaliar se sairá vencedora na futura votação. Ao contrário da análise do texto-base, que foi simbólica, os destaques terão de ser apreciados em votação nominal, quando os deputados declararam, um a um, seu voto.

¿Vamos ter uma votação apertada na semana que vem. Há um movimento muito grande de forças no Congresso que querem inviabilizar o acordo feito sob o pretexto de ganharem mais recursos¿, afirmou o líder do PSB na Câmara, Rodrigo Rollemberg (DF). O deputado não faz prognóstico se o relatório da partilha, aprovado pelo líder do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), será mantido sem alterações. ¿O projeto aprovado pelo Plenário virou piso¿, avalia Rollemberg.

Para aprovar o projeto de partilha, o governo Lula, representante da União, abriu mão três vezes em uma semana de fatias de dividendos de petróleo para debelar conflitos dentro da base aliada. Primeiro, o Executivo aceitou perder parte dos royalties a que tem direito nas áreas já licitadas em favor dos governadores, para atender um pedido dos governadores nordestinos. As áreas que já têm contratos representam 28% do total da nova camada de energia. Depois, cedeu também uma parcela da chamada participação especial ¿ outro dividendo do petróleo. Por último, decidiu aumentar na terça-feira passada a parcela reservada aos municípios produtores de petróleo em royalties. Atendeu assim a chiadeira da bancada fluminense nos contratos já firmados pelo pré-sal ¿ no Rio estão as maiores cidades produtoras. ¿Não temos mais o que e como ceder¿, pondera o líder do PSB, uma vez que o projeto, interrompido, continua em votação.

A principal proposta alternativa dos rebelados da base aliada é a emenda do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS), ex-presidente da Câmara. Ela altera radicalmente todo o rateio atual e futuro dos dividendos de petróleo no país. O destaque prevê a divisão de metade dos recursos dos royalties para todos, produtores ou não, com base em critérios do Fundo de Participação de Estados (FPE) e Fundo de Participação de Municípios (FPM). Os dois números levam em conta índices de desenvolvimento humano. A outra metade dos royalties ficaria com a União. ¿A principal batalha vai começar na semana que vem¿, afirma o deputado Marcelo Castro (PMDB-PI), maior articulador dentro da base aliada da derrubada do texto aprovado. ¿Vamos ganhar no voto¿, repete Castro todas as vezes em que é questionado se a proposta tem viabilidade de sair vencedora.

Nos bastidores, a bancada do Rio de Janeiro é a que mais teme a eventual aprovação do destaque de Ibsen. Por uma razão simples: o estado e os municípios da região, onde estão os maiores produtores de petróleo, são os mais bem aquinhoados com verbas no atual regime, o de concessão, e terão perdas proporcionais pequenas no futuro modelo de partilha. Em 2008, eles receberam ao todo R$ 12 bilhões em recursos, 13% dos R$ 93 bilhões repartidos entre todos os estados e municípios brasileiros. O destaque refaz toda essa matemática.

A principal batalha vai começar na semana que vem. E vamos ganhar no voto¿

Marcelo Castro (PMDB-PI), deputado federal

Entenda o caso Pendenga bilionária

A briga pelos bilionários recursos do novo sistema de exploração do petróleo na camada do pré-sal, o regime de partilha, opõe forças políticas em disputa no Congresso: a União, representada pelo governo federal; os estados e municípios produtores de petróleo ¿ os principais são estão na região Sudeste, São Paulo, Rio de Janeiro e Espírito Santo ¿; os estados e municípios não produtores de petróleo, todos as demais unidades da Federação.

A mudança do regime interessa principalmente ao governo federal porque daria um maior equilíbrio no rateio dos dividendos do petróleo. O Estado também fica responsável pela exploração física dos novos campos. No regime atual, o de concessão, empresas privadas ficam com todo o petróleo, mas pagam taxas de exploração à União.

O governo federal aceitou ceder parte dos recursos que receberá em contratos de pré-sal já firmados pelo regime de concessão, que representam 28% do total, para aprovar a mudança no Congresso. Esses contratos já terão dividendos financeiros no final do próximo ano.

Estados e municípios produtores de petróleo, principais beneficiados pelo atual regime, não aceitam perder receita com a mudança do sistema. Vão receber parcela dos dividendos da União no pré-sal já licitado e devem ganhar também no regime de partilha. Os três principais estados produtores devem receber mais de R$ 20 bilhões em recursos de petróleo no final da próxima década.

Agraciados na proposta de partilha, estados e municípios não produtores lutam por mais recursos em caixa o quanto antes. Os estados do Nordeste são os que mais reclamam verbas. Pressionado, o governo federal fez um acordo na semana passada com os governadores nordestinos. Também vão receber parte dos dividendos da União nos contratos do pré-sal já licitados. Antes sem direito a nada, receberão um extra quando a produção estiver a pleno vapor, em 2019, de R$ 3,6 bilhões anuais.

¿É tudo ou nada¿ Daniel Ferreira/CB/D.A Press - 12/6/07 Personagem da notícia Castro, futuro líder da bancada piauiense: ¿Não queremos migalhas¿

Deputado federal de terceiro mandato, o médico psiquiatra Marcelo Castro (PMDB) pretende curar os males do Piauí, estado brasileiro com um dos piores indicadores sociais, com o remédio da redistribuição dos recursos do pré-sal. ¿É tudo ou nada¿, afirma o parlamentar, eleito líder da bancada piauiense a partir de fevereiro. Por tudo ou nada, Castro tem buscado convencer os deputados nordestinos a apoiar o destaque do deputado Ibsen Pinheiro (PMDB-RS) na votação do regime de partilha, na próxima terça-feira.

A proposta de Ibsen garante ao Piauí mais de R$ 1 bilhão por ano em dividendos de petróleo quando a exploração da nova camada de energia estiver a pleno vapor ¿ provavelmente daqui a 10 anos. O relatório do líder Castro e do PMDB, Henrique Eduardo Alves (RN), aprovado anteontem, reserva, nas mesmas condições, apenas R$ 237 milhões. Essa verba extra aos piauienses não estava sequer garantida no texto original do pré-sal. Só entrou nas negociações após pressão dos governadores nordestinos, insatisfeitos com o rateio dos lucros do petróleo.

¿Não queremos migalhas¿, avisa Castro, contrário aos acertos firmados pelos governadores da região e contente com os apoios recebidos. Nas sessões do plenário de terça e quarta-feira, o parlamentar conversava pacientemente com todos os deputados possíveis para cabalar apoios na derrubada do texto de Henrique Eduardo Alves. O principal argumento são números espantosos: ¿Como vocês podem ficar satisfeitos se daqui a 10 anos o Rio de Janeiro vai ganhar R$ 17 bilhões em dividendos de petróleo?¿ O Piauí, pouco mais de 1% disso.

¿É uma mentira¿, brada o líder do PSB, Rodrigo Rollemberg (DF). Pelos cálculos dele, o Rio de Janeiro receberá futuramente pouco mais de R$ 2 bilhões. A guerra dos números ainda terá um último capítulo.